Feito pela artista Pippa Dyrlaga, enviado pela leitora de sempre, ::Fer::
Da série Corações
Helê
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Da série Corações
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Uau! Catorze anos de blogue! Nunca imaginei que esse vôo duraria tanto, Sócia.E chegando aqui, agora, só posso desejar…bis!
14 anos de Duas Fridas – Feliz aniversário para nós!
E obrigada a todas e todos! (Comentários são sempre bem-vindos)
Helê
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“Consumir informação da internet é como tentar beber água de um jato abundante com uma colher”
Eis aqui uma garrafinha de informação pra você não passar sede nem se afogar: um e-mail semanal com os links dos posts mais recentes, para você ver o que perdeu ou reler o que amou .
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Até a próxima quarta!
Duas Fridas
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Quem não se comunica se trumbica, já dizia o Velho Guerreiro. Isso lá pelos idos do século XX, aqui na nossa república de bananas. Os gringos lá do FBI e da CIA não conheceram o famoso bordão, e como resultado o mundo ocidental as we knew it se trumbicou.
Essa é a premissa da minissérie The Looming Tower, que terminei de assistir esses dias, baseada em fatos e pessoas reais. A história que se conta é a de que as duas agências governamentais norte-americanas investigavam em paralelo atividades suspeitas de pessoas ligadas à Al-Qaeda. Só que existe uma divisão de tarefas entre as duas, e, resumindo em poucas palavras, a CIA cuida dos assuntos internacionais e o FBI dos crimes em território nacional (no caso, o deles, ou seja, dentro dos Estados Unidos). Daí o FBI pedia informações para tentar achar os responsáveis por atos terroristas contra instalações norte-americanas mundo afora (as embaixadas no Quênia e na Tanzânia e um navio no Iêmen), mas a CIA negava, porque, afinal, foram crimes cometidos fora do território americano.
Quer dizer.
É meio impressionante – e bastante assustador – pensar que em grande medida a segurança do mundo dependia de umas pessoas que, no fundo, são gente como a gente. Que se apegaram a insignificâncias como “isso é meu”, “isso é seu”, em um mundo globalizado como esse em que vivemos. Que, em última instância, não entenderam que a comunicação é essencial para tomar decisões bem informadas. Que agiam como se fossem as duas torres que caíram: paralelas que só se encontraram no infinito.
***
Eu acho cá comigo – aliás, muita gente também deve achar – que o século XXI começou em 11 de setembro de 2001. Ou, dependendo do ângulo que se vê, o século XX terminou ali. Espero que seja mais essa segunda opção. Seria bom acreditar que nossa nova época será menos mesquinha que a anterior. Tipo um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera. Mas né? Acho que não. Aguardemus e oremus.
-Monix-
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Eu tinha rascunhado umas coisas pra dizer sobre Rio em Shamas, livro do Anderson França, mas ficou perdido numa nuvem dessas da internêta. Reencontrei essa semana e acho que ainda vale a pena postar; além de divertidíssimo, o livro merece toda atenção que puder despertar. Porque o Dinho, como também é conhecido, ainda é uma voz incomum na literatura: a periferia falando e refletindo sobe si mesma. E com humor.
Eu fui fisgada pelo primeiro texto dele que li, que tem o título singelo de “São Jorge – O Cu Enquanto Memória Expandida – O Pessach”. Devota que sou, recebi num 23 de abril e repassei pra várias pessoas, porque me pareceu uma excelente homenagem, malandramente carioca. A partir dessa crônica passei a seguir o Anderson no feicebuque e conheci “Rio em Shamas”. Tem muitas coisas interessantes na escrita dele, sendo a primeira delas o estilo, que parece anárquico mas possui uma lógica própria. Além disso, soa familiar: assim que li achei que estava reencontrando um parceiro, mesmo que nunca o tenha visto.
Impressiona a maneira como Dinho é capaz de observar a realidade sendo “de dentro”, mas se distanciando o suficiente (mas não muito) para descrevê-la como se fosse “de fora”. Essa habilidade se expressa, entre outras formas, na sua incrível capacidade de transcrever os dialetos suburbanos para o papel. Quando ele escreve, no texto do São Jorge, “Ciligou?”, a gente tem um segundo de estranhamento mas entende em seguida (sobretudo nós, cariocas). A palavra não existe, mas quando lê, você a compreende. Em outro trecho ele fala de como o Santo Guerreiro consegue a devoção de católicos e protestantes anglicanos, que só têm em comum, além dele, Jesus. E comenta: “Olha. A. Moral. Do. Maluco.” Uma sentença que você lê ouvindo. E quase vendo a expressão facial e os gestos do narrador.
Nos livros da Elena Ferrante fiquei fascinada, desde o início, com a questão do dialeto, de evidente importância na trama. Delineia personalidades, circunscreve espaços e define o tom de muitas cenas. Desde então me pergunto sobre os nossos, quais seriam? Porque me parece impossível que uma população grande e complexa como a nossa não os tenha. Eu não sei qual é a definição técnica de dialetos – alô, linguistas, socorro – mas me parece que é exatamente o que o Dinho transcreve nas suas crônicas. Aquele não é o Português formal, não tá puro: é a língua descalça na laje pegano sol, desenrolando as situação e dando S nos obstáculos. Uma linguagem rica e vistosa, fluida, de difícil apreensão e fácil compreensão. Talvez por isso poucas vezes possamos ver essa oralidade impressa, e quase nunca valorizada como parte importante da cultura.
Marechal Hermes, estação do trem. O subúrbio também pode ser bucólico
Além disso, tem o lugar de onde ele escreve, o tal “lugar de fala”, que traz para o texto gentes e espaços sobre os quais eu pouco leio no dia a dia. Acho que nunca tinha lido uma crônica que falasse de Cavalcante, bairro aqui do subúrbio do Rio. Ainda vigora no imaginário coletivo (e nas mídias todas) um Rio de Janeiro que vai da zona sul até, no máximo, o Centro. Então dá um prazer danado reconhecer e reencontrar o subúrbio nos textos do Dinho – ainda mais em crônicas, esse gênero que eu amo e que me ensinou a gostar de ler. Sem folclore ou sentimentalismo, mas com a língua afiada e a mania de rir de si mesmo de um jeito que só quem é pode – só quem é preto, pobre, suburbano, favelado. Nem sempre concordo com Dinho, mas acho absolutamente necessário que ele conquiste espaços de expressão para além da internet; acho um livro como o dele relevante porque rompe expectativas, quebra padrões. No “Rio em Shamas”, o subúrbio e seus moradores faz o que os pretos fizeram recentemente na universidade: deixaram de ser objeto para virar sujeito. É nóis.
Helê
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Gostaria de agradecer publicamente ao príncipe Harry – que sempre foi meu favorito por motivo de ruivice e cara de levado – por ter nos proporcionado esse episódio extra de Game of Thrones. Todos nós já estávamos em crise de abstinência com a decisão leviana de apresentar a última (e curta) temporada em 2019, mas agora podemos aguentar até lá (não sem sofrimento).
Assim como o seriado baseado nos livros de G.G. Martim, o casamento de sábado foi daqueles momentos raros em que mundo volta a ser uma vila onde só se comenta um assunto. E eu adoro quando isso acontece por um bom motivo. No meu Facebook ou no Instagram da minha filha, no grupo seleto do WhatApp e no feed da ex-colega de trabalho, o assunto foi o casamento real durante todo fim de semana. Eu endosso todas as críticas ao espetáculo midiático e ao anacronismo da monarquia e tal e coisa com um olho na tv e outro no celular. Porque a matéria prima desse enredo – o casamento de um menino que a gente viu crescer e conhecia a mãe – é demasiadamente humana pra gente não comentar.
Ainda mais quando aparece um bróder pra fazer um sermão inspirado, citando Dr. King e os africanos escravizados do Sul dos Estados Unidos. Love is the way. Seguido de um coral majoritariamente negro cantando “Stand by me’. A melhor piada, postada, claro, no twitter, é que tinha mais negro na Capela Saint George que na novela da globo que se passa, teoricamente, na Bahia.
Nem acho que valha a pena discutir se a Megan vai mudar ou não a família real (até porque futilidade tem limite, e falar da vida dos outros no fim de semana tudo bem, hoje eu tenho mais o que fazer). Já mudou né, a atriz-americana-mais-velha-divorciada-afrodescendente. E as imagens e o poder delas estão aí e seus efeitos estão em curso no imaginário coletivo. Como espetáculo achei bacana, uma mistura boa de inovação e tradição, boa trilha sonora, protagonizado por duas pessoas dando esse leap of faith que é o casamento e, aparentemente, felizes de verdade.
Aliás não foram poucas as comparações com casamentos anteriores e, olhando as fotos hoje, a gente pensa que tava na cara que Diana e Charles não ia vingar, né? A gente não vê nela o brilho e a alegria que notamos tanto na Megan quanto na Kate. Ou vai ver as pessoas parecem mais felizes nas TVs HD, vai saber… Eu percebo também a furiosa passagem ao tempo ao contabilizar o terceiro casamento real que assisto. Oh, lord!
E com esses gifs fofos encerramos nossas transmissões e divagações inúteis sobre o casamento real. Até o do George!
Helê
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Quando eu tinha 18 anos, tendo estudado a vida inteira em escola particular**, me deparei com a forte certeza de que minha primeira opção no vestibular seria uma universidade federal. Naquele distante final da década de 1980 estavam sendo realizadas as primeiras provas discursivas em muito tempo, portanto para meu plano dar certo era necessário conseguir notas muito boas em uma prova bastante difícil. Meu perfil como estudante era o de uma convicta “pessoa de Humanas”: ótimas notas nas disciplinas de cá, péssimas nas de lá. Mas minha formação básica garantiu um resultado suficientemente bom para ser aprovada para o segundo semestre, e assim tive meu primeiro contato com o ensino público em uma circunstância extremamente privilegiada, em uma instituição de excelência em todos os sentidos.
Porém, a escolha pela universidade federal passou por caminhos bem tortuosos e motivos muito pessoais, e mesmo subjetivos – claro que eu queria uma faculdade boa, um diploma para enfeitar bem meu currículo, essas coisas que (quase) todo estudante quer quando toma decisões sobre o vestibular. Mas queria também sair da esfera da PUC, onde a esta altura minha mãe lecionava, ampliar horizontes e evitar uma dependência financeira que àquele ponto da minha vida eu já não desejava.
Quando cheguei na UFRJ, no entanto, pela primeira vez tive uma vivência daquilo que hoje chamamos diversidade. Conheci gente de diferentes origens, gente que morava em bairros que eu nem sabia que existiam, gente que tinha estudado em colégios muito diferentes do meu, e, principalmente, gente que não vinha do mesmo ambiente protegido da classe-média-zona-sul, que precisava comer no bandejão para sobrar dinheiro para a passagem, que vinha de famílias que nem sempre podiam financiar as condições mínimas para se estar ali.
Muitas vezes me questionei se era justo que eu estivesse naquele lugar. Sentia que estava ocupando uma vaga que deveria ser destinada a quem de fato não pudesse pagar. Durante algum tempo cheguei a concordar com os defensores do pagamento, por quem tivesse condições para tanto, de uma taxa anual.
Me formei, passou o tempo, muita coisa mudou na forma de acesso à universidade e acabei chegando à conclusão de que o ensino público só faz sentido se for gratuito e universal, no sentido de ser acessível a todos. Inclusive à elite. Esta é a riqueza da educação pública: ela trata a todos igualmente. Caso se instituísse uma taxa, os que pagassem se diferenciariam dos que não pudessem pagar, e pronto: já estaria criada uma hierarquia. Por outro lado, se a classe média alta/elite intelectual não frequentasse as escolas públicas, muito provavelmente o nosso sistema educacional seria como o sistema de saúde: atenderia mais ou menos mal a mais ou menos todo mundo. Porque os lugares frequentados pelos filhos da elite, mesmo sem verbas, mesmo com todas as dificuldades, mesmo sem papel higiênico nos banheiros, são alvo de um escrutínio muito mais rigoroso. E isso é ruim, porque expõe o duplo padrão da nossa sociedade, mas é bom porque beneficia a todos os que estão lá.
Então, acho que uma parte importante de acreditar no ensino público é estar nele. Investir numa educação pública de qualidade também passa por frequentar esses espaços. A chave para uma democratização do ensino não é fazer com que as pessoas paguem individualmente por ele: é melhorar as condições de acesso, sem criar falsas simetrias. Se nem todo mundo teve as mesmas condições na educação básica, faz sentido que haja uma reserva de vagas para quem vem com uma bagagem de conteúdo que, por si só, não seria suficiente para garantir a entrada na instituição. A política de cotas já está consolidada e os resultados são auto-explicativos. Basta frequentar um ambiente universitário hoje para ver como todos saíram ganhando.
***
Movida por motivações igualmente particulares e subjetivas, propus ao meu filho que, em sua passagem para o Ensino Médio, ele fizesse provas para escolas públicas de excelência da nossa região. Ele foi aprovado e está frequentando um colégio federal tradicionalíssimo do Rio de Janeiro. Esse meu reencontro com o ensino público me fez voltar a pensar nessas questões de inclusão, acesso, democratização, e, cada vez mais, defendo que ocupemos esses espaços, todos nós. É da mistura que nasce a qualidade. Esta foi a maior lição que aprendi em quatro anos de faculdade, e fico feliz por ver o aprendizado se repetindo na adolescência do meu filho.
(Aliás, já faz um tempo que estou usuária de transporte público – pago, mas enfim, coletivo. Quase dá vontade de frequentar o SUS e fazer esse mesmo caminho na saúde. Estou mesmo bem convicta de que as soluções individuais não podem ser a saída – não em um planeta habitado por 7 bilhões de pessoas.)
-Monix-
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Estava naquele estado impreciso e nebuloso, próprio das manhãs de ressaca e sono. Achei que tinha ouvido a televisão falar algo como “Geisel mandou executar, diz documento”, mas achei que tinha entendido errado. No caminho para o trabalho, horas depois, li no Meio a notícia e, imediatamente, fui olhar as capas dos jornais porque essa notícia era, para mim, uma manchete histórica com há muito não se via. Na verdade, como nunca se viu no tocante a esse assunto. O Globo deu o destaque que eu esperava, mas os outros nem tanto. Nas minhas redes sociais houve repercussão – maior no twitter que no FB –, mas achei pouco. Não entendi porque TODO MUNDO não está falando disso. Então vim aqui no blogue, subi no meu caixote pra falar do que acho importante e que geral não está dando a devida atenção.
Só os mileniais podem não saber (mas deveriam) sobre a tortura e as mortes ocorridas durante o regime militar. Nem os militares negam: o que fazem é tentar justificar. E muitas pessoas, militares ou não (muitos cidadãos de bem, essa terrível entidade brasileira) acreditavam que excessos, se houve, foram isolados. Daí a importância de um documento oficial do Estado americano afirmando que um presidente da república foi oficialmente informado da execução de 104 pessoas, refletiu, e aprovou a continuidade da prática, desde que sob a supervisão do general que viria ser também comandante da nação, seu sucessor. Isso precisa ser escrito em negrito, se não em caixa alta, porque só não é mais assustador que a possibilidade dessa notícia ser esquecida na edição de amanhã. Derruba a versão que percebia excessos e exceções onde havia institucionalidade: o assassinato sistemático de pessoas autorizado pelo governo há 40, 50 anos – o que, em termos de história, acabou de acontecer. E o que nos iguala a regimes que execramos com suposta superioridade.
Decision by Brazilian President Ernesto Geisel To Continue the Summary Execution of Dangerous Subversives Under Certain Conditions (link para a transcrição do documento)
A precisão numérica também indica que o controle sobre essas mortes era maior do que as Forças Armadas sempre nos quiseram fazer crer. Tão óbvia quanto revoltante foi a reação do Exército que, em nota, lembrou que os documentos sobre o período já não existem mais – como sempre se alega em todo período vergonhoso dessa nossa republiqueta que se pretende nação e não passa de uma terra de brutalidades. Essa manchete, dividindo espaço na primeira página do jornal com a reconstituição da execução da vereadora Marielle Franco, ontem no Rio de Janeiro, deixa a sombria impressão de que abater inimigos é prática arraigada e corrente nesses trópicos cada vez mais tristes e sempre cruéis.
Helê
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Já contei aqui que volta e meia sou tomada por um frenesi internético, que é a busca voraz por detalhes a respeito de uma pessoa, lugar ou período depois de alguma experiência marcante, em geral um livro ou filme. Faz parte da minha personalidade curiosa, do meu fascínio pelo acesso à informação e também é uma forma de prolongar o prazer causado pela obra. Esse frenesi sempre se mostra enriquecedor; um desses, por exemplo, me fez trocar e-mails com Delia, irmã da Nora Ephron, roteirista do delicioso “Harry & Sally” (da lista dos nossos filmes favoritos). Uma história breve, mas que La Otra achou que devia virar post. E que demostra, creio eu, que escrever é construir pontes que a gente não sabe onde nos levam, mas que sempre me conduziram a lugares e pessoas extraordinárias.
Falando nelas: tudo começou quando passei uns dias com a Vera, em Brasília, e trouxe comigo uns livros (será que trazer algo emprestado da casa de alguém é uma tentativa de prolongar a visita?). Um deles era “Meu pescoço é um horror!”, da Nora, prosa gostosa, leve sem ser superficial, colorida, bem humoradíssima, como uma conversa com uma amiga divertida que não encontramos sempre, então sempre tem novidades, boas histórias e conselhos úteis. Terminada a leitura, mergulhei internet afora em busca de informações sobre a autora. Certamente eu soube que ela morreu em 2012, mas não registrei a informação e entristeci novamente ao ler sobre. Procurei outros livros, detalhes sobre sua morte e, aba vai, aba vem, guiada pelos ventos da Serendipity, essa divindade digital, esbarrei nesse texto aqui, da Delia Ephron:
Fui arrebatada pelo título inacreditável, entre o romance e a tragédia, mas que parecia ter terminado bem – talvez a bela ilustração, talvez porque ela, afinal, assinava o artigo. A tradução pode ser algo como “54 anos depois, nós nos apaixonamos. 5 meses depois, tive leucemia”, mas se você tem boas noções de inglês, por favor, leia o original. O resumo que farei não dá conta da qualidade do texto, fluido, agradável e cativante, sem traço de melancolia ou autocomiseração, apesar de carregado de significados e reflexões.
Delia conta que, a partir de uma crônica escrita para o jornal, em que narrava as dificuldade para cancelar a linha telefônica de seu falecido marido, entrou em contato com ela alguém com quem ela havia saído há mais de 50 anos. Resumindo muito uma história que merece ser lida em todos os detalhes, eles se reencontraram e se enamoraram pouco tempo antes de Delia descobrir que estava com a mesma doença que matou sua irmã – mas de um tipo diferente, que a credenciou a participar de um estudo clínico que a fez entrar em remissão, com o apoio constante de Peter, agora seu marido.
Li o texto quase como um romance, apreensiva com o desfecho dessa história improvável, que não daria um roteiro: já é um pronto. No decorrer da narrativa, Delia fala sobre amar depois de já ter amado, das inseguranças e incertezas e também do pragmatismo que a idade pode conceder; relembra da irmã, responsável por apresentá-la a Peter décadas atrás; reflete sobre a proximidade da morte, a luta pela vida e os infortúnios de uma internação. O texto de uma senhora septuagenária falando de si, cheio de som e fúria.
Ou fui eu que li assim. O fato é que eu não consegui tirar o texto da cabeça. Contei pra minha filha, enviei para amigos, mas 2 ou 3 dias depois ainda pensava nessa história. Então entrei no site da escritora e enviei um e-mail, provavelmente repleto de erros, mas verdadeiramente comovido. Nele eu me apresentei e disse exatamente tudo o que contei aqui, acrescentando no final:
“…imagino que saber que tocamos o coração de alguém é a melhor recompensa para um escritor. E você tocou o meu, Delia. Preciso agradecê-la por isso e dizer que estarei torcendo por você. E pelo Peter. Tudo de bom para vocês dois.
Love,
Helena “
Recebi uma resposta automática algumas horas depois e pronto, saciei o meu desejo de expressar o quanto aquele texto e aquela história me mobilizaram. No entanto, algumas semanas depois, recebi uma resposta da própria Delia, que me encheu de alegria:
Dear Helena,
Thank you for the lovely, joyful, heartfelt email about my article. I so appreciated it and read it to Peter who sends you thanks and greetings.
It was overwhelming to realize my story had made it to a “sister” writer in Brazil. And so happy to hear that you loved Nora’s book. It is wonderful.
Knowing I touched your heart is truly the greatest gift a writer can have and you touched mine.
Que delícia ser chamada de “sister writer” por uma das irmãs Ephron! Mais importante que isso, que delicadeza a dela em responder, de maneira generosa, a uma manifestação de carinho que só queria ser isso mesmo. Com meu gesto, que foi mais uma necessidade pessoal, sem qualquer cálculo ou expectativa, confirmei que vale a pena dar vazão a esses impulsos, não perder a chance de elogiar ou agradecer, de fazer contato, esticar a mão, traçar umas linhas, estabelecer pontes. E acabei tendo o meu exemplo particular de uma “letter of note“, uma correspondência que merece uma audiência maior. Espero que você concorde.
Helê
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