São Silvestre (e o verão)

Entre as coisas que mais gosto no verão estão as correntes migratórias: pessoas indo e vindo, mil combinações, a possibilidade de rever amigos exilados em terras distantes e estranhas como Joinville, por exemplo :-) . Às vezes nem dá pra encontrar, com tanta coisa pra fazer, gente pra abraçar – além desse incômodo que nós locais temos que é o trabalho, que atrapalha bastante os programas. Mas já me alegra o movimento, as tentativas, a revoada, o baticum. Eu mesma comecei o ano em São Paulo, onde fui correr, e de repente me dei conta de que iniciava o ano na condição em que me senti mais confortável nos últimos tempos: em trânsito. Nem planejei, foi consequência da São Silvestre, dos preços das passagens, da minha desorganização. Mas pensando bem isso é típico de correr: você sai achando que vai apenas se exercitar e volta com ganhos que nem tinha imaginado…

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A propósito da São Silvestre, sobre a qual muita gente me perguntou e ainda pergunta: valeu muito a pena, uma experiência memorável. Foi uma estreia em muitos sentidos: a primeira vez que viajei para correr, a primeira corrida de 15 km, e parece que, para grande parte dos meus conhecidos, a minha primeira corrida de verdade. A foto (ruim) postada no Facebook foi recorde absoluto de likes e comentários, superando as sempre imbatíveis fotos da minha filha. Nenhuma corrida antes dessa despertou tanto interesse – ainda no fim de semana, tanto tempo depois, recebi os parabéns por ela.

Começando pelo lado ruim: a São Silvestre tem erros de organização inacreditáveis para um evento realizado há 90 anos. A começar pelo horário da largada, às 9h da manhã. Se fossem sérias as pessoas que organizam corridas nesse país (se fossem sérias as pessoas nesse país) nenhuma corrida seria iniciada no verão após as 7h da manhã, fim de conversa. Considerando os 30 mil inscritos e o tempo que leva para que você de fato consiga largar, a corrida começa pra geral por voltas das 9h30, 9h50 da manhã, inviável. Além disso, houve erros estratégicos no posicionamento dos postos de hidratação, em um deles a corrida simplesmente parou, nunca tinha visto isso na minha vida! Ninguém se acidentou, nada grave além de: muita gente para pouca rua e um posto onde as pessoas necessariamente diminuem a velocidade logo depois de uma curva. Deu vergonha.

A prova confirma todos os clichês: é a mais famosa do país, uma grande festa, cheia à beça, tem muita gente fantasiada, um percurso difícil e a Brigadeiro é f*da mesmo. A dimensão da prova eu comecei a ter no aeroporto: eu, que já achava o máximo encontrar com gente no ônibus indo pra mesma corrida que eu no Aterro, encontrei levas de corredores já no Santos Dumont. Ouvi a conversa de dois senhores, já por volta dos 60 anos; um deles informava seus planos: “Vou correr essa, que é a 90ª, depois a 95ª e 100ª.” Confiança e autoestima: bons corredores têm.

A grande quantidade de gente fantasiada só se explica, pra mim, pela ausência de carnaval de rua em São Paulo. Sim, temos fantasiados aqui no Rio também, mas não naquela proporção e requinte. São hordas, blocos inteiros de Minnies, ou figuras solitárias, como a japonesa de quimono com quem encontrei na largada e nos quilômetros finais.  Muitos fantasiados correm mesmo! A concentração tem um clima de congraçamento, prévia do revellion que acontece algumas horas depois. E o tema de “Carruagens de fogo” na largada realmente emociona (claro que meia hora depois, quando você ainda não largou e ouve pela sexta vez, já acabou a emoção).

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Como já sabia dos perrengues, dei atenção às boas surpresas, e elas vieram. Eu que sou da rua, meu local de treino cotidiano, amei correr pela cidade de São Paulo, no coração dela, num trajeto totalmente novo para mim. Parafraseando a Calcanhotto, eu corro pelo mundo prestando atenção em ruas que eu não sei o nome, então foi bacana subir um viaduto imaginando qual seria, passar pela República, tentar descobrir qual era aquela igreja, cruzar com a Ipiranga e a São João. Outra coisa absolutamente incrível que eu nunca tinha vivido: gente na rua torcendo por você. Tem de todo tipo: solitários, famílias, um grupo da Gaviões da Fiel, criança que fica no meio fio e dá um high five quando você passa. Parece bobagem, mas não: é demais, dá um gás enorme, você tem um gostinho de queniano não por um dia, mas por minutos suficientes. (No Rio o povo nem liga e ainda te olha esquisito porque você atrapalhou a moça a caminho do mar). E como se não bastasse isso, na começo da interminável Brigadeiro ainda tive torcida pessoal: o auxílio mais que luxuoso da Daniela Abade que estava à minha espera com um sorriso largo, frutas frescas e um gatorade salvador. A Dani era uma conhecida da internet da categoria nunca-te-vi-sempre-gostei; foi imediatamente promovida por um conjunto de gestos gentilíssimos que comprovam que ela de perto é tão bacana quanto parece.

Ainda foi possível rever amigos (beijo, Zé!), curtir uma estadia mara e uma virada de ano deliciosa com as melhores companhias (obrigadão, Jô Elias!), rever e conhecer lugares sensacionais, como os Museus da Língua Portuguesa e do Futebol (show de bola!).  É aquilo, você sai só pra correr e volta com medalhas inesperadas. Mas essas são outras histórias, encerro aqui o relato da São Silvestre, da qual gostei muito e é possível que eu volte – neste ano ou na 95ª ou na 100ª, quem sabe?

Helê

5 Respostas

  1. Li agora. Maravilha de texto e de corrida. Parabéns!!

    Obrigada querida! Precisamos comemorar.
    Beijoca,
    Helê

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  2. Excelente texto como sempre. Pessoa da categoria corajosa você é. Nem imagino o que seja correr 15 km,. Bem que já pensei em ser picada pelo mosquito das corridas, mas acho que ele foge de mim (ou será o contrário?)😋☺️😊

    Quem corre mais rápido, você ou ele,Gaby? Hahahaha! Obrigada, querida, pelo carinho de sempre.
    Beijo,
    Helê

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  3. delícia ler vc! beijo e saudade.

    Obrigada, querida, saudade aqui também.
    Beijoca!
    H.

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  4. Que descrição incrível, Helezoca! Não sei quem é a Daniela, mas já amei: esperando-a com tudo que você tem direito, carinho principalmente. Amigos da internet, melhores amigos. Beijos, querida!

    Beijoca com saudade, querida!
    Helê

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  5. Delícia de relato!

    Obrigada, Comadre. ;-)
    Beijo,
    Helê

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