E tem aquela velha piada da criação do mundo, que conta que Deus criou o Brasil com suas matas, florestas, rios, riquezas minerais (até petróleo, muito, somos quase auto-suficientes), as praias belíssimas, enfim, essa maravilha toda que vocês já sabem. E no final, quando os anjos chamaram a atenção para a injustiça, Deus disse: “esperem para ver o povinho que vou botar lá.”
Injustiça divina. O problema não é o “povinho” e sim a parcela da elite que despreza o povo, que olha para o país com um olhar escapista, com a ligeira sensação de que está sempre com um pé no primeiro avião para o mundo “civilizado”. Deusolivre de perder tempo aqui nesse paisinho, deusolivre de deixar seu rico dinheirinho aqui, de investir aqui.
E a classe média tem inveja e medo. Inveja dos ricos que podem fugir daqui quando querem; medo dos pobres, que representam o que há de mais temível: o diferente.
Aí entra aquela história do IPTU mais caro da cidade. Para quem não sabe: o Rio de Janeiro tem uma organização geográfica curiosa, singular, onde os bairros nobres dividem espaço com enormes favelas e áreas carentes. E os moradores desses bairros nobres pagam impostos que os moradores da favela obviamente não pagam. Daí que o discurso que mais se escuta em épocas de tensões sociais explicitadas é “nós pagamos o IPTU mais caro da cidade, por isso…” e segue-se alguma crítica ao prefeito que não asfaltou a calçada certa, não botou um guarda de plantão na esquina certa, não cuidou de “nós” em primeiro lugar.
Bem, pessoal, temos uma notícia bombástica para vocês: IPTU não é taxa condominial. Imposto não existe para promover benfeitorias a quem o pagou. Os impostos são a forma que a sociedade encontrou para fazer com que tanto os chiques e famosos quanto os cafonas e desconhecidos tenham direito a água encanada, esgoto, iluminação pública, guarda na esquina. Os bairros com o imposto mais caro são justamente os bairros com a maior renda per capita da cidade: é a melhor forma conhecida de se realizar a desejada distribuição de renda. Se há sonegação, malversação ou aplicação equivocada dos recursos, isso é outra história. Mas não vamos culpar o conceito, e sim tratar de fiscalizar a realidade.
Duas Fridas
Publicado originalmente em 8 de outubro de 2004, no blogue antigo, e republicado com alterações após uma semana movimentada por sonegação bilionária e tiroteio em área nobre da cidade.
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