Da arte zen de fazer quebra-cabeças

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Durante muito tempo eu namorei aqueles quebra-cabeças bonitos nas lojas de brinquedo. Ficava um pouco constrangida em comprar um brinquedo pra mim. Mas, como não há melhor álibi que filho, comecei pelos estágios inicias com a cria: 30, 60 e 100 peças. Tomei gosto pela coisa e comprei um de 1000, mas só de tirar da caixa vi que tinha dado um passo maior que as pernas do leão que está na tampa. Então recuei os halfs e comprei um de 250, mapa-múndi, que fiz em dois dias. Encarei então o primeiro desafio real: um quebra-cabeça de 500 peças.

A montagem durou dias. Ele ficou ocupando lugar na mesa de jantar, mas também serviu para relaxar depois de um dia de cão. Talvez daí tenha surgido a primeira “observação zen”: numa noite, a atenção no jogo aliviou a tensão de problemas que não podiam ser resolvidos naquele momento, mas insistiam em manter-se na mente.

Como estava à mão, em cima da mesa, o quebra-cabeça acabou sendo feito coletivamente: todo mundo que passava por ele parava e tentava fazer um pouco; até a babá, que zombou quando viu me viu brincando pela primeira vez. Donde outra lição zen: é recomendável certo desapego, abrir mão do eu em favor do nós pode tornar o brinquedo mais interesante, e a junção das peças une igualmente todos os envolvidos.

A partir desse primeiro “500 peças”, passei a pensar no ato de montar um quebra-cabeça como uma experiência sensorial e – por que não? – espiritual. Pensei em  A arte cavalheireresca do arqueiro zen, que li há muito tempo, um instigante relato sobre como “apreender” o espírito do Zen através de uma ação prática, um exercício físico, algo dissociado de um ensinamento religioso tradiconal. Guardadas as devidas e ocidentais proporções, acho que o paralelo é possível.

O fato de conseguir captar minha atenção a ponto de concentrar-me já é notável. Além disso, muito da atitude e estratégia na resolução do jogo pode ser utilizado fora dele. O quebra-cabeça ensina, por exemplo, como é necessário, muitas vezes, afastar-se do problema para ver melhor a situação, e só então encontrar uma das partes perdidas. Em outros casos, é preciso juntar partes do problema, separadamente, para depois descobrir onde elas se encaixam no todo. Aprende-se também como um cenário que à primeira vista nos parece opaco e uniforme apresenta sombras e nuances insuspeitas, e ali onde parecia haver apenas azul há, na verdade, tons e semintos, azuis diversos e inesperados. Muito comum também é descobrir de repente que determinada peça que você procurou tanto estava ali, o tempo todo na sua frente e você não foi capaz de enxergar. Ou que uma tal que você já havia tentado encaixar antes só depois consegue adequar-se, porque faltava suporte. Brincar com crianças então traz outros ensinamentos, como a criatividade e o destemor em experimentar, mesmo aquilo que parece estapafúrdio – e acertam, os danados.

Eu acho sinceramente que é um excelente  exercício – de concentração, , paciência, observação, humildade. E depois que o Claudio Luiz me levou ao Porto, estou pronta para enfrentar aquele leão de mil peças.

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Helê

9 Respostas

  1. Um Olá do Porto :) que te espera

    Eu adoro puzzles, de muitas peças, mas fica assim um vaziinho qdo termina… Não era bom haver um lugar para trazer só emprestado ou alugado e depois trocar por um novo desafio?

    Beijo!

    Oi, Ana! Nossa, que coisa boa aparecer aqui alguém do Porto comentando este post. Fiquei aqui pensando em você numa das janelinhas do meu quebra cabeça.
    Num comentário anterior eu dei essa ideia, acho que vou fundar um puzzle club, que tal?
    Seja bem vinda e volte sempre, a casa é nossa.
    Aquele Abraço,
    Helena

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  2. eu não li o zen e o arqueiro, li o Zen e a arte de montar motocicletas, e durante muito tempo adorei esta brincadeira de achar um passo do zen em tudo o que fazia. A teoria linda que vc fez do quebra-cabeças tem tudo a ver com este livro inclusive! Eu adouro quebra-cabeças, é claro. E tem tempo que não monto um. De vez em quando a gente montava na casa da minha mãe, e era assim, um exercício em família. Ele ficava ali, na mesa de jantar, e cada um que passava dava sua contribuição. As vezes toda a família junta, ou em duplas, ou sozinhos, mas era definitivamente um trabalho de equipe. Boa lembrança, amiga, valeu, acho que vou comprar um pra mim de dia das crianças. :)

    Que comentário bacana, Dear, das coisas boas de ter um blogue, resgatar boas lembranças alheias. Já propous pra Anna V. ali embaixo, podemos fazer uma roda de puzzle, trocando/emprestando entre nós, que tal?
    Besos!

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  3. No Todas as coisas do mundo li isso do Caio e lembrei-me de vc:
    Caio Fernando Abreu
    Liguei o rádio. Além dos pensamentos, queria outros ruídos no cérebro. Mais profanos, menos confusos.

    (Onde andará Dulce Veiga? )

    Mas vc já descobriu que se não quiser ligar o rádio pode-se ir montar um puzzle.

    Para a Moema tem esta:
    “é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço ”
    recuperação da adolescência, ana cristina cesar

    Obrigada, Claudim. Caio está mesmo a me rodear…
    Bj, H.

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  4. Helê, ;o)
    Não sabia que junto do puzzle (como o brinquedo veio da terrinha da Moema – ou quase, este é tripeiro e ela é alfacinha, melhor não confundir as coisas. A disputa rio – são paulo é fichinha perto da porto – lisboa. Vc entendeu bem o que ela queria dizer quebra-cabeça, não?) foi um livro de filosofia junto. eheheheheh
    Acrescente ao seu manual – é um prazer saber que a amiga gostou do presente.

    Gostei não, adorei. E tb a pequena aula sobre cultura portuguesa. Hei de ir à portugal com você de acompanhante!
    Beijos,
    H.

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  5. exercício espiritual… nunca tinha pensando nos puzzles assim. tenho preguiça de montar um real, será que funciona tb se for apenas imaginario?
    beijos, M

    Comassim, quebra-cabeça imaginário?! Explica, Moema?
    Bj,
    Helê

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  6. amo, amo, amo qebr-cabeças!! Daqueles gigantes de 2000, 5000 peças, para ficar na mesa da sala e cada um montar um pedacinho.
    Beijos

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  7. Eu também amo quebra-cabeças, e há tempos não me aventuro por um grande. Adorei suas considerações filosóficas. Verdadeiríssimas!
    Um beijo.

    Ueba, uma parceira. Pô, Anna, a gente podia trocar quebra-cabeças feito figurinha, ao menos temporariamente, né? Agora me ocorreu outro aspecto “filosófico”, que é o fato de ser um brinquedo que vc faz para depois desfazer, uma construção fadada ao efêmero – a menos que vc resolva emoldurar. Por isso eu estava pensando em dar alguns que eu fiz e pelos quais não tenho um carinho especial; os queridos posso emprestar. Que tal?
    Beijo,
    H.

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  8. Menina, eu tb me meti a montar um quebra-cabeça maior e foi um desastre. Vc até me animou a retomar a empreitada, quem sabe com um menor? Acho que foi ousadia demais de minha parte, rs.

    Isso, Comadre, começa devagar, baby steps e vc chega lá!
    Beijão,
    H.

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  9. Meu pai tem um de 500 e outro de 750 peças. Cresci vendo-o montar na sala de jantar e peguei gosto pela coisa! AMO! Hum, acho q vou resgatá-los do quartinho de bagunça (só acho q a minha mãe não vai gostar). Adorei ver o processo “por outro lado”, com os seus olhos. Beijão!!!

    Uau, Thyntia por aqui, valeu o post!
    Sem querer arrumar confusão com a sua mãe, dou a maior força, vc vai curtir.
    beijoca!
    Helê

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