Nos últimos dias, foram veiculadas notícias que aparentemente não têm nenhuma relação entre si, embora todas tragam um componente de absurdo:
– Passageiros de um voo da Gol, revoltados com o fato de o avião ficar retido em solo sem abrir as portas, forçaram a saída de emergência e foram dar um rolezinho na asa do avião.
– Um rapaz foi acorrentado a um poste, nu, por um grupo de ‘justiceiros’ que desejam ‘limpar a área’ de assaltantes.
– A torcida organizada do Corínthians invadiu o clube, destruiu tudo, e em seguida descobriu-se que a intenção era quebrar as pernas de dois jogadores do time.
– Após um apagão no metrô de São Paulo, os passageiros revoltados pularam nos trilhos e andaram de estação em estação.
Você pode achar que o protagonista de uma dessas histórias tem motivos mais justificáveis que os outros, ou que todos estão certos, ou que todos estão errados. É possível que nós concordemos, é provável que não.
Mas, analisando com cuidado, o que todos esses fatos têm em comum é a noção de que, em um país onde o Estado falha, cabe aos cidadãos resolver os problemas com suas próprias mãos. O avião está com defeito, a Infraero errou, ninguém comunicou? Arrombe-se a porta. A onda de assaltos está um horror? Vamos pegar o bandido e prender no poste para servir de exemplo – na nossa área vagabundo não se cria. O time está uma porcaria, os jogadores são uns vendidos, a cartolagem pisou na bola? Quebrem as pernas! O metrô não funciona, está calor, ninguém aguenta mais? Dane-se o mundo, vou a pé pelo trilho.
Olha, por mim pode parar tudo. Apenas parem.
Não me interessa saber de atenuantes, se havia motivos justificáveis, nada. Nos quatro casos, o que houve foi pura e simplesmente o desprezo pelas regras, pelo bom senso, pelo conhecimento do que é a vida em uma sociedade organizada (e em dois deles, uma total falta de humanidade com pitadas de sociopatia).
O Brasil não é um gigante. O Brasil é frágil, muito frágil, e continuamos, sempre, perdendo as oportunidades de construir um país, porque só conseguimos olhar para nossos próprios umbigos.
-Monix-
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Amei, amei, amei! Excelente texto!
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No caso do avião, não acho que foi banditismo não, foi legítima defesa. As pessoas estavam há horas sem água, sem luz e sem ar condicionado, sem qualquer informação ou orientação dos tripulantes, que se mandaram dali e os deixaram completamente sozinhos, começando a se sentirem fisicamente mal, pelo calor e pela falta de ventilação.Imagina, centenas de pessoas trancafiadas num aparelho metálico exposto ao sol…
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Querida Duas Fridas, esse foi o melhor texto que li sobre todos esses assuntos. Obrigado por escrever. Grande abraço.
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Valeu, Du! Volta sempre aqui, que marido da Natacha é cliente VIP no Dufas :)
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Eu simplemente amay essa alcunha, Du :-).
Helê
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Olhe, discordo. Aliás, relendo, vi que você mesma já os diferenciou. Vejo duas coisas diferentes aqui. Uma é a sociopatia mesmo, inclassificável. A outra é uma reação a situações de cárcere privado. Os passageiros do avião ficaram horas esperando, no aeroporto errado, fora da área de desembarque, sem satisfação de ninguém. A empresa os acusa de depredação, mas nem a saída de emergência foi danificada. O que eles fizeram foi tentar escapar de uma prisão. No caso do metrô, não é muito diferente. Neste caso, houve depredação, e isso é condenável. Mas quando há uma multidão querendo escapar de uma estação inoperante ou de um trem trancado sem ar condicionado, provavelmente com pessoas passando mal, e a empresa e seus funcionários são incompetentes na organização de qualquer coisa, não vejo como possa ser diferente. Andar pelos trilhos neste caso não é errado, é a alternativa possível. Estes me parecem casos de desobediência civil perfeitamente justificados, fora excessos que tenham ocorrido. Ao contrário dos outros dois casos, em que a violência se dirigiu contra pessoas e idiotas se arvoraram em justiceiros. Acho importante não misturar os dois casos. Abração.
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Finalmente ,identificação total aqui.
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