Eulálio representa um Brasil que está morrendo tanto quanto ele – e que, como ele, quando morrer não irá fazer muita falta. Com o perdão do clichê, a saga dos Eulálios retratados por Chico Buarque no livro Leite Derramado é um retrato de um Brasil que em 100 anos passou do país onde fazia sentido uma vida baseada na lógica de ‘meu nome abre portas’ para o país que responde ‘não fode, vovô, conta outra’.
Para mim, o grande mérito do livro é o cuidado com o texto. É uma fala que traduz uma mente senil, com devaneios, histórias repetidas e a cada vez recontadas de outra forma; parece fluir facilmente, mas é bastante evidente que houve muito trabalho para se chegar a essa aparente facilidade.
O outro livro do Chico que li (Budapeste) não tinha me tocado tanto quanto este, que ganhei de presente no ano passado. Foi daquelas leituras cativantes, de um fôlego só. O protagonista/narrador – um homem que sob qualquer outra circunstância seria detestável – aos poucos nos cativa apesar de seus dramas equivocados, sua arrogência patética, seu anacronismo farsesco. A decadência é algo que de certa forma provoca minha solidariedade.
-Monix-
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Sócia, sua empatia com a decadência explica-se pela sua identificação com a realeza, ué. :-)
Depois que eu devolver pelo menos 2 dos seus que estão comigo, peço esse também.
besos
Helê
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Monix,
Leite derramado é o meu livro preferido do Chico. Ele flui e a gente lê de uma batida só. Você descreveu tão bem essa coisa ” do meu nome abre portas”… e eu, que sou de fora, identifiquei muito essa situação com a lógica do Rio, com seu passado de sede do Império e ex capital…mas devem ter Eulálios em todas as regiões do país e herdeiros que não perceberam a mudança. Não me lembro de ter tido algum laivo de solidariedade, apesar do personagem cativante. Se tive, fechei a página, topei com um tipo parecido na minha vizinhança, e dei graças por este ser um capítulo que está ficando pra trás na nossa história.
Beijos,
Geide
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