Tempo, tempo, tempo, tempo – Benjamin Button

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Atenção: contém spoilers, sorry.

Trilha sonora no Chatô das Fridas : Tempo II

Quis ver “O curioso caso de Benjamin Button” desde que ouvi sobre ele no programa da Oprah. A idéia de uma vida que segue no sentido inverso, de alguém que nasce velho e morre criança, pareceu-me absolutamente irresistível, tanto pelos aspectos técnicos quanto pelas questões morais, filosóficas, emocionais com as quais poderia lidar. Assim, corri ao cinema na primeira oportunidade – logo eu que, em geral, vejo tudo depois de todo mundo (e posso levar meses para ler um post do meu próprio blogue para fugir dos spoilers).

Saí da projeção comovidíssima, depois de chorar baldes e me entregar totalmente àquelas histórias e àqueles personagens. Sabe quando ao sair do cinema e o mundo todo parece muito estranho, o xópin, os barulhos, as pessoas, tudo soa quase violento? Pois foi assim comigo, demorei a voltar, e quando recobrei o sentido da realidade certamente não era a mesma de antes.

Emocionei-me logo de cara com aquela pela situação terminal entre mãe e filha. Do mesmo modo fui tocada por Queenie e sua fé, fortaleza e farol de uma vida igualmente árdua e generosa. É verdade que ando tão à flor da pele que etceteretal, mas o filme me ganhou logo, em cenas e situações até prosaicas, que apesar ou por isso, também prenhes de poesia. Quase tanta quanto a bela história de amor que, se não chega a ser impossível, não dura para sempre – como de resto, nada, nos ensina Benjamin.

O clima de fábula, a alternância entre inocência e descoberta me fizeram lembrar de Forrest Gump (soube depois que trata-se do mesmo roteirista). De uma maneira menos atuante e mais introspectiva que Forrest, Benjamim atravessa boa parte do século XX – e não deixa de ser curioso que isso seja igualmente pontuado pela 2ª guerra mundial e por uma apresentação dos Beatles na tevê (viva eles, sempre!). Ao contrário de outros apelos à fantasia, neste filme o pacto de “suspensão da descrença” é estabelecido com mais cuidado e coerência. Assim, Benjamim cresce num asilo, onde ninguém vive tempo suficiente para perceber seu crescimento anormal. Lança-se ao mar e vive anos viajando, sem criar vínculos por longo tempo com ninguém. Pequenos detalhes que dão alguma verossimilança, apenas  o necessário para não incomodar o espectador nem fazê-lo de besta, justificando tudo por tratar-se de um história fantástica.

Há quem ache o filme longo, mas não pra mim, não percebi as horas passarem –  o que talvez comprove a excelência de um filme em que o tempo é o protagonista absoluto. Ah, o tempo – Caetano tinha razão, é um dos deuses mais lindos. Sim, há Brad Pitt em várias idades e a fabulosa Cate Blanchet (que pode ser qualquer coisa, bailarina, feia, velha, linda, que talento!). Ambos no auge do esplendor físico ou bem perto disso, mas eles passam boa parte do filme aparentando idades que ainda ou já não têm. It’s not about that, é sobre como nos tormamos as pessoas que somos, com as oportunidades que temos e também as que perdemos, para além do que aparentamos.

bradsSou eu envelhecendo ou começa a haver algum espaço para pensar na maturidade, na velhice, na morte, dentro da indústria sempre jovem-bela-magra do cinema? (Ou esse nicho sempre esteve aí e eu é que estava ocupada tentando ser jovem-magra-bela? Bom, agora desisti). O fato é que eu saudava com a Sócia o excelente “O clube de leitura de Jane Austen”, o mediano “Bonneville” e o saboroso “Mamma mia” (visto com a freguesa de caderno Ana Paula), filmes protagonizados por mulheres e homens maduros, tratando de questões mais relevantes que as das inervantes balzaquianas casadouras, seus diários, vestidos e mães.

Tenho a forte impressão que o filme permanecerá em mim de um modo indelével, e ainda há coisas a pensar e aprender com ele. Idéias a desenvolver ou abandonar. A solidão nos extremos da vida. O filho como um divisor de águas, um marco que separa ao invés de unir. Adélia Prado e o verso “Só a mulher entre as coisas envelhece”. A aceitação da morte como uma visita natural,  necessária até. Há muito para refletir e cada vez que eu falo com alguém que viu o filme descubro ainda outro viés que não notei, um bordado insuspeito. Como todo bom filme, ou como os melhores, é uma história sobre as relações humanas, laços, encontros, tempos. Tempotempotempotempotempo.

Termino aqui pra saber da opinião de vocês, deixando um citação especialmente tocante para mim, das cartas de Benjamim par a filha:

For what it’s worth, it’s never too late, or in my case too early – to be whoever you want to be. There’s no time limit; stop whenever you want. You can change, or stay the same – there are no rules to this thing. We can make the best or the worst of it. I hope you make the best of it. I hope you see things that startle you. I hope you feel things you never felt before. I hope you meet people with a different point of view. I hope you live a life you’re proud of. If you find that you’re not, I hope you have the strength to start all over again.

Helê

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12 Respostas

  1. Só hoje assiste ao filme, pois não tive oportunidade de ir ao cinema (nem sei o porquê, pois tempo tenho de sobra), e vi num piratão que meu amigo me emprestou, apesar de saber que isso não é politicamente correto, mas se até LULA viu um piratão pq eu não posso?Concordo com vc, o filme é belíssimo e o TEMPO é o gde protagonista, e o roteirista teve uma idéia genial,merecedora do OSCAR, justamente hoje em que o que o mais se leva em consideração são os silicones, a bunda e nossos aspectos físicos, então é hora de refletirmos, para sabermos que tudo isso é efêmero.
    E uma frase que eu particularmente achei exata foi dada pela Cate Blanchet que ela disse :A GENTE NASCE DA FRALDA E ACABA NA FRALDA!
    Belo texto sobre o filme, dá-lhe HELENA.
    Abçs

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  2. […] que o Alex deixou um comentário aqui falando dos clichês do filme “O curioso caso de Benjamin Button” que eu tô com essa frase cabeça. Fiquei pensando que, na verdade, muitos clichês não […]

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  3. Nossa…eu me senti do mesmo jeito ao sair do filme. Senti muitas vezes um nó na garganta, uma angústia..e saí inebriada da sessão. Fui dormir pensando nele e acordei pensando nele. Hoje, quase uma semana depois, estou aqui ainda envolvida com a história, com as cenas, com sofrimento de Benjamin..a infância negada, num asilo, sem poder brincar, com saúde e aspecto de velho, o olhar de curiosidade/desprezo das crianças da idade dele, o seu pai, que só perto de morrer, se revelou, a sua solidão.. E ainda tendo que se afastar da mulher que amava e de sua filha… O filme é muito delicado, apesar de lidar com uma história pessoal tão triste. Ele é sutil..não é escancarado, é pra ser apenas percebido, não ofendendo nossa capacidade de percepção. Parabéns pela crítica, você conseguiu expor tudo o que eu estava sentindo!

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  4. Helê,
    Fui ver o filme e sinto muito mais vou discordar de você.
    O filme é um porre, chato, lento com uma música que da sono.
    Achei a história sem eira nem beira, porque o fato de nascermos velhos e ficarmos novos e igual a nascer novo e ficar velho, no final todos usamos fraldas como bem disse o filme, não se mostrou nenhum conflito interior, nenhuma análise sobre rejeição, tudo corria na vida do cara como se ele fosse amado, normal etc…ou seja uma propaganda de margarina ao reverso.
    Na boa !! nesta temporada summer o melhor foi madasgasgar 2.
    Desculpe não concordar com você ;-) não muda o fato que vc escreve bem pra caramba

    Ô, Gladys, vale o mesmo que eu mandei pro Alex, não precisa se desculpar por não concordar comigo, imagina! Ainda mais se discorda e ainda faz elogio, hahahaha!
    Mas penso que vc quer ouvir a minha opinião sobre a sua: acho que Benjamin lida sim com a rejeição, várias vezes: fala sobre isso com o pigmeu, lida com a rejeição do pai, da própria Daisy na 1a vez que ele vai a Nova Iorque… Só que o diretor optou por não fazer disso o foco principal do filme, nem um drama excessivo.
    Já deu pra perceber que o filme não é uma unanimidade, né? Tenho uma teoria maluca que a questão talvez não seja se o filme é bom ou ruim, mas a capacidade de estabelecer uma conexão ou não com o espectador, uma empatia. Que se dá com alguns e com outros não. Mas como eu disse, é uma teoria maluca.
    Aquele Abraço,
    Helê

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  5. Oi Helê,
    Também não li o post pq estou doida para ver o filme!
    Carnaval no Rio, esse ano, de novo. Espero que não chova! E que, sem combinar de antemão, ao modo carioca, nos encontremos.
    Bj.

    Oi, Dani! Bem-vinda, que Momo olhe por nós esse ano, sem chuva, please! A gente se vê, com certeza (bem carioca, que confirma a não-combinação, hahahaha!)
    Bj, Helê

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  6. Tempo é um deus que rouba acrescentando. A magia do filme reside , num primeiro instante, aí, mesmo que fosse inversa a ordem natural das coisas. A beleza de “pensar” o Tempo encontra linhas semelhantes nos sonetos de Shakespeare.
    Na “simplicidade” do filme reside o outro encanto: conduzir a ler as entrelinhas das entrelinhas que, quando conseguimos, nos mostra que é exatamente no óbvio que encontramos, muitas vezes, poesia e emoção.

    Tempo é um deus que rouba acrescentando. Que frase sensacional, Sérgio, tive que repetir pra fixar. Alegria te ver por aqui, obrigada pelo comentário lúcido e poético.
    Beijo, Helê

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  7. Nossa to louca pra ver esse filme.

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  8. oi hele. desculpa ser do contra, mas achei realmente um dos piores filmes que já vi na vida. praticamente uma antologia de todos os cliches do cinema, da mãe preta lutadora ao marinheiro irlandes bebado. do meio do filme em diante, eu comecei a simplesmente rir. aquelas cenas em que o casal está finalmente feliz, se beijando na praia, e as ondas batendo… pode algo ser mais lugar-comum, meu deus? pra não falar dos símbolos óbvios, como o beija-flor que aparece no meio do mar e depois fecha o filme… e eles ainda explicam cada aparição, pra deixar claro que consideram o espectador idiota e incapaz de entender qualquer coisa por si próprio… e, pra piorar, tirando a premissa, não tem uma unica linha original no filme. todas as lições de moral são batidas e lugar comum… aproveite sua vida… sim, tudo passa…. sim, nada dura pra sempre… bla bla bla… oras, um biscoito da sorte chinês vagabundo já diz tudo isso…. poxa, desculpa helê… eu tb sou manteiga derretida e choro muito facil no cinema, mas pra isso o filme tem que primeiro não ter me alienado e me feito rir por ser tão obvio, lugar-comum e mão pesada…. o problema nao é ser longo, lento, delicado, sem ação, etc. tudo isso são coisas neutras…. um filme pode ser bom ou ruim sendo longo, lento e delicado, dependendo de sua proposta… o que fode é ser tão lugar comum….

    LLL se desculpando por ser do contra? ;-) Imagina, Alex, fique à vontade pra discordar sempre que quiser.
    Olha, eu considerei sua opinião, “revisei” algumas cenas mas não consegui ver essa montanha de clichês. Um exemplo que vc dá, da mãe negra: acho que ela não tem essa de pobre mãe solteira sofredora, ela tem uma postura prática, positiva, e tem humor – a fala dela dizendo que o bebê supostamente moribundo herdou do pai o pior, nasceu branco, é hilária.
    A rigor, Alex, todas as histórias já foram contadas, né? Claro, umas mais que outras, mas no Benjamin tudo o que pode ser visto como clichê ficou em segundo plano pra mim, imersa que eu estava em outras reflexões.
    Beijoca,
    Helê

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  9. Oi helê,

    Cheguei aqui atraves de uma pesquisa no google a respeito do filme, estou escutando todo mundo comentar o filme e fiquei curioso em saber detalhes, diferente do Rafael aí em cima, gosto de saber aquilo que vou ver, ou pelo menos ter alguma impressões para comparar com as minhas.
    Achei seu texto lindo e poético, me deixou realmente afim de ver o filme.
    Assim que ver, volto aqui para lhe dizer se concondamos ou discordamos do filme.

    Seu blog é realmente muito bom, não sou um blogueiro e nem mesmo um viciado em blogs, mas acho que esse vai entrar na minha lista de leituras diárias.

    Valeu mesmo.

    Fernando.

    Obrigada, Fernando, esperamos que você retorne com suas impressões e se torne freguês aqui do boteco :-)
    Aquele Abraço,
    Helê

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  10. Adorei ver o filme depois de ler o seu post.
    Achei como a Lívia – é um filme suave e delicado.

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  11. Oi, prima! Cá estou, podendo comentar de novo no Dufas, e não há post melhor que esse pro meu ‘retorno’…
    Vi esse filme semana passada, e desde novembro, pelo menos, eu já estava super ansiosa pra ver, e não frustrei minhas expectativas: você já escreveu no post maravilhosamente bem tudo o que eu já havia concluido, e tudo o que eu senti nessas 2h50 de filme(realmente, não senti o tempo passar).
    O que me impressionou foi realmente o fato de terem conseguido fazer com que a história não soasse absurda e nem tão fantasiosa com ela era pra ser; você fica ali sentado acreditando que pode ser real, se envolvendo com as angústias de Benjamin e das pessoas que estão ao redor dele.
    É um filme suave e delicado; mesmo nas partes mais felizes dá uma vontade imensa de chorar, de tão bonito que é. Um dos melhores que eu já vi no cinema, sem sombra de dúvidas. Vou assistir o Oscar 2008 só pra torcer por ele. :)

    Beijos da prima distante!

    Sim, Lívia delicado é uma definição bastante adequada. E creio que algumas críticas que li acusando-o de lento, arrastado ou dizendo que falta ação ao Benjamin explicam-se pela falta de familiaridade, nesses tempos atuaiz, com esse conceito da delicadeza. Outro ponto pro filme, resgatar esse sentimento.
    Adoro te “ver” por aqui; apareça sempre.
    Bj, Helê

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  12. Só li os dois primeiros parágrafos, pois desde que vi o trailer fiquei realmente desejoso de assistir a Benjamin Button. Seus dois primeiros parágrafos confirmaram meu desejo. Mas vou deixar marcado este artigo para ler depois (corro o risco de ser influenciado pelas tuas impressões, e gosto de ir “virgem” a um filme).

    Belíssimo blog este, não conhecia. Cheguei aqui através de um comentário no Blógui do Serbão.

    Bem-vindo e obrigada, Rafael; e se quiser volte aqui depois de perdida a “virgindade” ;-) pra partilhar suas impressões.
    Aquele Abraço,
    Helê

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