Segunda-feira, Abril 21, 2008
Fiquei indignada quando soube que fizeram obras na casa da minha vó. Ainda que ela esteja morta há mais de 10 anos, e que more na casa um de seus filhos, isso não faz a menor diferença. Será sempre a Casa da Vó, com maiúsculas, lugar de afeto e acolhida, que jamais deveria ser modificado. A partir dessa descaracterização de tão importante edificação sentimental, passei a defender a criação do Iphem, o Instituto do Patrimônio Histórico Emocional. Ele tombaria e preservaria locações inesquecíveis na nossa cartografia sentimental, como a escola primária, a pracinha do bairro, o salão de baile dos primeiros amassos e tantos outros, carentes de proteção contra a violenta ação do tempo e do homem.
Varia de acordo com o grau de saudosismo ou apego de cada um o rol de itens a serem analisados pelo Iphem. Mas desconfio que a Casa da Vó apareça com freqüência, porque salvo as indefectíveis exceções, a Casa da Vó costuma simbolizar muitas coisas, transcendendo a própria avó. Durante um bom tempo da vida serve como espaço de socialização e convívio com primos e primas; ali a palavra família começa a ampliar seu alcance – e, conseqüentemente, a palavra “mundo” também. Grande ou não, luxuosa ou simples, Casa da Vó possui muitos caminhos, esconderijos e interesses que se transformam: numa certa fase o mais bacana é a cozinha e seus quitutes, noutras épocas nada nos tira do quintal; tem também o período de exploração das estantes de livros e discos, sótãos ou uma singela caixa de fotografias esquecida num canto do armário.
E como, em geral, as avós não mudam muito (em variados sentidos), a Casa da Vó mantém-se, com uma pintura aqui ou um conserto ali, mas permanece, assistindo, testemunhando e acolhendo o nosso crescimento. Para lá fomos ansiosos por brincadeira e mimo; e depois a contra gosto quando a adolescência nos esperava impaciente na esquina. Lá chegamos com saudades legítimas da matriarca, ou apenas marcando presença no almoço dominical. E a todas essas, a casa lá, velha e firme âncora da nossa trajetória. Em alguns casos, mesmo quando a Vó já não está mais lá, a Casa da Vó permanece, perpetuando ternura e consolando a saudade.
Nunca mais pus os pés na Casa da minha Vó, depois das mudanças. O que não me impede de visitá-la sempre – endereço feliz, eterno e solidamente fincado no mapa da minha memória.
Helê
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