O assunto da semana é a nova lei que regula o trabalho doméstico. Todos nós (e me incluo até o pescoço nessa categoria) estamos vivendo o pior momento-classe-média-sofre de todos os tempos. Quase ninguém tem coragem de atacar frontalmente o argumento central do projeto, qual seja, o de que o trabalhador cujo empregador é pessoa física deve ter os mesmos direitos que aqueles que trabalham para pessoas jurídicas. Mas na ânsia de resolver uma equação que não fecha (como vamos pagar?), têm sido usados argumentos que considero bastante equivocados: as domésticas comem no emprego, elas têm a “oportunidade de conviver com a família” e supostamente aprender a se comportar etc, isso sem falar que os patrões ajudam a construir suas casas e por aí vai.
Eu não vejo nada disso como vantagens do emprego doméstico, muito pelo contrário, acho que esses são os piores aspectos de uma relação totalmente impregnada de resquícios de casa-grande-e-senzala.
Eu prefiro partir do princípio que ser empregada doméstica é ter o pior emprego do mundo – porque além de toda a exploração inerente a qualquer relação de trabalho, a funcionária ainda deve mostrar gratidão aos empregadores, e, principalmente, “saber o seu lugar”.
Isto posto, na minha opinião estamos “missing the point” com essa discussão. A questão não é elencar todos os supostos benefícios indiretos que as empregadas recebem, mas sim discutir o que a sociedade brasileira oferece às famílias que dependem das domésticas para cuidar de seus filhos. Temos creches em horário integral até o fim da educação infantil, sendo que quem depende da creche não pode fazer serão, viajar a trabalho, nada. Pouquíssimas empresas ofecem a possibilidade de se trabalhar em meio expediente, e que eu saiba a legislação só contempla os empregos de 40 ou 44 horas semanais. Escolas de ensino fundamental raramente oferecem horário integral, e quando isso acontece o custo é altíssimo – e vejam que eu nem estou falando do ensino público.
Este é um problema que afeta majoritariamente as mulheres, pelos dois lados – tanto a empregadora quanto a empregada estão, hoje, em um beco sem saída.
Os legisladores são homens, e eu sinceramente tenho dificuldades em confiar neles para encontrar a melhor solução.
-Monix-
Update:
Acho que me expressei mal. O que eu queria dizer era justamente o contrário do que pareceu que foi entendido em alguns comentários.
Nenhuma pessoa de bom senso pode ser contra a motivação principal da lei, ou seja, que independente de o empregador ser pessoa física ou jurídica, os direitos dos empregados têm de ser os mesmos. O foco tem mesmo que ser nos direitos dos trabalhadores domésticos, e não nas dificuldades específicas de quem não pode pagar por isso.
Essa constatação para mim é óbvia, e talvez por isso não tenha achado necessário falar sobre. A partir deste ponto, nós (esse nós, leia-se: as famílias que empregam trabalhadoras domésticas para cuidar de seus filhos enquanto os pais trabalham) nos deparamos com um problema concreto: quem vai cuidar das crianças? Enquanto o cuidado com as crianças e os idosos for considerado algo de âmbito individual (e majoritariamente responsabilidade das mulheres), me desculpem, mas vou continuar achando que faltou considerar uma peça do quebra-cabeças. Para quem trabalha o dia inteiro não há muita escolha: ou se conta com a ajuda de uma avó, ou recorre-se ao modelo de exploração da mulher pela mulher, criando um ciclo sem fim, pois alguém também terá que cuidar dos filhos da empregada. É cruel com o lado fraco da equação (as domésticas) , e sem dúvida cômodo para o lado forte (as patroas). Porém existem poucas alternativas: escolas em horário integral, flexibilização da jornada de trabalho, regulamentação do home office, sei lá. Só sei de uma coisa: concordo que o modelo atual é errado e precisamos corrigir as injustiças, mas não construímos, como sociedade, alternativas para ele. Enquanto a mão de obra barata e pouco qualificada foi abundante, a ciranda se perpetuou. Agora a realidade mudou muito rapidamente – o que é ótimo – e vamos ter que achar soluções também rapidamente. Eu só espero que não passem por sobrecarregar ainda mais as mulheres, mas sinceramente não vejo nada muito diferente disso aí sendo desenhado não.
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