Coisa mais negra

Eu reconheço a importância do audiovisual para a sociedade, tanto do ponto de vista cultural, simbólico, quanto econômico. Sei também que outros já sacaram isso muito antes de nós e trataram de dominar o mercado e sufocar indústrias que pudessem remotamente ameaçar seu poderio (malditos ianques). Com isso em mente, segue aqui uma crítica e uma sugestão:

  • Não dá, em 2019, pra escolher um elenco em que predomina gente bonita, pessoal. Isso simplesmente non ecziste, é irreal , a vida não é assim nem em Ipanema. Eu sei, já fui lá. Tem gente feia até em Paris, a cidade mais linda do mundo. Quando eu começo a ver filme, série, novela e começa a aparecer esse monte de rostinho global já vai me dando um desinteresse …no mínimo, perde a credibilidade, porque, como já disse, não encontra amparo na realidade.
  • Aproveitando a popularização das discussões sobre descolonização do pensamento e afins: quem é que vai contar a história da música brasileira tendo o samba como protagonista e não como um coadjuvante que dá “molho”, “ritmo”, “gingado” à MPB? No conto das três raças da música — que no caso só tem duas — tem uma MPB feita em algum lugar, oficial, cheirosa, penteada, bem-vestida, branca mas meio insossa, que encontra com o samba, suado, mal-vestido, alegre, envolvente e preto, e volta mais interessante. Mas ele, o samba, fica lá, e a dona MPB volta melhorada. Sério, gente, em 2019?! Depois do desfile da Mangueira desse ano alguém ainda tem coragem de contar essa história? Bem, eu não tenho interesse em ouvir, eu quero saber quem vai contar, de preferência na tela, a história da música brasileira contada pela perspectiva do seu protagonista desde sempre, o povo negro, a Música Preta Brasileira, como chama Sandra de Sá, uma de suas rainhas. Certamente que será uma história riquíssima e abrangente, na qual não serão omitidas participações especiais de brancos incríveis como Noel Rosa, Tom Jobim, Chico Buarque e suas enormes contribuições.

Ilustração de Marcos Arthur 

Helê

 

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Salve Nego Ney

Arthur Luis, um menino de sete anos, morador de Magalhães Bastos, aparece de cueca dançando em um vídeo gravado no celular. Viralizou como Nego Ney, a versão infanto-juvenil da malandragem carioca — aquela que brinca de ser o que não é; nesse caso, um adulto sedutor, bem cuidado e disponível (“tô solteiro!”).

O vídeo é curto, simples e hilário; a internet fez dele uma celebridade instantânea, e ele realizou o sonho de toda criança flamenguista: entrou em campo com o time, foi homenageado nos dois gols e ainda ganhou a camisa do artilheiro do jogo – com a qual dormiu, aliás.

Uma mistura de Exu com Erê, Nego Ney é a cara da torcida da Flamengo, a cara do Rio de Janeiro, e é, acima de tudo, uma criança de sete anos, inocente, esperta e alegre, como deveriam ser e estar todas as crianças da periferia dessa cidade, deste país.

Na mesma timeline em que li sobre as conquistas de Nego Ney fui informada sobre detalhes da morte de Kauan, 12 anos. Na sua inocência infantil, embora alertado não correu quando se deparou com policiais porque “não fez nada”. Foi abatido com três tiros pela PM na Chatuba – balas que não fora perdidas mas cuidosamente recolhidas pelo policiais.

Como de costume nesse purgatório da beleza e do caos, a gente oscila do riso ao choro com frequência absurda e rapidez desaconselhável.

Por mais histórias como a de Arthur, por justiça para Kauan.

Helê

 

8 de março

Helê

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