Rio de tristeza

Da série “Análises Políticas em Mesa de Bar”:

– Essa merda desse país acabou.

– E o Rio de Janeiro, que sempre foi vanguarda, acabou primeiro.

**
Visitando o Parque Lage, uma das variadas facetas da Floresta da Tijuca, penso: nada pode morrer no entorno dessa floresta magnífica. Ou, por outra, tudo ao seu redor sobrevive, apesar. Talvez o Rio ainda não tenha sucumbindo totalmente, deslizando derrotado pela Baía de Guanabara adentro, porque essa larga formação rochosa, que se esparrama pelas zonas sul, norte e oeste, ainda nos retém, finca no solo uma esperança irracional, mas atávica.  Nessa cadeia de montanhas verde e rocha, o Cristo tem fama mas figura como um adorno,  um piercing delicado; quem reina absoluto,
muito antes do Redentor, é o gigante sisudo da Pedra da Gávea, carranca assombrada com o que fizemos de nós. Na Floresta da Tijuca, desconfio, reside o verdadeiro espírito carioca, ancestral miscigenado dos indígenas daqui e dos africanos trazidos à força do outro lado do Atlântico. Rogo que ele possa nos redimir e refundar a cidade que se formou ao redor da Floresta de maneira selvagem e incivilizada.

**

Um dia após a visita ao Lage, num domingo outonal – ou seja, de clima ameno, céu límpido e azul arrebatador – surpreendi o Cristo num ângulo inesperado (inacreditável, mas eles existem) – e senti aquela reincidência de amor, um reapaixonamento fulminante pela cidade. Logo depois eu tive uma triste epifania: constatei que o Rio, meus amigos, é uma miragem. Pense no que há de mais sedutor, desejável, deslumbrante nessa palavra. Pense também em tudo o que ela carrega de ilusório, decepcionante, brutal. O Rio de Janeiro é uma miragem.

Helê

Advertisement

Ponto de virada

 

Turning_Point_Sign_COMPRESSED

Em geral eles surgem sem placa ou indicação; às vezes leva algum tempo para perceber que passamos por eles. Mas, com o tempo, a gente olha pra trás e vê claramente os pontos em que a nossa história mudou de um jeito inesperado, repentino ou radical (ou todos juntos).

Tenho pelo menos dois momentos definidores na minha vida, aqueles em que ações ou eventos mudam tudo, redirecionam sua rota, alteram as coordenadas da existência. O primeiro deles, um verdadeiro twist plot, aconteceu quando eu terminei o ensino fundamental e ia para uma escola técnica. Não tinha o menor desejo de cursar eletrotécnica – que eu até hoje não sei no que consiste -, mas eu passei na prova sem dificuldade, era um colégio púbico e um particular estava fora de que$tão. Mas uma professora de Estudos Sociais, D. Braguez (de quem eu nem era próxima), considerou que seria um desperdício porque eu era muito inteligente, a escola era fraca e eu ia para lá apenas por falta de opção. Então ela foi ao melhor colégio do bairro, onde os filhos dela estudaram, pediu e conseguiu uma bolsa de estudos integral pra mim. Assim, fui estudar no Pentágono, e minha vida tomou um novo rumo por causa disso. Além do ensino de qualidade, eu descobri que o mundo era muito maior que Vila Valqueire; aquela escola ampliou meus horizontes de um modo que nenhum outro ambiente conseguiu. Fiquei tão deslumbrada que, depois de um primeiro ano excepcional, levei bomba no segundo e perdi a bolsa (e por isso me sinto até hoje em falta com a D. Braguez). Tento me desculpar lembrando que eu era uma adolescente querendo conquistar o mundo e beber a vida em grandes goles (e alguns tragos).

O segundo momento talvez seja melhor definido como um turning point – que eu entendo como ligeiramente menos radical que a virada de enredo, mas também impactante na narrativa, de maneira irremediável. Aconteceu em 2003, quando acessei um blog chamado Mothern e deixei um comentário no Livro de Visitas. Voltei – a convite da Fernanda Castro, que por isso virou minha comadre –, e muito do que aconteceu depois na minha vida deriva desse conjunto de ações. Sem o Mothern você não estaria lendo esse post agora, por exemplo. Eu teria seguido um curso diferente na minha vida se não tivesse entrado nessa trilha, que me levou a caminhos inesperados, me trouxe as melhores paisagens e as mais incríveis companhias. Um tanto de acaso, bocado de curiosidade, e muita sorte de estar no lugar certo na hora exata.

E você, consegue identificar momentos de virada na sua vida? Qual foi o seu turning point (ou quais foram)?

 

turning-point-004

Helê

Monix Day 2017

Foi preciso que o Rock in Rio fizesse 30 anos para que eu fosse a um – mas valeu a pena esperar, já que a companhia foi a melhor.

Foi preciso que inventassem a internet pra gente se encontrar, mas aquilo que tem que ser encontra força e meio de acontecer.

Foi preciso a maternidade para que nossa irmandade florecesse e criasse raízes profundas e ramificadas.

Precisarei agradecer sempre a precisão com que você chegou (e ficou) na minha vida, Sócia.

Feliz aniversário, Mione. Para você o que você gosta – diariamente.

Demais parabéns na caixa de comentários, sifazfavoire

Helê

Salve Jorge!

“Não peço a Deus que me dê,

mas que me ponha onde haja. “

(Howard David Johnson)

É o que eu peço, meu santo protetor, meu santo guerreiro: me ponha onde haja, que eu estou vestida com as roupas e as armas de Jorge.

Jorge é da Capadócia!

Helê

Enredado

(Via Pinterest)

Da série Corações

Helê

Descompasso

Uma conhecida me falava sobre a felicidade de, depois de trabalhar com produção, estar em uma escola, lidando com o dia a dia das crianças. Elogiava a concretude do trabalho: “Você vê o resultado do que faz na hora”, ela concluiu, empolgada. E eu concordei, alegando que todo mundo que trabalha com esta vaguidão chamada cultura sente falta disso. Disse a ela: “Às vezes eu queria, sei lá, fazer uma mesa de madeira igual a essa em que estamos, produzir algo real.” Conversa vai conversa vem, logo depois me peguei falando entusiasmada do quanto eu gosto de mexer com texto, com tudo o que lhe diz respeito: escrever, revisar, editar, aprimorar, adaptar. “A carpintaria” eu disse, usando uma metáfora recorrente, que naquela conversa soou redundantemente divertida. Percebi que meus textos são as minhas mesas – ora rústicas, ora elegantes; largas ou aconchegantes, sempre convidativas, generosas. Sobre elas gosto de servir, alimentar, celebrar, apoiar e agregar. E quando possível, tento decorá-las da melhor maneira, com beleza e sem frescura,  com aconchego e alegria, cores e amor.

Mas nasci em tempos de fast-food.

Helê

Maltratado

 

(Do Pinterest)

Da série Corações

Helê

Fofo

(Da Etsy, via Pinterest)

Da série Corações

Helê

Marli

marlisoares

Sobre feminismo, origens e referências, eu queria dizer que Marli Pereira Soares foi minha primeira representação de mulher maravilha. Sim, teve a Malu Mulher, a Linda Carter, a TV Mulher, a Simone cantando “Começar de novo” e emocionando a minha mãe, recém-separada. E teve também a Marli. Lembro com uma clareza impressionante (para quem tem a memória esburacada feito a minha) dessa mulher dizendo “Tenho pavor de barata. De polícia, não”. E da foto dela passando em revista um batalhão e apontando os responsáveis pela morte do irmão. Isso em 1979, em plena ditadura militar – e eu com longínquos 10 anos de idade. Marli Pereira, uma precursora na coragem e no sofrimento de milhares de mulheres negras brasileiras que choram seus parentes mortos pelo Estado – seja por omissão, incompetência ou genocídio puro e simples.

Helê

%d bloggers gostam disto: