Semana passada escutei no rádio uma notícia sobre uma pesquisa do Ipea dando conta de que metade da população de homens negros e jovens no Brasil morre de causas violentas (homicídios e acidentes de trânsito).
As mortes entre os brancos estão mais concentradas nas idades avançadas e são resultado de neoplasias (câncer). Já entre os negros morre-se mais entre os jovens de 15 a 29 anos, principalmente entre os homens, por conta de causas externas, como acidentes e mortes violentas (agressões).
As mortes por causas externas são muito mais comuns entre a população masculina. Entre os negros, as principais causas de óbito são os homicídios e, entre os brancos, os acidentes de trânsito.
“A violência entre os jovens negros explodiu nos últimos anos”, afirmou Mário Theodoro. “De 98 para 2008, uma diferença que era de 30% entre as mortes de jovens brancos e de jovens negros passou para 140%. Todo o aumento nessa faixa se deu com a população negra. Pode ser que a população negra esteja sendo mais afeta à violência até por questões de preconceito e de discriminação não só da polícia como de toda a criminalidade.”
Uma notícia assustadora, que, na minha opinião, joga uma pá de cal no argumento kameliano de que “não somos racistas”.
Para contrabalançar, recebi por e-mail o artigo do Elio Gaspari publicado no O Globo de 11 de maio, com o título “A lição dos cotistas médicos da Uerj” e o destaque
“A evasão foi irrelevante, o ódio racial não apareceu e as cotas levaram mais negros e pardos ao curso superior.”
Gaspari escreve com base em uma excelente reportagem do Estado de S. Paulo sobre a formatura da primeira turma de cotistas na faculdade de medicina da Uerj, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Em resumo, a repórter Márcia Vieira mostra que não houve diferença significativa entre cotistas e não-cotistas por diversos indicadores, tais como o nível de evasão, a média de notas, a opção por fazer ou não residência após a conclusão do curso ou mesmo a especialidade médica escolhida por aqueles que optaram por continuar sua formação de imediato. Ou seja: a turma é absolutamente homogênea em sua heterogeneidade.
Como meu mundo é feito de otimismo, sempre, prefiro me concentrar nesta segunda notícia.
O que me interessa na discussão sobre cotas, desde o início, é a possibilidade de fazer o Brasil debater a questão do “racismo à brasileira”. Por isso defendo que as cotas sejam raciais mesmo, e não apenas sociais (e é sempre bom lembrar que também há cotas sociais, as duas coisas não são excludentes). Acho interessante observar que desde a implementação do sistema de cotas até hoje o tom do debate já mudou. Não estamos mais falando que “tinha que haver só as cotas sociais, porque no Brasil não tem racismo”, mas sim avaliando qual a maneira mais justa de garantir que a política compensatória não seja excessivamente condescendente, prejudicando quem não está incluído em seus critérios de acesso à universidade. Ou debatendo se a auto-declaração é realmente o critério mais válido ou se há uma maneira melhor de definir quem tem direito às cotas raciais.
Estamos longe de superar a discussão sobre racismo. Mas achei bacana ler esta notícia poucas semanas depois de ver um Bolsonaro dizer que não quer ser atendido por um médico cotista. Uma resposta transparente para uma afirmação obscurantista. Espero que exemplos como este contribuam para o amadurecimento da sociedade brasileira. E estou gostando de acompanhar este processo.
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Meu amigo André Diniz, o homem das estatísticas, lembra que a USP teria feito uma proposta de adicionar um percentual sobre as notas dos cotistas e só então compará-las com as notas dos não-cotistas, de forma a eliminar discrepâncias muito evidentes. Quer dizer, nada que não se resolva com uma boa calibragem.
-Monix-
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