Há pouco tempo publicamos aqui listas de livros marcantes. Na minha constava ‘Solte os cachoros’, da Adélia, que foi o primeiro dela que li e que de fato provocou abalos sísmicos na minha cabeça. Mas o que me levou a soltar os cães foi o poema que transcrevo abaixo. Apresentado nas “oficinas-experimentais-feministas” chamadas “Espírito da Coisa”, às quais eu tive a sorte de participar, foi ele que detonou em mim uma série de questionamentos e inaugurou o interesse e atenção para as questões de gênero. Foi tão marcante que ainda hoje, passados vários anos, muitas leituras e referências depois, permacence intacto como gênese. Espero que você também gostem.
Com licença poética
Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
– dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade da alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Helena Costa
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