Amélia 2.0

Cresci nos anos 1970 e 1980, numa família de classe média, na Zona Sul do Rio. Isso significa que tínhamos empregada em casa, dormindo no emprego de segunda a sábado. Mamãe era professora, papai funcionário público – não éramos ricos. Essa não era uma rotina de luxo.

Durante meus anos de mãe trabalhadora, repliquei esse esquema, com algumas adaptações aos novos tempos – folgas durante a semana para a empregada doméstica, fins de semana sem ajudante, etc. Mas, no geral, para manter a rotina de trabalho em horário integral, com direito a viagens pela empresa ou de férias, morando sozinha com uma criança pequena, nunca consegui encontrar outra fórmula que não fosse essa da exploração da mulher pela mulher.

Agora meu filho está adolescente e não só ficou bastante autônomo como passou a assumir algumas tarefas domésticas. Há coisa de um ano, passei a morar com minha irmã e os dois sobrinhos pequenos, e no meio desse furacão de mudanças, resolvi encarar o sonho antigo de trabalhar em home office (querendo contratar meus serviços, tamos aí). Mais tempo em casa, menos grana na conta, menos necessidade de alguém para fazer as tarefas de casa, e a PEC das Domésticas, lei justíssima que tornou a empregada-que-dorme um serviço de luxo, tudo isso somado e o resultado foi que reduzimos ao mínimo a atuação das diaristas (uma para a arrumação da casa e outra para cozinhar para nossa família de cinco).

Daí que agora passo mais tempo do meu dia dedicada a cuidar da casa. Não estou achando necessariamente ruim. Descobri que não posso avaliar os serviços domésticos em termos de “gosto” ou “não gosto”, e sim em termos de quais tenho mais ou menos preguiça de começar. Pôr a roupa na máquina, varrer, cozinhar – pouca preguiça. Estender a roupa para secar, lavar a louça, passar roupa – muita preguiça. São apenas tarefas do meu dia, assim como no dia a dia do escritório havia várias que também não me agradavam particularmente. Estou aprendendo a olhar para essa parte da rotina sem demérito nem glamour, apenas como o que é: uma rotina.

Essa “volta ao lar” é um fenômeno já mapeado por quem estuda as novas relações de trabalho. Disse Domenico de Masi, em seu emblemático “O Ócio Criativo”:

Também o número de pessoas ligadas ao trabalho doméstico e aos cuidados pessoais diminuiu: babás, governantas ou enfermeiras. Como o horário de trabalho se reduz, aumenta o tempo livre e, assim, as pessoas têm menos necessidade de contratar alguém para cuidar do filho ou dos pais idosos, ou ainda para fazer a faxina doméstica. A limpeza da casa passará a ser feita por cada um de nós, com o auxílio de eletrodomésticos sempre mais eficazes, inteligentes e flexíveis.

Sempre tive a preocupação de ensinar meu filho – desde pequeno – a participar dos cuidados com a casa. Dizia que a geração dele não terá empregada para fazer tudo em casa. A mudança chegou mais cedo do que se pensava, e essa já é uma realidade. Aqui os meninos não “ajudam” – eles têm obrigações, tanto quanto as mulheres “donas de casa”. São tarefas adequadas à idade de cada um, mas é responsabilidade deles cumpri-las. Nossa casa sobrevive bem. Sem a neurose de estar permanentemente impecável, mas, devo reconhecer, no geral bastante bem arrumada e funcional.

Nenhuma saudade da Amélia – agora sim é que seremos homens e mulheres de verdade.

-Monix-

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Mar e ritmo

cais

(Source: konbanwa13, via fabforgottennobility)

“Para quem quer se soltar invento o cais
Invento mais que a solidão me dá
Invento lua nova a clarear
Invento o amor e sei a dor de me lançar
Eu queria ser feliz
Invento o mar
Invento em mim o sonhador”

Cais,  Milton Nascimento & Ronaldo Bastos

Helê

Bebendo muito café, comendo sem pensar, chorando miúdo e amiúde, dormindo sem sossego, gerúndios de sofrência (esse jeito divertido e fofo de chamar a dor). De todo modo, garantia não há: quando fiz tudo certo, cheguei na hora, usei os pronomes corretos, os exercícios em dia, mesmo quando me tratei bem a vida não. Quando ouvi “And I think is gonna be a long, long time” eu sabia que era comigo, mas até quando?  Pega na minha mão, segura firme e diz que vai dar tudo certo, embora você não tenha nem como saber, muito menos como garantir. Mente pra mim com toda sinceridade de que só somos capazes com aqueles que a gente realmente quer bem. Deixa eu sentir que você se importa, que eu importo. Dá aqui um abraço sem pressa e grande, largo, fundo, daqueles que, se não colam os caquinhos do coração pelo menos os mantém juntos, para que não se percam de maneira irreversível. Segura na minha mão e não solta.

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Helê

Arquipélago

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Estou naquele hiato entre um livro e o próximo, um não-lugar entre mundos, sem conseguir desapegar completamente dos personagens e paisagens açorianos, habitantes do livro de Joel Neto. Tudo sobre esse “Arquipélago” foi sempre cercado de encanto, desde a alegria com que foi saudado pelos leitores até a maneira como chegou a mim, atravessando um oceano de amizade e continentes de carinho, em um momento tenso de naufrágio. Deve ser por isso que não consigo me despedir.

Foi um enamoramento gradual: primeiro, caí de amores pelos Açores. Logo tive ganas de correr para a internet atrás de fotos e informação, mas me contive para não atrapalhar o ritmo da leitura e para pintar minhas próprias aquarelas com as palavras do autor. Através delas conheci uma cultura rica, um povo singular: interiorano no meio do mar (quase um sertão no meio do Atlântico), ao mesmo tempo distante e familiar. Um lugar “descoberto”, como dizem que nós fomos, mas com registros mais antigos que os seus supostos descobridores, cheio de (con)tradições e camadas – de tempo, de história, de vida.

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Arquipélago” também possui o charme do português de Portugal, língua que é mãe da que praticamos por aqui, tão semelhante e diferente, com seu tom formal e melódico, as ênclises, mesóclises e próclises usadas sem pedantismo. E a poesia involuntária de expressões, construções e dos nomes – ah, os nomes! Só pode ser mágico um lugar que se chama Terra Chã (“que de chã não tem nada“). Ou Angra do Heroísmo. E, meu deus, como é possível viver em Dois Caminhos? A mim já bastava um para seguir…

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Mas não só de paisagem e poesia é composto o “Arquipélago”; para além das vistas panorâmicas há também cenas intimistas e closes, sobretudo de José Artur, com quem não me identifiquei de imediato, mas por quem torci nas páginas finais com a respiração suspensa. Esse homem que, na metade da vida, retorna a terra da infância em busca de algo que ainda não sabe exatamente o que é; muito duro consigo mesmo, tão capaz de amar quando incapaz de expressar esse sentimento, se parece muito com alguns que conheço. Às vezes tinha a impressão de estar lendo o diário de um homem maduro (ou amadurecendo); nesse aspecto, trata-se de um livro bastante masculino, e entendê-lo dessa forma o torna ainda mais interessante.

phpThumbAssim, Arquipélago é tudo isso: um romance intimista, uma trama de suspense e história, uma ode sincera aos Açores. Uma lente que se aproxima e se afasta com maestria, realizando o truque próprio da boa literatura: desloca o leitor de sua realidade, retira-o de sua zona (que é sempre de conforto) ao mesmo tempo em que faz com que se identifique com lugares em que nunca esteve e com pessoas que jamais encontrou ou encontrará.

Eu não conheço Joel Neto pessoalmente e talvez custe a encontrá-lo, dado que ele mora na Ilha Terceira, nos Açores, no meio do Atlântico Norte, enquanto eu me quedo aqui, bem ao sul do Equador, na mui leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. No entanto, eu tenho com esse moço uma dívida inestimável, posto que já me deu dois presentes valiosíssimos: um amigo e um livro. Agradecer publicamente por ambos é mesmo o mínimo que posso fazer: muito obrigada, Joel. Recebe meu abraço caloroso e carioca. E um beijo para o Pedro, esse amigo que você, sem saber, me trouxe d’além mar e permanece comigo, a despeito das latitudes, longitudes e das intempéries.

Helê

 

 

Pastilhas Garota*

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Simone de Beauvoir no Enem? Tão significativo que eu posso falar sobre isso hoje, mais de uma semana depois e o assunto não morreu. A importância de ter o feminismo presente no vestibular é a  mesma de ter Obama na presidência americana: impalpável do ponto de vista prático, a curto prazo; incomensurável do ponto de vista simbólico. E disso somos feitos: carne, sonhos & símbolos.

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(Encontrado em theobamadiary.com)

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Já a vida é outra coisa;  “vida é sístole, diástole”, disse, com precisão cirúrgica, a Angela Scott – cujas palavras sempre me tocam e, com frequência, curam.

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Olhar um mapa é fazer perguntas. Por que esse país tão pequeno se chama São Tomé e Príncipe? Como deve ser viver naquela ilha tão remota? Será que vou conseguir conhecer um deserto? Como faz pra chegar naquela montanha com os gorilas? Gosto de perguntar, amo mapas.

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Achei bacana “Perdido em Marte”, adoro histórias de sobreviência, elas me aterrorizam e seduzem, seja no oceano ou no espaço. Gostei dos papeis femininos, se vacilar até passa na Bechdel Rule. E “I will survive” nos créditos final foi uma ótima piada.

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Depois A partir  de uma certa idade você não tem guarda-roupas, você tem acervo. Saiba tirar proveito dele, rânei.

Helê

*Porque drops só da Fal, como se sabe

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