PAREM DE MATAR OS PRETOS!

O Estado não tem passe livre para matar nenhuma pessoa (ainda que suspeita de cometer um ato ilícito). Portanto, La Otra tem toda a razão e o direito de também exigir não tornar uma vítima da violência policial-militar.

Eu, quando digo parem de nos matar, evidentemente estou falando como uma mulher negra de origem classe média baixa, alguém mais suscetível à violência institucional e mais imune às raras políticas compensatórias estatais. 

Olhem para Evaldo dos Santos Rosa, fuzilado pelo exército, numa rua de Guadalupe. Olhe para rua e os que fazem parte da cena, entre familiares, passantes e curiosos. Você imagina a vítima com um sobrenome Werner, de pele clara e cabeleira loura, e o trânsito interrompido numa esquina do Leblon? E não uma, mas OITENTA balas perdidas?

Ou a gente discute racismo ou ele matará todos nós, de um jeito ou de outro.

Helê

 

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Oitenta

No momento em que escrevo este post, a hashtag OITENTA TIROS está no topo dos assuntos mais comentados do Brasil no Twitter.

Essa é a história mais trágica de um período em que a tragédia virou cotidiana para nós brasileiros. Uma família estava indo para um chá de bebê quando, segundo contam todas as testemunhas – e como mostram algum vídeos -, o carro branco em que estavam foi fuzilado, sem motivo aparente, por militares. Nos vídeos, aparecem um tanque camuflado e um jipe do Exército. Não consegui entender de qual dos veículos partiram os tiros, ou se dos dois. Mas foram oitenta. OITENTA.

A Helê disse, em outro lugar: parem de nos matar. Essa é a primeira coisa, de fato, que deve ser dita.

Parem. De. Nos. Matar.

Eu tenho outras coisas para dizer. Basicamente perguntas, que não sei se serão respondidas.

A primeira coisa que eu gostaria de entender é o seguinte: a intervenção militar no estado do Rio não tinha terminado no fim do ano passado? Por quê, então, militares do Exército estavam “patrulhando” Guadalupe, bairro próximo à Vila Militar? A primeira informação divulgada foi de que os militares teriam disparado os tiros após serem alvejados por um carro conduzido por “bandidos” (assaltantes? traficantes? não sabemos). Então, antes de mais nada, eu gostaria de saber com que atribuição os militares do Exército estavam atirando, seja lá em quem for. (O mais triste é escrever isso e temer ser acusada de estar defendendo bandido, como já fizeram com o jornalista Carlos de Lannoy. Conto com a insignificância da nossa audiência para – ainda – poder afirmar essas coisas sem o risco de entrar no turbilhão de misunderstandings que se chama internet.)

A segunda coisa que me deixou confusa – e, vejam, além de não estar “defendendo bandido”, muito menos estou advogando a eficiência das forças de segurança na eliminação de pessoas, quem quer que sejam – foi o baixo índice de acertos. Assim, não é que eu quisesse que cinco pessoas tivessem morrido, nem mesmo se fossem os tais bandidos que não sabemos quem são nem de onde vinham nem para onde foram. Mas, só para tentar entender a lógica por trás do que se queria que tivesse acontecido, vamos supor que o carro branco tivesse cinco perigosos traficantes, e não uma família indo para um chá de bebê. Os militares dispararam OITENTA TIROS e acertaram três no motorista, que morreu, e um número desconhecido (eu não vi) no sogro, que está ferido, e em um homem que passava na rua e tentou ajudar. A mulher do motorista, o filho e uma outra passageira do carro simplesmente abriram a porta e saíram correndo. Então me expliquem, se puderem: que raio de execução é essa? Nem para exterminar os bandidos os nossos homens da lei servem? Na melhor/pior das hipóteses, dos OITENTA TIROS disparados, dez acertaram os alvos? A ideia é o quê? Atirar a esmo e torcer para alguma bala encontrar algum alvo? Eu pensei que o plano (péssimo, mas enfim, um plano) era botar snipers, atiradores de elite, para eliminar cirurgicamente os malfeitores. Isso que aconteceu em Guadalupe é o exato oposto do que as autoridades andaram dizendo que iam fazer (e que, de novo, mesmo se desse certo já seria uma péssima ideia).

Por fim, uma questão que é quase existencial. Imaginem se o motorista do carro branco tivesse uma arma. Ele era um cidadão de bem. Na circunstância de ser atacado como foi, se houvesse tempo e oportunidade, e ele reagisse atirando… isso poderia, Arnaldo? O cidadão de bem que é atacado por outros cidadãos de bem, assim, “por engano”, faz o quê? Atira de volta e aumenta a carnificina?

É bem provável que ninguém responda a nenhuma das minhas perguntas, mas eu precisava compartilhá-las com vocês.

Ah, e last, but not least: Parem. De. Nos. Matar.

-Monix-

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