Preto e branco

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(Salvo de pumpkincarvingtemplatessite.blogspot.com.au)

Da série Corações

Helê

 

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Diarices e leituras

Sem correr há semanas, não ando bem. Bússolas eu perco ou esqueço, mas a corrida me dá um caminho, ou vários. Agora, que tenho um tempo que não pedi, me sobram faltas.

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E o entorno não ajuda: o mal-estar deixou de ser interino e as novas que chegam nunca são boas.

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Em tempos difíceis, back to basics – lição que aprendi nessa fonte inesgotável de sabedoria ocidental, os seriados americanos. Fui cuidar do corpo para tratar da alma; a moça que tem doce e beleza no nome, calor na ponta dos dedos, mandou cuidar da comida, do sono, do que entra e do que sai – do básico, em resumo.

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4c9987fed38c659e24a8ac6209163aa0Menos digital e mais analógico. Mergulhei na ficção dos livros, nadei braçadas vigorosas e terminei ofegante, claro. Elena Ferrante me inquieta demais, coloca uma lupa implacável nas minhas relações, pra não falar em mim mesma. Uma leitura que revira cantos propositalmente esquecidos, arranca cascas de feridas mal saradas, me expõe. Brilhante, mas perturbador. Doloroso, mas bom. Feito terapia.

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No intervalo forçado entre o segundo e o terceiro livro, fui conhecer A vida no campo e ahhh!, ali sim, estou encontrando acolhida, descanso, proteção. Crônicas de gentileza e sensibilidade, algum humor, outras belezas. Também é fundo, mas não machuca: é leitura que abre as janelas, passa um café e senta com você na varanda (ainda que você more no 8o andar de uma rua barulhenta). Ficarei por lá enquanto puder, antes de voltar a Nápoles.

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Ler o “Arquipélago” atravessando a Baía de Guanabara soava mais que adequado: era quase um complemento à leitura. Mas ontem, enquanto lia “A vida do Campo” no metrô, perdi a estação em que deveria descer. O que também tem lá a sua poesia, você há de convir.

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Para amansar um sono sempre indócil, experimentei dormir sem luz alguma. Para minha grande surpresa, descobri que a escuridão era bem menos intensa do que pensava.

Guardei a metáfora, pode ser útil.

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54ff983a23b47-books-cooley-de“Só o que é íntimo me interessa”, diz o Joel a certa altura. A ideia me agrada imenso, e além do mais admiro quem formula assim uma preferência, com certeza e destemor. Sou incapaz de frases definitivas – o que lamento muitíssimo, a vida parece mais leve para quem duvida menos. Se a frase fosse minha, eu diria que só o íntimo têm me interessado ultimamente. O superficial tem me parecido vão – e quase tudo tem me soado muito superficial nos tempos que correm.

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Então me lembro do que me respondeu Isabel Duarte Soares para um comentário meu em seu blogue primoroso (quando eu ainda tinha coragem de comentar lá). Ela me ensinou algo sobre a introversão como a centralidade do mundo interior ou algo assim. Volto lá para conferir. Procuro um pouco (já faz algumas semanas que li), esbarro em um post em que ela fala do Joel e penso “que coincidência!”. Até encontrar o post que procurava e ver que o título é “Talvez me falte a corrida...”. Então acho que o ciclo se completou e que encontrei um desfecho para este post.

Helê

Eu canto pra Deus proteger-te

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(reblogou)

Helê

Legenda, por favor

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(Salvo de militaryheroes.tumblr.com)

Helê

 

Mermão

Em inglês se diz brother-in-law; em francês, beau-frère – diferença que sempre achei interessante: o que uma língua determina pela lei a outra define pela beleza. Em português há uma palavra específica, cunhado – que a sabedoria popular diz que não é parente, enfraquecendo um parentesco já meio frouxo. Pois o Laerte foi todos esses e mais alguns. Cariocamente bróder, parceiro na alegria e no perrengue; legalmente cunhado, irmão no amor pela beleza das canções. Por um longo tempo fomos também brothers in arms, unidos numa feliz, debochada e resistente trincheira flamenguista, cercada de alvinegros por todos os lados.

Mas eu e Laerte fomos, somos – e desconfio que seremos sempre – irmãos em notas. Não as monetárias (que a gente não dispensa), mas as musicais, para nós vitais porque nos alimentam, orientam, constituem. No mundo mágico da música estabelecemos um território de entendimento, livre de preconceitos e dogmas: ouvíamos de tudo, gostávamos de muitas coisas e até nos divertíamos com as discordâncias. Não é que a gente goste das mesmas coisas, é que a gente gosta do mesmo jeito. Compartilhamos o mesmo entusiasmo pela canção recém-descoberta, a expectativa pelo próximo álbum, a excitação pela regravação Na trincheirainusitada, a rendição ao verso matador que justifica um disco inteiro. Nossos encontros, que quase sempre começavam com sorriso e abraço festivo na minha chegada, pareciam jam sessions em que a gente ia improvisando, mostrando um ao outro novas aquisições ou clássicos resgatados; nos entendíamos por música e tocávamos de ouvido: sem partitura, marcando o tempo na batida do coração. Gente como Laerte e eu ouve música como quem respira: para viver.

A vida, essa mesma que nos reuniu e nos deu a chance de conviver, sofrer e crescer juntos, também nos apartou. É da vida fazer isso, como a falta é do jogo. Se a gente for esperto aproveita enquanto pode, retém o que precisa, celebra o que permanece. E a nossa fraternidade se mantém porque o que a música (e o Flamengo) uniu nada separa. Então, Lau, nessa data querida  eu quero te desejar os batuques mais potentes, as mais belas melodias, os solos mais surpreendentes, todas as cores do som. Tims, e Bens e tais; para você o que você gosta diariamente: nem mais, nem menos; nem luxo, nem lixo, só beleza pura. Saúde pra gozar no final (no meio e no início também). Desses seus (primeiros) 50 anos eu só posso dizer o que a gente falava nas nossas festas memoráveis, depois que a música certa na hora exata fazia todos dançarem loucamente: pode melhorar – e vai.  Qualquer hora dessas a gente se encontra de novo e faz um som daqueles, mermão.

Helê

 Freneticamente

Quando as Frenéticas estavam no auge (sim, eu vou escrever um post sobre um assunto do século passado, me deixem), eu tinha uns oito pra nove anos. Era o auge da era disco. Lembro que pedi uma festa de aniversário “de discoteca” e mamãe improvisou com lâmpadas coloridas,  gelo seco e uma vitrolinha portátil que eu e minha irmã tínhamos acabado de ganhar. O disco das Frenéticas foi o sucesso da festa.  Elas eram ídolas numa época com poucas mulheres poderosas disponíveis para prestar esse papel – aliás, elas não eram bem poderosas, estavam mais pra Perigosas.

Esse foi o disco que tocou sem parar na minha vitrolinha portátil.

Meu pai reclamava demais da nossa preferência pelas bonitas e gostosas.  Dizia que era uma música esquecível, sem qualidade. Que dali a 20 anos ninguém se lembraria de frenética nenhuma.

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No início dos anos noventa eu trabalhava como editora na TV Manchete e não sei bem por quê um repórter resolveu fazer uma entrevista com as cantoras da minha infância. Normalmente os editores não saíam da redação, mas como a produção marcou num restaurante ao lado da emissora dei um jeito de acompanhar a gravação. Lembro das minhas ídolas contando sobre os novos caminhos seguidos depois daquela efêmera e transformadora experiência,  completamente extasiada pela oportunidade de vê-las  de perto, e de imediatamente pensar no meu pai. Quinze anos depois elas ainda estão aqui, papai. ;)

Hoje as Frenéticas podem não ser tão lembradas quanto mereciam, mas estão longe de terem sido esquecidas. E se a qualidade musical é agora indiscutível, suas letras ousadas até hoje são trilha sonora para o tal do empoderamento feminino. Tipo assim: “elogio é mixaria / se me chama de rainha / me desculpe mas não quero, não quero e não vou reinar na cozinha.”

Em julho deste ano morreu Lidoka, a ruiva da pose petulante na capa do meu disco. Daí que este post sai meio atrasado, mas antes tarde do que mais tarde, vocês sabem. É que hoje tocou uma música delas na minha playlist mental e essa história toda me voltou de uma vez só.

Não me lembro quem  eram os amigos que convidei para minha festa de nove anos. Mas das músicas das Frenéticas ainda me lembro muito bem. Durmam com um barulho desses.

-Monix-

Adulthood

Tenho quarenta anos – há sete anos. A sentença nasceu de uma frase mal formulada pela Menor, mas é daqueles erros que dão certo. Gostei, traduz um sentimento, ou melhor, uma condição. Essa de estar nos 40’s, esse espaço que já chamei de A Casa dos Quarenta (tomando de empréstimo uma imagem de Meu Rei, Veríssimo). Até aqui parece mesmo um ciclo, como os que a gente inventa para explicar fases históricas. Talvez tenha começado um pouquinho antes, sabe deus o quanto vai durar – a prof sempre explicou que as datas desses períodos não eram super precisas. Importa que guardem alguma coerência e coesão, e é a impressão que tenho, olhando para os últimos anos. Para o bem e para o mal – sendo que o primeiro tem a vantagem ;-) .

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Mas confesso, envergonhada: eu ainda vejo adultos. Desconfio que do mesmo modo que o menino no filme via dead people: talvez só eu veja. Ainda olho para algumas pessoas como se elas soubessem algo que eu só saberei mais tarde ou mesmo nunca. Como se elas tivessem atingido um nível qualquer – profissional, financeiro, até emocional – muito distante para mim, quase inatingível. Do modo como eu, criança, olhava para os adultos e suas complexidades, tantas que nem tinham esse nome, eu ainda não sabia palavras desse tamanho. Com o passar dos anos, vai diminuindo a quantidade de pessoas que vejo dessa forma, mas ainda existem e isso deve explicar muita coisa – só não sei quais. Deve dizer, por exemplo, o quanto eu sou imatura. Ou que ainda tenho salvação, vai saber? Vamos acompanhar.

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Helê

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