Músicas de separação

Não deveríamos chamar necessariamente de fracasso um amor que acaba; erigir a duração em valor é uma ideia perigosa, que pode transformar separações bem-vindas e necessárias em processos laboriosos e infinitos.

Contardo Caligaris, “Por que acaba um casal?”

 

As músicas de amor talvez só percam em quantidade para as que falam de separação. Afinal, se “quando a  gente tá contente nem pensar que tá contente a gente quer (a gente quer é viver!)”, na dor costumamos “correr pro violão num lamento”. Break up songs constituem, digamos, um ramo das canções de amor – porque é disso que se fala, só que ao contrário—, e também podem ser subdivididas de acordo com os diversos sentimentos que colocam em evidência. Lenine retrata a esperada tristeza com o fim em “O último pôr do sol”:

Pois no dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sozinho no mundo, sem ter ninguém
O último homem no dia em que o sol morreu

De exposição mais rara, mas igualmente pungente é a dor de quem deixa de amar, divinamente cantada pelo mestre Cartola em “Acontece”:

Acontece que já não sei mais amar
vai sofrer, vai chorar
e você não merece, mas isso acontece (…)
Se eu ainda pudesse fingir que te amo
Ah, se eu pudesse!
Mas não posso não devo fazê-lo
Isso não acontece

Temos que admitir que, em geral, são as emoções menos nobres que ganham destaque nesses momentos, como no samba “Você me abandonou”, da Velha guarda da Portela: “O castigo que eu vou te dar é o desprezo/eu te mato devagar”). O hit de Beth Carvalho, cantado a plenos pulmões pelas ruas do Rio no carnaval é o próprio samba shadenfreude: “Vou festejar/o teu sofrer/o teu penar”). O rancor no sucesso do ABBA começa no título, “The winner takes it all”, e esparrama-se generosamente por toda a letra. A jovem Adele, com apenas dois (primorosos) álbuns, contribuiu com o gênero em quantidade e qualidade, e ao ouvi-la no rádio declarando “Never mind I’ll find/someone like you/I wish nothing but the best for you two”, quase se pode ouvir também os caquinhos de seu coração partindo.

Há também quem não se envergonhe de pedir, chegando às raias da mendicância afetiva. Lupicínio suplicou sem meias-palavras: “Volta, vem viver outra vez ao meu lado/não consigo dormir sem teus braços/pois meu corpo está acostumado”; enquanto o velho Sinatra justificou: “To beg is not a easy task/but pride is such a foolish mask”.

Encontrei um blog que identificava um grupo de músicas como “Empowering break up songs”, que a gente pode traduzir sem medo como “músicas levanta-sacode-a-poeira-e-dá-a-volta-por-cima”. A top de todas, segundo a blogueira, é “I will survive”, de Gloria Gaynor; entre as brasileiras, claro que “Volta por cima”, de Vanzolini, encabeça qualquer lista de músicas de sofrimento e superação.

(via Observando)

Na verdade, eu queria mesmo falar sobre outro tipo de música de fim caso, bem diferente. Mas o post ficou grande, então paro por aqui e, se o assunto agradar, volto para falar de quem acha que, ao contrário do futebol, o amor não acaba quando termina.

Helê

22 Respostas

  1. […] a Velha Guarda da Portela. Todo mundo se encontra no amor e na dor de sua perda. Em 2011 eu escrevi um post sobre músicas de separação, uma vertente das canções de amor. O post foi um sucesso de público, rendendo muitos […]

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  2. hele, pelamor, e FERA FERIDA?!

    Fera Ferida
    Roberto Carlos e Erasmo Carlos

    Acabei com tudo
    Escapei com vida
    Tive as roupas e os sonhos
    Rasgados na minha saída…
    Mas saí ferido
    Sufocando meu gemido
    Fui o alvo perfeito
    Muitas vezes
    No peito atingido…
    Animal arisco
    Domesticado esquece o risco
    Me deixei enganar
    E até me levar por você…
    Eu sei!
    Quanta tristeza eu tive
    Mas mesmo assim se vive
    Morrendo aos poucos por amor
    Eu sei!
    O coração perdôa
    Mas não esquece à tôa
    E eu não me esqueci…
    Não vou mudar
    Esse caso não tem solução
    Sou Fera Ferida
    No corpo, na alma
    E no coração…(2x)
    Eu andei demais
    Não olhei prá trás
    Era solto em meus passos
    Bicho livre, sem rumo
    Sem laços!…
    Me senti sozinho
    Tropeçando em meu caminho
    À procura de abrigo
    Uma ajuda, um lugar
    Um amigo…
    Animal ferido
    Por instinto decidido
    Os meus rastros desfiz
    Tentativa infeliz
    De esquecer…
    Eu sei!
    Que flores existiram
    Mas que não resistiram
    A vendavais constantes
    Eu sei!
    Que as cicatrizes falam
    Mas as palavras calam
    O que eu não me esqueci…
    Não vou mudar
    Esse caso não tem solução
    Sou Fera Ferida
    No corpo, na alma
    E no coração…(2x)
    Sou Fera Ferida
    No corpo, na alma
    E no coração…(2x)

    Adooogo, Vera, com Bethânia então, acho uau. Mas acho que aqui ainda dói muito, ainda piora antes de melhorar, sabe como? :-)
    Besos,
    Helê

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  3. Lembrei de outra que também já cantei muito!
    Música de quem se desespera com a rejeição:

    Mentiras, da Adriana Calcanhoto

    Nada ficou no lugar
    Eu quero quebrar essas xícaras
    Eu vou enganar o diabo
    Eu quero acordar sua família…

    Eu vou escrever no seu muro
    E violentar o seu rosto
    Eu quero roubar no seu jogo
    Eu já arranhei os seus discos…

    Que é pra ver se você volta,
    Que é pra ver se você vem,
    Que é pra ver se você olha,
    Pra mim…

    Nada ficou no lugar
    Eu quero entregar suas mentiras
    Eu vou invadir sua aula
    Queria falar sua língua…

    Eu vou publicar os seus segredos
    Eu vou mergulhar sua guia
    Eu vou derramar nos seus planos
    O resto da minha alegria…

    Que é pra ver se você volta,
    Que é pra ver se você vem,
    Que é pra ver se você olha,
    Pra mim…

    Outra excelente lembrança, Meg, adoro o contraste entre os versos violentíssimos e raivosos com o refrão submisso e desesperado. Pena que foi de novela, o que deu uma cansada.
    Bj,
    Helê

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  4. Citar o Chico é covardia, galera. Mas, Helê, como você ousou esquecer do Alceu? Pois tome lá uma das melhores canções (e letras) do gênero já construídas na língua pátria:

    Na Primeira Manhã

    Alceu Valença

    Na primeira manhã que te perdi
    Acordei mais cansado que sozinho
    Como um conde falando aos passarinhos
    Como uma bumba-meu-boi sem capitão
    E gemi como geme o arvoredo
    Como a brisa descendo das colinas
    Como quem perde o prumo e desatina
    Como um boi no meio da multidão

    Na segunda manhã que te perdi
    Era tarde demais pra ser sozinho
    Cruzei ruas, estradas e caminhos
    Como um carro correndo em contramão
    Pelo canto da boca num sussurro
    Fiz um canto demente, absurdo
    O lamento noturno dos viúvos
    Como um gato gemendo no porão
    Solidão.

    Chris, dear, Alceu começou a tocar na Radiohead assim que comecei o assunto, mas troquei pelo Lenine (para ficar entre pernambucanos) pela mesma razão de não ter citado Chico, para fugir do óbvio. Mas é uma canção devastadora. E belíssima.
    Besos,
    Helê

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  5. “… e quando já for bem cedinho/não quero ouvir tua voz/sai sem adeus, de mansinho/esquece o que houve entre nós…”

    Vera, vou catar essa. Não conheço – e olha que conheço e gosto de Maysa.
    Obrigada,
    besos,
    Helê

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  6. “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor…”

    Além da querida Chavela Vargas, que trata a dor por tu, enche a cara a sai caminhando com ela de mão dada até de manhã :))

    Ana, não conhecia essa senhoura, que segundo a Wikipedia foi amiga de Kahlo! Obrigada pro apresentar-me.
    Beijo,
    Helê

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  7. negue o seu amor. o seu carinho. diga que vc já me esqueceu

    Outro verso que é um carrinho por trás nas duas pernas. Ouch.
    Besos,
    Helê

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  8. Helê, que maravilha!!! Eu fico com Elvis:

    You never close your eyes anymore when I kiss your lips
    And there’s no tenderness like before in your fingertips
    You’re trying hard not to show it, baby
    But baby, can’t you see that I know it…

    Beijos

    Elvis é tudo na vida da pessoa, Dani, tô só esperando quando essa galere vai redescobri-lo. O que é “Are you lonesome tonight”? Adogo!
    Bj,
    Helê

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  9. É um repertório imenso, este. Minha contribuição:

    “Risque
    Meu nome do seu caderno
    Pois não suporto o inferno
    Do nosso amor fracassado

    Deixe
    Que eu siga novos caminhos
    Em busca de outro carinhos
    Matemos nosso passado”

    (“Risque”, Ary Barroso)

    Essa é daquelas “killing lines”, mata logo de cara. Adoogo!
    Beijo,
    Helê

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  10. Helê, esse é um assunto sem fim. Nossa, pensei em tantas pra citar aqui, mas uma que me pega sempre é “Eu te Amo”, do nosso amado Chico… Afe!

    Mas essa é o oposto da separação, né, Rê, é o encontro máximo, profundo, “agora conta como hei de partir…” Afe indeed :-)
    Helê

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  11. Continue, Helê, continue. Lembrei de Anos Dourados: “na fotografia estamos felizes/te ligo afobada e deixo confissões no gravador/vai ser engraçado se tens um novo amor”.

    “É desconcertante rever um grande amor”. Verdade universal. Nossa, essa ouço aos suspiros, em lotes, hahahaha!
    Helê

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  12. parou porquê? por que parou? parou porquê? por que parou?

    “E qualquer desatenção, faça não
    Pode ser a gota d’água”

    eheheheheh

    Nossa, Clau, essa também é fueda. Aquela dita assim aos 43 do segundo tempo, chega dar mêda de ouvir.
    Estou trabalhando no próximo, tenho que atender à expectativa que criei, hohoho!
    beijo,
    Helê

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  13. essa ajuda a consolar e “fortalecer ” nos momentos de decisão… e ainda tem um bônus: a Elis ( baixa ) nessa interpretação
    .. por mim, continuamos com o tema..rs
    bjs
    Ana

    http://letras.terra.com.br/maria-rita/73639/

    Uau essa letra, heim? Uma das qualidades da Maria Rita para mim é o bom gosto na escolha do repertório.
    GRacias, Ana.
    Aquele Abraço,
    Helê

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  14. “Dei pra maldizer o nosso lar
    Pra sujar teu nome, te humilhar
    E me vingar a qualquer preço
    Te adorando pelo avesso
    Pra mostrar que ainda sou tua”

    (Atrás da Porta – Chico Buarque)
    Minha preferida.

    Lembro sempre de Elis cantando e o lápis de olho escorrendo, imagem marcante.
    Obrigada por comentar, Ana. Fique à vontade e volte sempre.
    Aquele abraço,
    Helê

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  15. Curti.Fico esperando o próximo post.Gosto desse tipo de música.A música latina ( em espanhol) é primorosa nesse estilo.Gosta?

    Do pouco que conheço gosto muito, Raiza.
    Aguarde a segunda parte, que virá.
    Aquele Abraço,
    Helê

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  16. Ah, deixa eu cantarolar a minha musiquinha de separação preferida:

    “Deixa em cima dessa mesa
    a foto que eu gostava,
    pra eu pensar que teu sorriso
    envelheceu comigo…”

    Não sei o título, mas é do Oswaldo Montenegro (vergonhinha…)

    ///—///—///—///

    E tem outra, bem no estilo revanche, que eu cantava muito há uns tempos atrás, quando a dor da separação amainou e eu já tava de boa (do Chico, tinha que ser!):

    “Quando você me quiser rever,
    já vai me encontrar refeita, pode crer.
    ….
    Olhos nos olhos, quero ver o que vc diz,
    Quero ver como suporta me ver tão feliz!

    Tantas águas rolaram,
    Outros homens me amaram,
    bem mais e melhor que você.”

    Não há mulher que não ame Chico (entre outras) por “Olhos nos olhos”, cara.
    Bj,
    H.

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  17. Putz. Adorei. E também a citação do Calligaris. Esse negócio de “só dá certo quando continua” é uma roubada total, né?
    E… bom, vc puxou… mas…é… confesso… adoro “the winner takes it all”. E nem explico (o que seria uma justificativa, uma “intelectualização, e no fundo uma desculpa). Vai pro FB! :)

    “The winner takes it all” é um clássico poderoso, ela canta com tanta verdade que você entra no personagem, mesmo que nunca tenha se separado na vida, né não?
    Beijoca,
    H.

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  18. “volto para falar de quem acha que, ao contrário do futebol, o amor não acaba quando termina.”

    Go ahead, please.

    I will, Paulo.
    Aquele Abraço,
    Helê

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  19. Como sempre uma seleção espetacular. Não pude deixar de lembrar desta, do Moska: http://letras.terra.com.br/paulinho-moska/48070/.

    Para balancear segue uma música empowering das boas: http://letras.terra.com.br/soup-dragons/37655/traducao.html

    Gracias, Fer. Acho Moska um poeta maravilhoso, e não conhecia essa gravação de “I’m free”, só a dos Stones.
    besos,
    Helê

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