Impressionante como, no Brasil, basta que os negros afirmem sua identidade para que muitos, não-negros em sua maioria, se ocupem de tomar para si a responsabilidade, a autoridade e o direito de decidirem sobre a identidade dos outros. Imagine qualquer grupo social retratado na imprensa tendo sua identidade questionada sistemamticamente. Os supostos favelados, os assim chamados ricos, os pretensos brancos, os supostos classe média. Pois não passa uma semana nesse país sem que uma matéria na imprensa retrate os quillombolas como “supostos”, uma maneira, no mínimo, mal-educada de iniciar uma fala, qualquer que seja. Embora nenhuma dessas matérias dedique mais de 3 linhas para aprofundar a questão da identidade, todas elas debocham e desacreditam daquilo que constitui o interlecutor ou personagem como tal, desmantelando de antemão qualquer fato ou reivindicação a ele relacionado. Afinal, se duvidam de sua existência, todo o resto fica também sob suspeita.
Impossível não fazer a correlação com a discussão sobre cotas, que leva inevitavelmente à discussão sobre identidade negra. Há comissão em universidade para isso, intelectuais de diversos matizes a discutir, estatísticas para todos os gostos a opinar sobre algo que antes nunca pareceu ser uma questão: quem é negro no Brasil. Nunca antes na história desse país, como gosta de dizer o presidente Lula, essa questão foi tão discutida, ou, com o perdão da redundância, questionada.
O fato é que a elite brasileira – e entendam aqui este grupo de maneira ampla e diversificada, cabendo os adjetivos branca, intelectual, econômica e tantos mais – acontece que a elite brasileira não aceita nenhuma identidade que não seja por ela outorgada. Quando ela diz quem são os pobres, pretos, favelados, remediados, infratores, delinquentes não há suposições. Basta que qualquer desses grupos tome pra si aquilo que lhe é carimbado como defeito e o transforme em atributo para que a elite lhes queria confiscar a identidade, fragilizando-a.
Helê
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