Downton Abbey – mais atual do que você pensa

article-2207935-0B562A83000005DC-581_634x409Lembro claramente da Monix fazendo uma correlação entre a mudança na legislação do emprego doméstico e as mudanças sociais retratadas em Downton Abbey. Eu jurava que ela tinha escrito isso em um post, mas depois de procurar aqui no blogue acho que ela deixou passar a oportunidade, infelizmente. Deve ter sido dito nos nossos posts vividos, em algum almoço ou mesa de bar (sim, são ótimos esses, mas nem sempre podem ser convertidos em texto).

Na época, como eu ainda não havia chegado a Downton, achei um exagero, mesmo sem entender completamente; hoje acho que era só inveja de uma série que não era a minha e da perspicácia da Sócia. Desde o primeiro capítulo eu lembro dessa observação da Monix e penso no quanto ela foi sagaz. Guardadas todas as muitas proporções, era do que se tratava na série: mudanças de costume, sociais, políticas, tudo junto. E as conquistas dos empregados domésticos no Brasil em 2013 também provocaram mudanças em diferentes esferas da vida cotidiana de certa classe média. Quem viveu intensamente uma e assistiu simultaneamente a outra pode facilmente concordar com a comparação.

210451-downton-abbey-downton-abbey-posterAgora, depois da minha estadia em Downton, fiz o meu próprio paralelo melancólico. Demorou um pouco a cair a ficha, mas a situação do mordomo que procura um emprego que não existe mais me pareceu estranhamente familiar. Numa entrevista, ele é informado que precisa ser também chofer, valete, criado e jardineiro, acumulando muitas funções pelo salário de um funcionário. As habilidades de mordomo, que ele possui com larga experiência, são apenas parcialmente desejadas; precisa-se de alguém que faça razoavelmente um pouco de cada coisa. Mais ou menos como um jornalista neste início de século, de quem nem se espera que escreva com correção e brilho e apure com diligência. Isso até tem alguma utilidade, mas ela ou ele também deve saber gerenciar redes sociais, criar anúncios e entender sobre plano de negócios. E isto por um salário que seria risível se não dependêssemos dele para viver. Pode ser um exagero; só o tempo dirá se nós, jornalistas, seremos de fato extintos, como dinossauros e mordomos.

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Essa é uma das muitas qualidades de Downton Abbey: ser sobre o passado e sobre hoje de manhã, porque o tempo não para, mas também se repete  –  como farsa, maldição ou burrice, vai saber. Uma rica e sedutora aula de história que revela origens, curiosidades e surpreendentes semelhanças.

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Há também as intrigas, segredos, amores, traições, todos os ingredientes de um bom folhetim em que a eletricidade, o telefone, rádio e carro são apresentados como o que já foram um dia: novidade. Era o mundo moderno começando, esse que hoje vemos desaparecer ou pelo menos mudar irreversivelmente. Se nada disso for suficiente para despertar seu interesse, vale a pena assistir Maggie Smith lacrando durante as seis temporadas, sem perder a oportunidade de tornar memoráveis cenas que, feitas por outra atriz, seriam apenas boas.

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Minha librianice ficou absolutamente deslumbrada com a classe, a pompa, os rituais e toda a arquitetura social daquele mundo. Mesmo incomodada com a desigualdade de classes, com o moralismo vazio e opressor, não pude deixar de me encantar com os vestidos deslumbrantes e acessórios charmosíssimos (ah, as luvas acima do cotovelo, os chapéus, usar penas na cabeça sem ser carnaval!). Tudo absolutamente fino e glamouroso. No entanto, eu desconfio que artigo mais luxuoso em Downton Abbey, de fato invejável, seja o tempo. Claro que este valor também era mais farto entre os nobres, mas o mundo vivia numa outra rotação. As pessoas escreviam cartas e bilhetes, pensavam por semanas antes de resolver um problema, esperavam dias por uma resposta. Não sei se viveria bem naquela época, mas gostaria de desfrutar daquele tempo.

 aFSbtao
Para Geide, que me deixou nervosa dizendo que esperava por esse texto, mas me pautou, e uma velha jornalista não resiste a isso. Espero que tenha valido a pena ;-) .

Helê

4 Respostas

  1. […] libertou. Volta e meia tenho uma, quando algo me arrebata por mais tempo que o esperado (a série Downton Abbey, a canção Elephant Gun, os livros da Ferrante). Na rotação acelerada dos dias que correm minha […]

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  2. Ahhh Helê, esta viagem pelo tempo proporcionada por Downton foi profundamente enriquecedora…..uma série imperdivel

    Não é mesmo, Isaura? Riquíssima porque se presta a variadas leituras e interpretações. E tem um elenco irrepreensível.
    Bom te ver por aqui, venha sempre :-)
    Beijoca,
    Helê

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  3. Adorei, Helê…… sim, a conexão. sim, o luxo do tempo. sim, tudo o que ajude Downton a ficar mais um pouquinho com a gente.
    Beijo!

    Adorei issaí, ajudar a ficar mais com Downton. Dufas, empenhado nas boas causas desde 2004!
    Beijoca pra você,
    Helê

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  4. Ah, o tempo de enviar cartas e esperar a resposta, sem nem saber se ela ia chegar. Fazer e desfazer os planos enquanto ela não chega. Até a ansiedade tinha outro tempo.

    Sobre o mordomo, yes, somos nós. E como eles, aposto que só vão sobrar uns bem chiques e bem pagos em lugares onde nunca vamos nem poder entrar.

    Acho que aqui e ali vamos, de vez em quando, encontrar uns fósseis. Já há alguns identificáveis por aí. De todo modo, acho triste e um verdadeiro infortúnio ver nossa profissão se tornar obsoleta – logo agora, na minha vez, pô?!
    Beijo grande, Tina; volte sempre. A casa, você sabe, é nossa.
    Beijoca,
    Helê

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