Outro dia nosotras nos encontramos, com um petit comité de amigos/as-leitores/as na casa da Monix sob o pretexto de (não) assistir um filme enquanto bebíamos e conversávamos sobre outras coisas. Como o objetivo de beber e conversar era mais premente que o de assistir um filme, escolhemos um que já praticamente sabemos de cor: Harry e Sally – Feitos um para o Outro (que inclusive já assistimos juntas). Para brindar o primeiro encontro do ano, nada como um bom confort movie.
Mas você já sabe que quando as Fridas se encontram nada nunca é só o que era pra ser. A gente adora complicar e botar caraminholas nas nossas próprias cabeças. Então, uns dias depois, tivemos mais ou menos a conversa abaixo por WhatsApp (que aqui segue editada e ampliada, que nós somos dessas). Foi, em suma, um papo sem compromisso, bem pingue-pongue mesmo, mas que rendeu um bom fio de pensamento e que quisemos dividir com vocês.
Helê: Fiquei pensando depois que não tem um casal negro naquelas entrevistas de Harry e Sally.
Monix: Verdade. Outro dia eu Estava revendo Friends e pensei a mesma coisa, não tem personagens negros na série inteira.
Helê: Pensando bem, preto, no filme (Harry e Sally), só garçom, staff em geral. E aí eu fiquei pensando que ficou tão ok falar mal do politicamente correto, mas isso hoje não aconteceria.
Monix: Sem dúvida
Helê: [A maior presença de negros nos elencos] tem a ver com um ativismo maior? Sim. Mas com o politicamente correto também. E o que veio primeiro, quem puxou quem?
Monix: Acho inclusive que tem algum tipo de regulação nos EUA (não sei se governo ou autorregulação) que exige diversidade nos elencos. #pesquisar [A pesquisa não nos trouxe conclusões definitivas, mas este artigo leva a crer que não há regras nesse sentido, apenas uma discussão bastante rica e ainda em curso sobre a passagem do colorblind para o color-conscious.]
Monix: Representation matters !
Helê: Sim. Dá uma tristezinha admitir isso porque a gente ama o filme, né?
Monix: Mas não acho que isso diminua o valor do filme. Era o contexto da época.
Helê: Não, mas é como admitir defeito em amigo
Monix: Não dá pra julgar uma obra de 30 (?!) anos atrás com o raciocínio de hoje. A não ser coisas escandalosas, tipo o filme do Griffith que defendia a Ku Klux Klan. [O filme é O Nascimento de uma Nação.]
Helê: Entendo. Claro que eu não posso cobrar feminismo do Mario Lago e a sua Amélia. Mas como a gente gosta muito, preferia não tivesse esse defeito de cor, hahaha!
Monix: Hahahah verdade. Aliás, ótimo exemplo esse da Amélia.
Monix: Nem contei do problema que foi assistir 7 Noivas para 7 Irmãos no telão com o Fridinho. Ele ficou incomodadíssimo com o rapto.
Helê: Caramba! Nunca tínhamos visto desse jeito! Cárcere privado.
Monix: Lá pelas tantas ele disse que se no final as moças casassem com os sequestradores, ia ficar muito p*to. Quase mandei ele dormir 😬
E vocês, o que acham? Como assistir obras de arte criadas em outros contextos, com tudo o que sabemos hoje? Dá pra gostar, levar em consideração o contexto, ou fica difícil? Dividam seus pensamentos com a gente. A discussão é boa.
Las Dos Fridas
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Eu acho que dá para gostar sim, sempre pensando no contexto, claro. Bem, com Friends eu tenho uma cisma, afinal são todos lindos, magros, caucasianos etc. e a gorda que existe no passado é a lembrança de um fracasso superado. Já Seinfeld, mais antiga ainda, porém ainda tão presente pra mim, pelo menos tem protagonistas feios ahahah porém homens – fuén. Já Elaine é a personagem feminina mais transona da história das séries, dizem. Gilmore Girls tem apenas uma oriental e uma mulher fora do padrão – gorda. Meio que parece cota. Enfim, dá pra gente se divertir sim, tendo essa leitura crítica. Com filmes o buraco é mais embaixo e quanto mais antigos, mais complicado, apesar de que há muita obra transgressora nas entrelinhas – e aí já estou partindo pra discriminação de orientação sexual, misturando tudo. O que não dá é pra jogar tudo no lixo de um passado que ainda tinha tanto a evoluir – e quem sabe o quanto estaremos erradas ou somos ignorantes em tantos outros aspectos daqui a um tempo? Ou já estamos?
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Acho que dá (ou eu gosto da ideia de que dê pra gostar). Mas é mais fácil quando a gente aprendeu a gostar antes de se dar conta dos problemas. Pra apresentar pra quem ainda não conhece, principalmente as gerações mais novas, precisa de um trabalho de contextualização grande.
Acho que a própria fruição da arte e dos artistas ficou mais complexa, mais cheia de camadas, mas sou contra jogar no fogo e acabou. Acho importante nem que seja como história de um modo de pensar, de viver e de representar.
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Gurias, ótimas observações! Como eu sou “estilo Pollyana” (sempre vejo o lado bom das coisas) eu acho muito bom que tenhamos mudado tanto em 30 anos (o senso crítico).
Nos últimos meses li “Americanah” e a biografia da Michele Obama e aprendi muito. O próprio sucesso editorial desses livros me leva a crer que cada um que lê é uma sementinha plantada contra o racismo, especialmente aquele “velado” ou que as pessoas “não se dão conta”.
Os seriados progrediram. Os filmes também.
Enfim, que os nossos filhos sejam melhores que nós!
Beijos prá vcs!
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