Melhores do ano

Janeiro
Carro novo – Há tempos eu queria trocar de carro, mas não é coisa que possa ser feita se não for “no tranco” – sempre tenho outras prioridades, em geral viajar. Mas no final de 2007 botei na ponta do lápis e vi que estava gastando por mês em oficina o equivalente à prestação de um carro popular (dando uma entrada que somou o meu carro antigo mais uma parcela não desprezível em dinheiro). Não me arrependi – meu carrinho novo é todo básico, mas não me deu (ainda) nenhum aborrecimento.
No cinema: A Vida dos Outros

Fevereiro
Desperate Housewives – É, eu sei que cheguei bastante atrasada, mas antes tarde que mais tarde ainda… O humor negro das situações apresentadas nesta elogiadíssima série fizeram totalmente minha cabeça. Assisti a primeira temporada em DVD e não consegui largar até terminar (perdi algumas noites de sono por causa disso).
Também no DVD: EntreatosAn Evening with Kevin Smith 2: Evening Harder
No cinema: Cloverfield

Março
Tiradentes
Demorou – eu já tinha planejado outras vezes, sem sucesso -, mas finalmente consegui conhecer uma das mais bacanas cidades históricas mineiras (e não são poucas). Além de ficar encantada pela beleza da cidade, foi uma delícia encontrar amigas queridas, curtir a amizade dos nossos filhotes, aproveitar um fim de semana com meu pai, meu filho e meu sobrinho: coisas simples da vida me aprazem.

Abril
Manderlay – Lars von Trier sempre me agrada. A continuação de Dogville foi particularmente inteligente.
No museu: Exposição Darwin Brasil
No cinema: Estômago
Livro: Eu Sou Charlotte Simmons, de Tom Wolfe
Restaurante: Le Pré Catelan

Maio
Galeria do Rock – Indescritível. Vá a São Paulo e veja com seus próprios olhos. (De quebra, o prédio é bacanérrimo.)
Quadrinhos: Persépolis
No cinema: Zona do Crime
Na internet: Novo Duas Fridas
Livro: Amsterdã, de Ian McEwan

Junho
Hulk – Como eu já disse antes, tenho uma quedinha por heróis, especialmente aqueles que me permitem interpretações simbólicas. O Hulk é uma metáfora perfeita da raiva, e de como precisamos aprender a controlá-la – de outra forma, ela pode ser bastante destrutiva.
No DVD: House; Roma (2ª temporada)

Julho
No cinema: Wall-E, Dot.com e Personal Che – Não poderia haver três filmes mais diferentes – o primeiro, uma bela alegoria futurista travestida de desenho infantil; o segundo, um filme português divertido e crítico, que além de tudo isso ainda mostra paisagens incríveis de uma aldeia à beira-rio; o último, um documentário que conseguiu tratar de maneira criativa um tema pra lá de gasto.
Na cidade: Feira de São Cristóvão – Para almoçar com as crianças numa tarde de férias, a pedida ideal: vazia, toda decorada para o São João, comida boa e farta, doces bem brasileiros, sem o calor do verão.

Agosto
No teatro: A Noviça Rebelde
Livro: Água para Elefantes
Restaurante: Mr. Lam
No cinema: U2 3D

Setembro
Ensaio sobre a Cegueira – Tinha lido o livro alguns meses antes, e ao terminar fiquei me perguntando como seria possível transpor  o brilhantismo de Saramago para a tela do cinema. Fernando Meirelles conseguiu fazer isso de maneira extremamente competente – e, de certa forma, surpreendente.
No DVD: Across the Universe
No cinema: Mamma Mia!

Outubro
Minúsculos Assassinatos e Alguns Copos de Leite – O tão esperado livro da Fal é um sucesso – e não apenas porque ela é uma querida que todos amamos. O romance é bem escrito, é poético, é bonito, prende do início ao fim. Para coroar a história, o lançamento na livraria Prefácio foi uma das noites mais emocionantes do ano.
No mundo: Praga, Portugal

Novembro
Onde Vais, Isabel? – Em Portugal, me indicaram este livro da Maria Helena Ventura, sobre a vida da rainha santa Isabel. Escrito de maneira quase medieval ( só lendo para entender), mostra, além de uma versão muito interessante para o ‘milagre das rosas‘, a história da acolhida aos Templários em Portugal, pelo rei Dom Dinis, e sua transformação na Ordem dos Cavaleiros de Cristo. Um belo romance sobre a pouco conhecida (por nós brasileiros), porém interessantíssima, História de Portugal.
No cinema: Vicky Cristina Barcelona

Dezembro
Wii Fit – Um videogame que parece mágica transformou minha sala em academia e minha pessoa sedentária em uma potencial malhadora. Resultados a conferir.
Morro da Conceição É um lugar inacreditável. Quem passa na Praça Mauá, ali pros lados da rua Sacadura Cabral, simplesmente não faz idéia do encanto que se esconde lá em cima. Em dia de procissão, parece uma viagem no tempo.
Outras coisas: Roberto Carlos em Ritmo de Aventura e o show do Lafayette e os Tremendões no Claro Cine; Formatura da escolinha; o jogo Carcassone; e o show do João Penca e seus Miquinhos Amestrados no Circo Voador

Melhores de 2007

Melhores de 2006

-Monix-

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Eu e os Walkers

Não pensei nisso quando peguei toda a 1ª temporada de Brothers & Sisters na locadora, mas enquanto assistia, no dia 24, pensei que nada poderia ser mais adequado que passar  o natal com aquela grande, alegre, intensa e louca família. Essa série é o meu xodó atual, em termos televisivos. Que fique claro que continuo firme com House, of claro, nada abala a nossa relação. Mas pra quem, como eu, cresceu vendo novela,   Irmãos &  irmãs é simplesmente irresistível (como fica tolo esse título em português, heim?). Um novelão liderado pela Sally Field, que parece uma Regina Duarte americana, só que com (mais) talento. E exibido uma vez por semana, o que, convenhamos, é a medida exata da boa teledramaturgia. Não tem nada de original na forma ou no conteúdo, o enredo não poderia sem mais simples: a dinâmica de uma abastada família americana de 5 filhos adultos e sua mãe após a morte do pai. Sensação de já ouvi ( ou déjàvu, pros mais refinados)? Pois é, mas o texto é bem escrito, as crises e mistérios não demoram demais, há equilíbrio entre drama e comédia e um elenco muito, muito bom.  Além do mais, é família, né gente? Aquela coisa estranha à qual todos nós pertencemos, de onde todos nós viemos e de onde a gente nunca sai, na verdade. Ao assistir, a gente se identifica hora com a irmã mais velha, hora com o tio, hora com a mãe, e acaba percebendo os variados papéis que desempenhamos na nossa vida real, por assim dizer. E a Nora da Sally Field é absolutamente adorável: intrometida, forte, emotiva, prestativa, decidida, paranóica – uma mãe, enfim.  Grande série, eu recomendo.

E eu me dou conta agora  que talvez o primeiro seriado que acompanhei tenha sido Os Waltons, que eu via religiosamente com minha mãe e meu irmão nos sábados à tarde, quase um ritual familiar. From Waltons to Walkers. Que longa estrada desde aqueles sábados até esse natal…

Helê

Papai Noel existe

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Faz tempo que já não acredito em Papai Noel, seja real ou metafórico. Há alguns anos o clima natalino não me pega nem aos 45 do segundo tempo, e participo das comemorações muito mais por obrigação social que por um verdadeiro espírito de confraternização (que já senti, legitimamente, em natais passados).

Só o que me encanta nessa época do ano – mesmo correndo o risco de parecer piegas, o que talvez esteja sendo de fato – é o fascínio das crianças pelo enigma do “bom velhinho”.  No último fim de semana, levamos os pequenos “fridinhos” para ver a Árvore de Natal da Lagoa, e de repente os holofotes iluminando o céu se transformaram no trenó fazendo entregas dos presentes. Às vezes parece que, como dizia Renato Russo, o mundo anda tão complicado, e que as crianças, por terem tanto contato com o noticiário, a realidade da violência, o mundo dos adultos de maneira geral, poderiam ter perdido a inocência de acreditar na fantasia. Mas é bom ver que ainda há espaço para o mundo mágico. É o primeiro contato com a noção de esperança, e sem ela é muito difícil atingir a felicidade plena.

Que neste Natal – e nos Natais futuros – a gente possa reencontrar, nem que seja por uma noite, aquela criança que um dia fomos, e acreditar que existe, em algum lugar, um Papai Noel que vai presentear quem se comportou bem durante o ano. Eu acho que é preciso acreditar nisso – e você?

Para celebrar a beleza da crença infantil, queria dividir com vocês duas reportagens que mostram como podemos parar tudo, pelo menos hoje, e simplesmente acreditar: o emocionante editorial “Sim, Virgínia, Papai Noel existe” (publicado no jornal The New York Sun em 1897) e a entrevista com o cientista que explica, por meio da ciência e da tecnologia, a existência do bom velhinho. (Se não conseguir assistir o vídeo, leia aqui a história completa.)

Feliz Natal, queridos amigos.

-Monix-

Filho não é a mesma coisa que criança

O síndico da blogosfera já dizia que gostar de crianças é diferente de querer ter filhos. Ao que nós podemos contrapor: por sua, vez, querer ter filhos não necessariamente é a mesma coisa que gostar de crianças.

Pensem com a gente: bebês crescem, viram crianças, depois pré-adolescentes e adolescentes. Num estalar de dedos (o tempo voa, minha gente), seu bebê é um adulto. A infância provavelmente representará a menor parte do relacionamento de uma mãe (ou pai) com seu(s) filho(s). Todos nós somos adultos e quase todos temos pai e mãe, não é? Se a gente pensar bem, são 10 anos de infância, mais uns 8 de adolescência e o resto da vida – estamos falando de um período de 50 anos antes de passarmos desta para a melhor? – para conviver com nossos filhos em idade adulta.

Ter filhos tem a ver com gerar, criar, amar. Ter filhos não necessariamente tem a ver com gostar de criança, ter jeito para brincadeiras, criatividade para festinhas, disposição para acordar de madrugada, paciência para montar quebra-cabeças, memória para decorar o nome de todos os alienígenas do Ben 10, ou saco pra assistir Hanna Montana. Pode ter a ver, mas não necessariamente.

Há coisas mais importantes que tudo isso: saber encontrar o equilíbrio entre a autoridade necessária e o autoritarismo indesejável; ter responsabilidade para identificar o que é melhor para seu filho; ter maturidade para ser aquela chata que não deixa nada, sem medo de não ganhar o troféu de popularidade (mãe é pra isso, também); ter sensibilidade para perceber os sinais que as crianças nos enviam; conseguir viver nossas próprias vidas sem abrir mão de estar presente na vida deles.

E o mais legal de tudo isso é que de repente a gente se pega até curtindo a produção da festinha, a brincadeira de boneca/herói, a montagem do quebra-cabeças.

Duas Fridas

Eles crescem, a amizade aparece

Ontem fui à “formatura” do meu filhote na educação infantil. Confesso que apesar de ter uma forte implicância com esse tipo de evento (eu sou do tempo em que a gente se formava no ensino médio e na faculdade e olhe lá), me emocionei com o caráter “rito de passagem” da coisa. As crianças que conheci pequetitas, com menos de 3 aninhos, estavam crescidas, amadurecidas, felizes com suas conquistas. Acima de tudo, foi bonito ver a amizade das crianças e a consciência que eles tinham de que a partir de agora irão para outras escolas, conhecerão novos amigos, mas poderão se reencontrar quando quiserem.* Foi fascinante constatar que a construção do sentimento de amizade está muitíssimo bem encaminhada para aquele pequeno grupo de crianças. Mesmo que  não seja possível, por causa das circunstâncias da vida, manter o contato com Brunos, Guilhermes ou Júlias, eles aprenderam o que é ter amigos. Agora é saber cultivar.

Na despedida final, o amiguinho que também é vizinho gritou para o meu filho: “que o seu Natal seja mais feliz que o meu!” Uma definição tão perfeita do verdadeiro sentido da amizade que só poderia ter sido formulada por uma criança de seis anos.

-Monix-

* Claro que por enquanto dependem das mães para isso, e também foi bacana para mim, particularmente, ao longo desses anos de pré-escola, romper com minha antipatia de estimação e me relacionar com as mães dos amigos do meu filho, muitas delas pessoas interessantes, que também poderiam(ão) ser minhas amigas.

África lusófona

Andei lendo sobre o Acordo Ortográfico (estou meio monotemática, mas juro que penso em outras coisas nos intervalos), e me deparei com este texto do angolano José Eduardo Agualusa em que ele não apenas defende a adoção do tratado internacional como vai além: defende que se Portugal não aceitar o acordo, Angola deve adotar a ortografia portuguesa. O argumento dele é no mínimo interessante:

Somos um país independente. Não devemos nada a Portugal. O Brasil tem cento e oitenta milhões de habitantes, e produz muito mais títulos, e a preços mais baratos, do que Portugal. Assim sendo, parece-me óbvio que temos mais vantagem em importar livros do Brasil do que de Portugal.

Enquanto isso, a Maria João mandou outro texto, dessa vez do moçambicano Mia Couto, sobre seu avô Jorge, que acaba contando também um pouco sobre como a literatura brasileira é importante para a formação cultural dos países da África lusófona.

Na altura [anos 1960,período final da ditadura colonial de Portugal em África], nós carecíamos de um português sem Portugal, de um idioma que, sendo do Outro, nos ajudasse a encontrar uma identidade própria. Até se dar o encontro com o português brasileiro, nós falávamos uma língua que não nos falava. E ter uma língua assim, apenas por metade, é um outro modo de viver calado. Jorge Amado e os brasileiros nos devolviam a fala, num outro português, mais açucarado, mais dançável, mais a jeito de ser nosso.

Nós brasileiros nos acostumamos a lamentar muito a falta de conexão e identificação com nossos hermanos latino-americanos. Acabamos esquecendo de países que podem ter muito em comum conosco, além, obviamente, da língua. (E se você, como eu, acredita que a língua molda a forma de ver o mundo, vai concordar que só a língua já seria muito para se ter em comum.)

As relações entre os povos refletem, em grande parte, as relações entre os indivíduos, por óbvio. A gente olha para cima, no máximo para os lados – nunca para baixo. Eu posso imaginar como deve ser a vida dos milionários, e sei bem como vive a classe média brasileira, mas não faço a menor idéia de como é o dia-a-dia da minha empregada doméstica (quais são seus problemas, como é sua rotina, com o que ela sonha, por que ela sofre, como ela ama? Sei lá.) O mesmo acontece nas relações internacionais: a gente conhece a cultura americana de trás pra frente; a gente sabe que na Argentina, no México e no Chile as pessoas vivem mais ou menos os mesmos dilemas que nós aqui no Brasil; mas não temos a mínima pista de como é a sociedade angolana – ou a moçambicana. Aliás, a maioria de nós deve pensar que Angola, Moçambique, Madagascar, Zanzibar é tudo a mesma coisa, não é?

Ler os dois textos lincados neste post me fez sentir uma saudade do que nunca vi. Deu vontade de saber mais, como se de repente descobrisse uma parte da família que estava afastada, tipo primos distantes, que de repente se aproximam.

Primeira providência: ler Agualusa e Mia Couto.

-Monix-

Não quero mais nada que me machuque

Esta é a campanha em andamento aqui em casa. Conseqüência imediata: menos três pares de sapatos que me apertavam, já havia algum tempo.

Em minha defesa alego que eram sapatos fechados, do tipo que eu uso pouco. Contra mim admito que não há razão lógica para crer que o sapato que incomodou hoje será confortável daqui a seis meses. No entanto esses pares persistiram, de estação em estação, até a atual revolta.

Porque, veja bem, apesar de ilógico, esse comportamento se mostrou quase um padrão. E o pior, um padrão coletivo, se vc entender as Duas Fridas como amostragem suficiente para o adjetivo. Quando contei pra Monix da campanha ela riu de mim e dela, pois confessou agir de modo semelhante. Será o que isso, gente? Culpa cristã? Anti-consumismo desenfreado? Cacoete de gênero, fruto da iniciação precoce das mulheres nos rituais sacrificiais da depilação, retirada de cutícula, chapinha e outras crueldades banalizadas?

Eu não sei, cara, mas por algum motivo ainda obscuro a gente fica dando chance pra um sapato (!?!), com pudores de jogar fora ou doar pra alguém. Não sem antes insistir,  tentar  superar o incômodo  até o limite – pra só então, com uma reluzente bolha  no dedinho, concluir:  “É, não dá mais”.

Enquanto tento entender esse comportamento bizarro,  sigo na campanha e abro espaço na sapateira – meus pés agradecem.

Helê

Corrida para quem precisa

Quando eu escrevi aqui sobre a minha primeira corrida de rua recebi vários175746760 comentários bacanas de gente que também corre, correu ou se preparava pra correr.  Um deles era da Ludmilla, que comentava pela primeira vez:  “Estou me preparando para viver esta emoção“, ela disse. Trocamos alguns e-mails e eu dei algumas dicas que, pra mim, foram preciosas.

No dia 2/11 eu estava novamente no Aterro, naquela que seria a estréia dela e a minha segunda prova. Pensei na Ludmila e torci para que ela completasse a corrida bem. Alguns dias depois pintou um novo comentário lá no post:

Eu consegui! Completei a prova correndo o tempo todo, sem caminhar. Lembrei de vc em muitos momentos e quando avistei a chegada – já estava nas últimas – fiquei super emocionada (programei meu MP3 para chegar ao som do “Tema da Vitória”, e deu certo!)! Completei os 5 km em 35:09.
Ludmilla

Então eu disse a ela que publicaria o depoimento aqui na frente, pra todo mundo ler, porque pode ser útil pra mais alguém. E assim a ciranda vai aumentando e a gente segue fazendo amigos e influenciando pessoas ;-).

A quem interessar possa, eu postei uma lá no Chatô pleilist do Circuito Vênus (eu sempre preparo uma lista pra cada corrida, de acordo com o tema, o clima e diversas outras variáveis).

Até a próxima, Ludmilla.

Helê

Sobre o mesmo t(r)ema

Eu gosto de me considerar uma pessoa que se adapta facilmente a mudanças. Ou, melhor ainda: uma pessoa que gosta de mudanças. Não sei se tem a ver com meu ascendente Aquário, com uma certa mania de estar sempre perto do que é novo. O fato é que gosto de pensar que fujo, sempre que consigo, do comodismo, da zona de conforto, rumando em direção ao que vai ser diferente. Claro que na prática a teoria é outra, mas estou falando de como venho construindo minha auto-imagem ao longo dos anos.
Só que agora, com a proximidade da adoção do acordo ortográfico dos países lusófonos (pelo que entendi, não há data certa para começar, mas a partir de 2008 recomenda-se que a nova regra passe a ser utilizada), estou me sentindo, talvez pela primeira vez na vida, uma pessoa antiga. Nem é antiquada: é antiga, mesmo. Minha avó, uma mulher esclarecida, diria até antenada, até hoje escreve “êle”, com esse acento circunflexo esquisito. Nunca entendi esse apego a um sinal que já era obsoleto quando eu nasci. Agora percebo que provavelmente essa mudança foi feita quando minha avó tinha, sei lá, entre 40 e 50 anos, ou seja, já escrevia desse jeito há tempo demais.
Eu posso até me acostumar com a eliminação dos acentos nos ditongos crescentes (ou descrescentes?), e é óbvio que nunca vou decorar as regras para uso do hífen (bem, eu nunca soube mesmo). Mas sinto que jamais me conformarei com a eliminação total do trema. Pô, gente, mas o trema tem uma função fonética super importante! Eu não como linguiça, e sim lingüiça! Não pago cinquenta, e sim cinqüenta! (Que, aliás, às vezes minha avó se distrai e escreve como “cincoenta”.) Já me vejo uma velhinha gagá, reclamando da “juventude de hoje em dia”, lembrando como era bom no meu tempo de outrora, e escrevendo muitas palavras estranhas com uns pinguinhos em cima do U, que meus netos nunca saberão para que servem.
Lamentável ter que me confrontar com a inexorável marcha do tempo, assim, tão cedo.

-Monix-

Publicado originalmente em 10 de setembro de 2007, no endereço antigo.

Update – Em tempo: que fique claro que eu apóio (apoio?) a implantação do Acordo Ortográfico, acho que a unificação da ortografia é importantíssima e tem um conceito muito simpático por trás, que é a integração dos países lusófonos. (Só podiam ter mantido o trema, não custava nada.)
Leiam aí o verbete da Wikipedia (pelo menos o primeiro item, sobre os antecedentes do acordo), para ter uma idéia de como a situação atual é bizarra. Então é isso, eu não sou contra o acordo; sou contra a sensação de ficar “antiga”. :P

Porque Veríssimo é meu pastor

Nada me faltará, e está garantido ao menos um sorriso no domingo. Neste que passou ele me arrancou uma gargalhada :

Estou me sentindo culpado. Nunca usei o trema. Desde que aprendi a escrever — sem piadas, por favor — , ignorei o trema. Quando comecei a escrever, por assim dizer, em público, continuei a ignorá-lo. Os revisores, se quisessem, que acrescentassem os tremas onde cabiam. (…)

Mas, com a nova reforma ortográfica, o trema vai desaparecer. E eu fiquei com remorso. Talvez tenha sido injusto com ele. O trema, afinal, tinha uma história. Tinha uma razão para existir, mesmo modesta. Tinha uma função, mesmo dispensável. E eu o desdenhara sem dó, coitadinho. ”

“Müller e Anaïs”,  O globo, 30/11/08

Helê

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