Era pra ser apenas mais uma mensagem num grupo de oportunidades de trabalho para jornalistas. Enviaram o anúncio de uma vaga que pedia candidatos negros ou negras. Pouco tempo depois, alguém enviou a seguinte mensagem: “Estou indignada. Se a pessoa não for negra não é qualificada? Não conhece de cultura negra? AFF!” Logo depois precisei desabilitar as notificações do grupo, as mensagens não paravam, num fluxo constante e implacável: a Indignada foi contestada, com maior ou menor delicadeza e paciência, por todos os que se manifestaram. Se alguém concordou com ela, calou. Eu fiquei acompanhando: em tempos de quarentena toda treta é distração. Sem me pronunciar, porque tenho preguiça de educar branco – eles que lutem.
A Indignada tentou responder. A certa altura disse, entre outras coisas, “trabalho e já trabalhei com vários negros, extremamente competentes” (aos berros, utilizando maiúsculas) . Que é outra maneira de dizer “nada contra, tenho até amigos que são”. Apanhou mais que Judas no sábado de Aleluia (essa é velha, hein? Eu também.). Mas “apanhou” sem baixaria, sendo contestada com vários níveis de argumentação. Algumas até bem elaboradas, como a que falava sobre o “pacto narcísico da branquitude”. Não houve xingamento, ela foi chamada apenas e tão somente de racista – errado não tá. Duas pessoas sugeriram que a Indignada deixasse o grupo – o que ela acabou fazendo, menos de uma hora depois da mensagem original, sem dizer adeus. A esmagadora maioria (incluído o moderador do grupo) apoiou os requisitos da vaga e condenou a postura da Indignada.
Eu fiquei surpresa com a força e a unanimidade com que ela foi rechaçada. Fosse uns anos atrás (não muitos), teria acontecido o oposto: o anúncio, se houvesse, seria mais contestado que defendido. E a composição do grupo não justifica essa reação; jornalista não é mais conscientizado que, sei lá, um engenheiro civil formado (ironia intended). O episódio me parece um sinal de que houve alteração nas relações raciais no Brasil e na compreensão de suas nuances, impasses, forças. Tenho a impressão de que certo discurso, antes restrito ao movimento negro e à academia, transbordou para outros espaços. Estamos inegavelmente mais conscientes e vocais. Aturamos menos e falamos mais, muito mais – e melhor. E enquanto adquirimos novos instrumentos e lapidamos a retórica, os brancos ainda recorrem ao pueril e rudimentar “tenho até amigos que são”. Sofistiquem-se: deixem de ser racistas.

Helê
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Digo nada, só aprendo e aplaudo, torcendo pra não tropeçar na branquitude de cada dia ..
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