Desejos

A gente é antiga e continua blogando, quando na verdade as coisas não acontecem mais nem no Facebook. O WhatsApp é a nova pracinha digital – o que me faz pensar numa analogia com uma praça de verdade, bem movimentada, tipo a Praça Saens Peña, que tem até metrô, muito comércio, malucos de todos os tipos, etc (esse é o Facebook) e uma pracinha do condomínio, fechada por grades e frequentada só por quem conhece algum morador, porém cheia de bullies e gente sem-noção (esse é o WhatsApp). But I digress.

O que eu queria dizer é que nosotras fazemos parte de um grupo muito alto nível no WhatsApp, só com os poucos e bons. Nosso grupo não é uma pracinha de condomínio, mas uma calçada de vila, daquelas em que as vizinhas de longa data comentam sobre as coisas do dia enquanto jogam baldes de água ou esguicham a mangueira e esperam as crianças voltarem da escola.

E foi lá nesse grupo que eu busquei inspiração para lançar um esguicho de desejos de felicidade e coisas boas para mi sócia.

Nosotras

Essa foto está na minha parede (somos do tempo em que se imprimiam fotos…)

Que os 15 meses que faltam para terminar o ano você consiga fazer muita coisa feliz. Inclusive nós! Que abundem sorrisos, gols do Flamengo (esse desejo eu transmito sob protesto), Idris e Haddad. Que haja mais tranquilidade na sua vida. Que a mansão seja sempre habitada (entendedores entenderão). Que nunca falte purpurina nem bom humor, viagens pra descobrir o mundo, as melhores companhias, saúde e grana pra desfrutar tudo isso. Que seu ano seja doce como a festa de Cosme e Damião, que você nunca perca a capacidade de ver as coisas com seu humor peculiar, que você tenha muitos carnavais pela frente e que suas fantasias se realizem.

Que #elenão! Apenas “Heleninha” (entendedores entenderão 2, a missão)…

Em suma, que sua vida seja uma eterna primavera. E que nós, sempre, façamos parte dela.

-Monix-

 

 

 

 

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Recapitulação precoce

Eu não vou reclamar (ainda) desse ano porque não dá sorte; se tem uma coisa que sempre pode é piorar. 2016 parecia o fim do mundo e aconteceu a Chapecoense, então só acaba quando termina e até lá eu só posso dizer que este está sendo um ano longo, muuuito longo. Até aqui…não sei você, mas eu já vivi uns 15 meses em 2018. Essa impressão aumentou bastante depois que comecei a limpar meu celular de imagens e arquivos recebidos. A pessoa objetiva #NOT vai vendo um por um, ao invés de mandar aquele selecionar tudo + delete. Aí já viu, comecei uma retrospectiva antes do tempo, viajando por prints de apps desinstalados, conversas e fotos que eu não reconheço, uma avalanche de memes e piadas. O carnaval sempre me parece mais longe que o desejado, mas eu não lembrava que neste você podia encontrar um “CarnaCrush” via aplicativo.  A Copa do Mundo da Rússia, gente, a Praça Vermelha/Fiocruz, lembra? Parece que terminou há pelo menos seis meses! Chegamos a rir do cabelo do Neymar antes dele nos matar de vergonha, veja você. A greve dos caminhoneiros, meu pai! Achei fotos de tanques na reserva, e depois de pratos ostentação, repletos de verdura, além de foto-fetiche de dúzias de ovos! Não parece que isso aconteceu há pelo menos uns dois anos? E o Lulapaloosa na porta do Sindicato dos Metalúrgicos, que pareceu ter durado uma semana e terminou com Luiz Inácio Khalesi, o primeiro do seu nome, carregado nos braços do povo na foto tão icônica que já nasceu pintura? Já nem sei se foi antes ou depois do casamento real com direito a coral afro preto e pastor idem. E nem vou citar as tragédias cariocas/nacionais porque falei disso ainda pouco – há dias ou semanas? Até a Ursal, recém-fundada, já parece coisa do passado. Tudo tanto, tão intenso – e as eleições nem terminaram ainda! – que acho que essa retrospectiva fora de hora se justifica – sabe-se lá quantos meses mais teremos até dezembro?!

Exemplos de imagens aleatórias encontradas no meu celular sobre as quais não sei a procedência nem tenho nada a delcarar.

Helê

#ElzaSim! #EleNão

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A quantidade absurda de talento musical reunido num palco como eu só vi numa igreja no Harlem. O orgulho e acolhimento que o filme “Pantera Negra” me proporcionou, amplificados. A esperança que me embalou após o espetáculo “Primavera das Mulheres”, em 2016.

Algumas comparações para dar a dimensão do que me causou “Elza”, que assisti na última quinta-feira e do qual ainda não me recuperei – que bom. Catártico, estonteante, poderoso e potente. E lindo. Para uma libriana praticante feito eu, nada arrebata mais que a beleza.

Ah, o insondável tempo das coisas: tive a oportunidade de ver na pré-estreia, perdi. Ia com as amigas, também não aconteceu. Mas Monix escreveu um post ensolarado aqui depois de ver a peça, com uma empolgação que não lhe é comum, e a Dedeia reforçou que ir era mandatório. Então fui com minha filha e tive a certeza rara na vida que estava exatamente onde, quando e com quem deveria estar.

Fora as correlações pessoais, “Elza” narra uma trajetória ao mesmo tempo incomum e próxima da mulher que vai da pobreza ao estrelato sem atalhos e com desvios, e de lá passa ao quase ostracismo, e cai e levanta incontáveis vezes, metafórica e literalmente. Sem nunca ter pertencido a um grupo ou movimento musical, Elza Soares tem uma carreira de décadas que surpreendentemente se torna cada vez mais relevante. De idade desconhecida (e desimportante), ela se mantém conectada com o presente com lucidez e acuidade escassas em muitos artistas mais jovens que ela. Essa cantora que começou no rádio com Ary Barroso (!) (google, milenials, para rádio e Ary) e acaba de lançar seu novo álbum pelos serviços de streaming é um vitorioso case de envelhecimento bem-sucedido. Experimente ouvi-la cantando “Dindi e “Exu nas escolas” e perceba: não é que ela tenha melhorado: ela já era formidável e conseguiu continuar sendo. Ou ser novamente, de outra maneira, mas ainda a seu modo.

Elza se recria tantas vezes, no palco e na vida, que a gente sai do espetáculo renascida também, de certa forma. Ou, pelo menos, com aval e apoio para fazê-lo sempre que for preciso.

A peça consegue ser fiel à contemporaneidade de Elza de um modo inteligente, sagaz e verdadeiro como ela. Apresenta soluções cênicas criativas, um conjunto musical (só de mulheres) impecável, um texto versátil e bem elaborado e a notável direção musical do Pedro Luís, Larissa Luz e Antônia Adnet. E o elenco…ah, o elenco! Não há uma protagonista inesquecível ou coadjuvante que roube a cena: são sete atrizes e cantoras estonteantes, incandescentes, inacreditavelmente talentosas. Sete mulheres negras com um brilho tão intenso que quase cega. Talvez por isso elas apareçam aos poucos, para que a gente vá se acostumando com tanto, mas ainda assim o impacto da presença delas deixa a todos meio sem fôlego no início. Elza multiplicada por sete não é pra qualquer um.

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E aqui chegamos em outro valor agregado (não acredito que usei essa expressão, mas cabe, vai) da peça, que é a plateia. Uma audiência muito mais negra do que em geral eu encontro em peças ou musicais (como o público que encontrei na excelente exposição sobre o samba, no MAR). No mínimo, racialmente mais diversa. Para mim, um conforto e alegria adicionais me ver entre os meus. Parecia que eu estava em Madureira comprando cabelo mas não, eu estava no teatro. E se representatividade importa, nêgo, imagina coletividade. Olhar em volta e não ser minoria. Não tem preço.

Caetano Veloso, que também fez um post entusiasmado sobre a peça disse, bela e precisamente: “A mulher brasileira, o povo negro brasileiro, o músico brasileiro estão vingados. Pode-se até crer em bom futuro”. É com essa disposição que você sai do teatro – convenhamos, nada desprezível nos dias que correm. Ampliei minha plataforma de campanha para “EleNão, ElzaSim!”, querendo que todos os meus amigos que estão no Rio de Janeiro ou que estarão aqui até o dia 30 de setembro vejam “Elza”. Veja, por favor. Acredite: é para o seu bem.

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Helê

Com um beijo para Leila Moreno, coordenadora de produção, pelo presente de aniversário antecipado e maravilhoso.

Pegadas digitais

Vocês me dão licença para um breve jabá?

Estou muito feliz e muito orgulhosa com um projeto novo de trabalho, que estou lançando (e ainda esperando render os primeiros frutos) junto com duas amigas, também jornalistas, uma delas também psicopedagoga. É um projeto que tem um nome sonoro: Ecoar Educação para Mídias. E esse nome tem um significado sonoro também, porque o que queremos é ressoar a informação de qualidade, nesse mundão da desinformação em que hoje precisamos aprender a navegar.

Convido vocês a seguirem nossa página no Medium; é lá que vamos postar nossas percepções sobre o que compõe esse chamado “ecossistema da desinformação”, e nossas ideias sobre o que cada um de nós pode fazer para, se não pudermos ajudar, pelo menos não atrapalhar.

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Tudo o que fazemos na internet deixa rastros…

Hoje postei um texto sobre uma palestra que assisti na PUC aqui do Rio sobre como as nossas pegadas digitais – e o uso que é feito delas – podem estar modificando a forma como entendemos a democracia. Dá uma olhada. Posso dizer sem medo da imodéstia que está valendo a pena, porque, afinal, quem disse essas coisas sabidas não fui eu – foi a professora Caitlin Mulholland, do Departamento de Direito, que deu a palestra.

Confere lá que tá bacana.

-Monix-

Ideias e argumentos

Há uns dois anos atrás, tive alguns (poucos) alunos particulares de Redação, que estavam se preparando para o Enem. Foi então que eu aprendi (e passei a ensinar) que hoje em dia todos os alunos do Ensino Médio precisam fazer redações segundo um modelo chamado “dissertativo-argumentativo”. A redação no Enem é eliminatória, ou seja, quem tirar zero nesta prova pode saber todas as Físicas e Matemáticas do mundo, mas não poderá cursar a faculdade de Engenharia (pelo menos não com a nota do Enem).

As bancas avaliam, nos textos, cinco competências, sendo que duas delas são: a) selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista; e b) elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

Fico pensando que, uau, será mesmo que teremos uma geração de pessoas capazes de sustentar um ponto de vista através de argumentos? (Infelizmente minha experiência direta com jovens não necessariamente confirma essa hipótese, mas estatisticamente as nossas experiências diretas todas, somadas, não significam nada.)

Enfim. Não seria lindo? Que as escolas conseguissem ensinar as novas gerações a, em primeiro lugar, saber qual é seu ponto de vista sobre os temas do mundo real, a ter opiniões sobre a vida, o universo e tudo mais; e, em segundo lugar, a sustentar esse ponto de vista por meio de argumentos? (Sendo que esses argumentos não podem ferir os direitos humanos!)

Foto: Pixabay

Escola é escola em qualquer canto…

Discutir ideias por meio de argumentos pode parecer que é o óbvio, mas vamos lá… quantas situações vocês são capazes de lembrar em que as pessoas confundiram argumentos com sarcasmo; argumentos com ataques ad hominem; argumentos com uma negação do fato, sem apresentação de evidências (não é porque não é). Ou, ainda, que confundiram informação com opinião.

Na minha geração (e nas mais velhas), conheço inúmeras pessoas que, de modo geral, estudaram nas melhores escolas do Brasil, e são incapazes de construir uma discussão a partir de argumentos. É uma competência perdida para muitos de nós. O mundo digital certamente não contribui para melhorar isso, mas, sei lá. Vai que as escolas – aquelas instituições que se mantiveram praticamente iguais nos últimos 200 anos – é que trarão uma parte da solução? Vai que, no fim das contas, o século XIX é que vai nos salvar?

-Monix-

Deus é Mulher

Na segunda-feira de manhã recebi no Facebook um convite para um grupo chamado “Mulheres Unidas contra o Bolsonaro“. Fui dar uma olhada, por curiosidade, e vi que já havia 150.000 membr(a)s. Fiquei impressionada com o número (mal sabia eu) e acabei ficando. Em 24 horas acho que o número já tinha quadruplicado, sei lá. Só sei que hoje éramos mais de 2 milhões de mulheres nesse grupo – surpreendentemente, apesar de obviamente a dinâmica da interação ser caótica, a convivência é até bem pacífica e civilizada. Há mulheres de todos os espectros políticos, cis e trans, e alguns eventos já estão sendo articulados.*

Só que o crescimento exponencial do grupo virou notícia, chamou a atenção, e o grupo está sob ataque de hackers desde quinta-feira. Mudaram o nome, invadiram os perfis das administradoras, mandaram ameaças. Uma amostra grátis do que nos espera logo ali na curva da frente. :(

Tudo isso é muito triste e, principalmente, preocupante. Ainda faltam 20 dias para o primeiro turno das eleições, e depois teremos toda a campanha do segundo turno pela frente, e a cada dia parece que o fundo do poço é um novo alçapão.

Mas. Sempre tem um mas. E eu sou aquela pessoa do copo meio cheio. Estou aqui para manter elevado o moral das tropas. De nada.

Então queria dizer a vocês que isso aí que está acontecendo não é ação, é reação.

Porque eu acabei de chegar do teatro, e eu vi Elza, e a Elza de verdade é incrível, mas o elenco é quase tão incrível quanto, e a plateia é mais incrível ainda. A plateia é uma celebração da diversidade, no sentido mais bonito que essa palavra possa ter. A plateia é pura potência.

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Corre que ainda dá tempo!

Aí a gente sai do teatro acreditando de novo que há uma mudança importante em curso, e que, não custa repetir, a gente é ação, eles são reação. Ou, como disse a Mary, eles perderam. Vamos vencer com classe.

A arte é a nossa salvação. Vamos fruir a arte, vamos prestigiar a arte, vamos ensinar nossos filhos a ver arte e, principalmente, a viver de uma forma artística. Não precisa ser artista para fazer isso. Basta aprender a lição de Oscar Wilde e saber que a vida imita a arte (e não o contrário).

 

 

Sejamos ação. Sigamos com a nossa turma, que essa é, e sempre será, a melhor turma.

-Monix-

* Enquanto eu escrevia este post, o grupo foi apagado. Há várias informações chegando ao mesmo tempo, parece que as administradoras estão prestando queixa na delegacia de crimes digitais. Vamos acompanhando.

#EleNão

“Não dá para conversar com extremistas de nenhum dos lados”, me disse a Sócia. O trabalho é com indecisos. E com os nulos e brancos, eu acrescento. Há, entre eles, os que defendem seu não-voto como forma de protesto ou coisa que o valha.

E é.

A pergunta é:  importa mais protestar ou defender a democracia? Porque é isso que está em jogo com a candidatura militar em primeiro lugar nas intenções de voto. (Que bizarra essa frase!)

Se havia alguma dúvida sobre isso, terminou ontem, com a declaração do candidato a vice na chapa de milicos, que após defender mudanças na Constituição, afirmou que a carta magna do país “não precisa ser feita por eleitos pelo povo.”

(Na minha cabeça o Ulisses Guimarães fica repetindo “Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo!” em looping, como uma mixagem hip-hop ou um disco arranhado).

Entre extremistas, deboístas, isentões, direitopatas e as demais nuances que se quiser nomear, precisamos preservar o que nos permite divergir e coexistir, e é democracia que chama. E quando alguém sugere que o conjunto de leis que regulamenta a vida dos cidadãos não precisa ser feita por seus representantes, é a democracia que está sofrendo um atentado, e gravíssimo.

Acontece que esse conceito que a nos parece tão básico e óbvio, nem sempre o é para quem já nasceu tendo assegurado o direito de votar (e de outras coisas mais que a democracia, imperfeita mais necessária, possibilita).

Então hoje, quando mostrei pra moça, matematicamente, que se ela votasse nulo estaria ajudando o candidato que lidera as pesquisas, ela ficou balançada.

Mas quando eu disse que esse pode ser o último voto dela, ela ficou realmente assustada.

É preciso estar atento e forte. De novo e sempre.

 

Helê

Mariana, Marielle, Museu Nacional

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Eu não queria escrever sobre a destruição do Museu Nacional porque acho, sinceramente, que não tenho nada a acrescentar às dezenas de textos já produzidos de domingo até aqui sobre o assunto. Não creio que possa oferecer a quem me lê agora algo original, elucidativo, consolador — útil, em resumo. Desista de ler enquanto pode, porque vou escrever mesmo assim. A gente escreve por vários motivos, entre eles, porque precisa. Eu preciso escrever para acomodar meus sentimentos, lustrar lembranças, arrumar ideias, reunir afetos, atrair carinho, prantear um museu e lamentar um país — chorar por escrito, em resumo.

Soube do incêndio de modo semelhante a como soube da execução da Marielle Franco: naquela ocasião estava relaxada no sofá de casa vendo um jogo do Flamengo quando peguei o celular por acaso e vi a mensagem de uma amiga. No domingo, também relaxada após um dia de praia, vendo TV sem assistir, peguei o celular e no Facebook vi o post da Karina Kuschnir. Nos dois momentos, a mesma surpresa e incredulidade, a dor e o choro imediatos, a tentativa de explicar o inexplicável para minha filha, a busca por informações, o peso da gravidade do acontecimento e novamente a sensação de que algo foi rompido: ultrapassamos um limite, transbordamos uma medida.

Agora parece que descemos mais fundo, fomos mais longe, atingindo um ponto sem retorno. E já não consigo acreditar que a magnitude do fato vai, por si só, provocar uma mudança. Estamos todos mais cansados, envergonhados, desesperançados. Em menos de seis meses a cidade sob intervenção militar viveu o assassinato de uma vereadora e o incêndio fatal do museu que era nacional e carioca, o museu da Quinta, nosso quintal. Por onde caminhei na semana passada, pelo qual nunca passei sem lamentar a decadência e sorrir com ternura, como fazemos com antigos vizinhos.

Não quero vencer nenhum campeonato de sofrimento (neles meu objetivo é ser desclassificada). Mas devo dizer que essas duas mortes acontecerem próximos demais a mim, real e simbolicamente. Moro a pouco mais de um quilômetro tanto da Quinta quanto do Estácio. Mariele foi eleita com meu voto; o Museu Nacional foi o primeiro que conheci, menina do subúrbio que fui (e sou). Não é pessoal, mas dói como se fosse.

Nublaram as fronteiras entre o literal e o metafórico. Nossos piores pesadelos estão se materializando, desde o mar de lama de Mariana; no episódio do incêndio, ainda acompanhamos com transmissão ao vivo. Na esteira das perdas seguem partes enormes do nosso acervo afetivo e moral. Meu amigo português me escreveu estarrecido e solidário e, sem buscar poesia mas sim precisão, disse a ele que sinto uma tristeza oceânica (único parâmetro que me pareceu adequado). E  não percebo terra à vista.

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Helê

Sem palavras, sem ação

O que dizer diante do fogo que destrói a memória de um país?

Nada. E tudo. Mas, ao fim e ao cabo, nada mesmo.

***

Desde domingo tenho pensado muito na Biblioteca Nacional. Enquanto muitas das minhas amigas compartilham memórias afetivas inesquecíveis do Museu Nacional, eu confesso que tenho uma relação menos emocional e mais intelectual com ele. Quando criança, não era a Quinta da Boa Vista meu programa de domingo – minhas brincadeiras eram no Parque da Cidade, no Parque Lage, no Jardim Botânico. Coisas de menina-zona-sul que fui (e sou). No entanto, depois de adulta, e principalmente depois de me (re)aproximar da vida acadêmica, só aumentou meu respeito pela instituição – muito mais que um museu, trata-se de um centro de produção de conhecimento de altíssimo gabarito. Sua importância vai muito, muito além das peças exibidas para os visitantes que por lá passavam.

Mas, enfim, o que a Biblioteca Nacional tem a ver com isso?

É que do mesmo jeito que minhas amigas têm essa relação afetiva com o Museu Nacional, eu me sinto ligada (de um jeito meio platônico, diga-se de passagem) à Biblioteca.

No início dos anos 1990, na esteira da extinção de várias empresas estatais durante o governo Collor, meu pai, que tinha sido funcionário público quase toda a sua vida profissional, se viu sem emprego. Mas, graças às voltas que o mundo dá, foi convidado a ser diretor administrativo-financeiro da BN. Já naquela época, falava-se em um projeto que tiraria o acervo de obras gerais da situação de armazenamento inadequada em que se encontrava (e ainda se encontra), concentrando a coleção em um equipamento mais moderno, maior, mais funcional, na zona portuária.

Na época, a região do Porto do Rio estava completamente decadente. Hoje, por conta do tal legado olímpico, bem ou mal a cidade ganhou uma área totalmente revitalizada. O projeto do edifício anexo (que inclusive já foi selecionado em concurso e tudo) ficaria incrível, se fosse executado. E resolveria de forma mais permanente a preocupação que todos temos com as condições de preservação de – simplesmente – tudo o que foi publicado no Brasil desde que o país existe até hoje – e além.

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Projeto de Vigliecca & Associados para o Edifício Anexo da Biblioteca Nacional.
Fonte da imagem: ArchDaily

Depois que papai saiu da BN, tive contato com algumas amigas e amigos que trabalham ou trabalharam lá. Eu mesma cheguei a cobrir alguns eventos, profissionalmente. Minha torcida pela Biblioteca só aumenta. Minha admiração pelas pessoas que lá trabalham, e que a ela dedicam sua vida, é imensa.

Estou pensando no que posso fazer para ajudar mais concretamente, em vez de ficar só resmungando nas mídias sociais. Se você acha que outros equipamentos culturais também merecem mobilização, faça o mesmo. Não tenho esperanças vãs – sei que em época de crise, a primeira coisa que dança são os orçamentos de educação, cultura, ciência e tecnologia. Mas não posso ficar quieta, vendo tudo em que mais acredito e tudo o que mais amo virar cinzas – em alguns casos, literalmente – sem fazer nada.

-Monix-

 

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