As Irmãs Ephron e eu

Nora (esq.) e Delia

Já contei aqui que volta e meia sou tomada por um frenesi internético, que é a busca voraz por detalhes a respeito de uma pessoa, lugar ou período depois de alguma experiência marcante, em geral um livro ou filme. Faz parte da minha personalidade curiosa, do meu fascínio pelo acesso à informação e também é uma forma de prolongar o prazer causado pela obra. Esse frenesi sempre se mostra enriquecedor; um desses, por exemplo, me fez trocar e-mails com Delia, irmã da Nora Ephron, roteirista do delicioso “Harry & Sally” (da lista dos nossos filmes favoritos). Uma história breve, mas que La Otra achou que devia virar post. E que demostra, creio eu, que escrever é construir pontes que a gente não sabe onde nos levam, mas que sempre me conduziram a lugares e pessoas extraordinárias.

Falando nelas: tudo começou quando passei uns dias com a Vera, em Brasília, e trouxe comigo uns livros (será que trazer algo emprestado da casa de alguém é uma tentativa de prolongar a visita?). Um deles era “Meu pescoço é um horror!”, da Nora, prosa gostosa, leve sem ser superficial, colorida, bem humoradíssima, como uma conversa com uma amiga divertida que não encontramos sempre, então sempre tem novidades, boas histórias e conselhos úteis. Terminada a leitura, mergulhei internet afora em busca de informações sobre a autora. Certamente eu soube que ela morreu em 2012, mas não registrei a informação e entristeci novamente ao ler sobre. Procurei outros livros, detalhes sobre sua morte e, aba vai, aba vem, guiada pelos ventos da Serendipity, essa divindade digital, esbarrei nesse texto aqui, da Delia Ephron:

After 54 Years, We Fell in Love. After Five Months, I Got Leukemia.

Fui arrebatada pelo título inacreditável, entre o romance e a tragédia, mas que parecia ter terminado bem – talvez a bela ilustração, talvez porque ela, afinal, assinava o artigo. A tradução pode ser algo como “54 anos depois, nós nos apaixonamos. 5 meses depois, tive leucemia”, mas se você tem boas noções de inglês, por favor, leia o original. O resumo que farei não dá conta da qualidade do texto, fluido, agradável e cativante, sem traço de melancolia ou autocomiseração, apesar de carregado de significados e reflexões.

Delia conta que, a partir de uma crônica escrita para o jornal, em que narrava as dificuldade para cancelar a linha telefônica de seu falecido marido, entrou em contato com ela alguém com quem ela havia saído há mais de 50 anos. Resumindo muito uma história que merece ser lida em todos os detalhes, eles se reencontraram e se enamoraram pouco tempo antes de Delia descobrir que estava com a mesma doença que matou sua irmã – mas de um tipo diferente, que a credenciou a participar de um estudo clínico que a fez entrar em remissão, com o apoio constante de Peter, agora seu marido.

Li o texto quase como um romance,  apreensiva com o desfecho dessa história improvável, que não daria um roteiro: já é um pronto. No decorrer da narrativa, Delia fala sobre amar depois de já ter amado, das inseguranças e incertezas e também do pragmatismo que a idade pode conceder; relembra da irmã, responsável por apresentá-la a Peter décadas atrás; reflete sobre a proximidade da morte, a luta pela vida e os infortúnios de uma internação. O texto de uma senhora septuagenária falando de si, cheio de som e fúria.

Ou fui eu que li assim. O fato é que eu não consegui tirar o texto da cabeça. Contei pra minha filha, enviei para amigos, mas 2 ou 3 dias depois ainda pensava nessa história. Então entrei no site da escritora e enviei um e-mail, provavelmente repleto de erros, mas verdadeiramente comovido. Nele eu me apresentei e disse exatamente tudo o que contei aqui, acrescentando no final:

“…imagino que saber que tocamos o coração de alguém é a melhor recompensa para um escritor. E você tocou o meu, Delia. Preciso agradecê-la por isso e dizer que estarei torcendo por você. E pelo Peter. Tudo de bom para vocês dois.

Love,

Helena “

Recebi uma resposta automática algumas horas depois e pronto, saciei o meu desejo de expressar o quanto aquele texto e aquela história me mobilizaram. No entanto, algumas semanas depois, recebi uma resposta da própria Delia, que me encheu de alegria:

Dear Helena,

Thank you for the lovely, joyful, heartfelt email about my article. I so appreciated it and read it to Peter who sends you thanks and greetings.

It was overwhelming to realize my story had made it to a “sister” writer in Brazil. And so happy to hear that you loved Nora’s book. It is wonderful.

Knowing I touched your heart is truly the greatest gift a writer can have and you touched mine.

All the very best wishes for your happiness,
Delia

Que delícia ser chamada de “sister writer” por uma das irmãs Ephron! Mais importante que isso, que delicadeza a dela em responder, de maneira generosa, a uma manifestação de carinho que só queria ser isso mesmo. Com meu gesto, que foi mais uma necessidade pessoal, sem qualquer cálculo ou expectativa, confirmei que vale a pena dar vazão a esses impulsos, não perder a chance de elogiar ou agradecer, de fazer contato, esticar a mão, traçar umas linhas, estabelecer pontes. E acabei tendo o meu exemplo particular de uma “letter of note“, uma correspondência que merece uma audiência maior. Espero que você concorde.

Helê

5 Respostas

  1. Tenho o dela que foi traduzido pela Fal. No momento nao me recordo o nome. O amoer eh fogo, talvez?

    Sim, esse mesmo, Kathia. Eu li esse, se não me engano emprestado pela Monix, e lembro de ter me divertido muito. Mas não causou o mesmo impacto que o “Meu pescoço…”, nem o que acabei de ler agora, “Não me lembro de nada”. E acho que tem a ver com a idade, sabe? Acho que agora pude me identificar mais com ela.
    Beijo grande pra você,
    Helê

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  2. Ai, tocante mesmo! Atrasilda 🙋‍♀️ com leituras, preciso fazer esse Delia furar a fila!
    Gostei do prolongamento da visita!

    Essa ideia me ocorreu ao escrever o post, Vera. Acho que levar algo e também esquecer coisas são truques involuntários para manter a conexão…:-D
    Beijoca,
    H.

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  3. Já amava essa história. Escrita ficou ainda melhor.

    Bom te encontrar aqui .
    Abraço apertado,
    Helê

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  4. Que doçura toda essa história!

    Que bom que você gostou!
    Obrigada e volte sempre.
    Abraço,
    Helê

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  5. Adorei a história. Fiquei triste quando a Nora morreu. Eu adorava seus filmes seus roteiros em fim. Elas fazem a gente pensar que seus personagens pudessem ser um de nós… Espera aí.. Seus personagens são um de nós.

    Sim, ela tem essa habilidade também quando escreve, quase nos convence que somos conhecidas dela.
    Obrigada por comentar!
    Abração,
    Helê

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