Tintim e o racismo

Congolês quer proibição de livro ‘racista’ de Tintim na Bélgica

A notícia está no site da BBC Brasil e expõe os argumentos de Bienvenu Mbutu a favor da proibição da venda do livro, que no Brasil foi lançado com o título Tintim na África (no original o repórter do Petit Vingtième visita especificamente o Congo).

Não é necessário aprofundar muito o debate. É bastante evidente que o livro é racista. Aliás, nesse sentido o primeiro, Tintim no País dos Sovietes, é tão preconceituoso quanto o álbum seguinte. E, de certa forma, todas as histórias do Tintim* são no mínimo condescendentes com os povos dos países fora da Europa hegemônica (até o Cetro de Otokar, que se passa numa monarquia fictícia supostamente localizada na Europa Oriental, tem essa visão bem imperialista, apresentando “o outro” como “o exótico”).

Não tão óbvio – para mim – é que a melhor forma de lidar com isso seja proibir a venda. Segundo a reportagem da BBC,  na Inglaterra o Tintim no Congo é vendido com uma tarja de advertência quanto ao conteúdo potencialmente ofensivo. Me parece uma maneira mais inteligente de abordar o problema. Acho que proibir a venda do Tintim abre um precedente para se eliminar das livrarias grande parte da produção literária** dos séculos XIX e XX – desde o Sítio do Picapau Amarelo até o Robinson Crusoe. Não sobraria muita coisa: a mentalidade da época era racista (além de machista e heteronormativa), e obviamente a literatura reflete isso.

Quando li a Chave do Tamanho para meu filho, ele tinha uns 4 ou 5 anos. Quem leu Monteiro Lobato sabe que Emília (um não muito sutil alter-ego do autor) se refere à Tia Nastácia, na mais suave das hipóteses, como “negra beiçuda”.*** Confesso que, quando me reencontrei com o texto tão querido de minha infância, me choquei com a carga de racismo presente ali. Não me lembrava, ou, mais provavelmente, nunca tinha me dado conta. Inicialmente me senti bastante constrangida e comecei a suprimir a leitura de determinados trechos mais fortes. Depois percebi que para ler daquela forma era melhor nem ler; estava matando o texto original. Daí optei por explicar ao meu filho, de uma forma simples, que ele pudesse entender, que na época que o livro foi escrito as coisas estavam estabelecidas daquela forma. Que, ainda bem, hoje em dia é diferente. E segui em frente com a leitura do texto integral.

Em resumo: respeito a posição do congolês; na verdade, acho muito importante que a questão do racismo na literatura seja abordada de frente, sem meias palavras. Mas talvez o próprio debate em torno do processo seja um resultado mais eficiente que uma eventual decisão contra a comercialização do livro. Não sei. O que vocês acham?

-Monix-

*Adoro o Tintim. Que fique bem claro, isso.
** Pelo meu critério, livros e gibis são igualmente considerados produção literária. Caso vocês não tenham reparado.
*** Em Histórias de Tia Nastácia, a boneca comenta as histórias do folclore contadas pela cozinheira do sítio… ofendendo a contadora da história! “Pois cá comigo – disse Emília- só aturo estas histórias como estudos da ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e até bárbaras – coisa mesmo de negra beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto !
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