Li ainda a pouco sobre a assinatura ontem, em Copenhagen, da Declaração de Netuno — e apenas isso foi suficiente para ejetar a minha mente para devaneios e poesias que não sou capaz de escrever mas sei que estão em algum lugar esperando vir à luz. Talvez o diagnóstico seja déficit de atenção, ou só uma mente sugestionável e sensível a nomes como Copenhagen e Netuno…
Na verdade, a frase parece mais o trecho de um livro de História do futuro, no capítulo sobre os incontáveis efeitos colaterais da pandemia (haverá livros de História no futuro?). Porque trata-se de um documento assinado por empresas e entidades defensoras de direitos humanos para encontrar soluções para marinheiros, categoria particularmente afetada pela crise sanitária global.
“Centenas de milhares de marinheiros de todo o mundo foram deixados presos trabalhando a bordo de navios além do vencimento de seus contratos iniciais e não podem ser liberados desde o surto da pandemia do coronavírus. A fadiga após longos períodos no mar causa consequências significativas sobre o bem-estar físico e mental dos marinheiros. Também aumenta o risco de incidentes marítimos e desastres ambientais, e representa uma ameaça à integridade das cadeias de suprimentos marítimas, que respondem por 90% do comércio global. (A Tarde, 25/01/2021)
Eis a justificativa para a incomum aliança entre capital e direitos humanos — em geral só dão as mãos quando os interesses do primeiro estão em risco, como neste caso. As empresas falam em crise humanitária no mar entre aqueles que “mantiveram o mundo abastecido com alimentos, energia e outros bens vitais, sem nenhuma perspectiva de quando voltariam para as suas famílias”.
A pandemia, quando não me intimida, amedronta e exaure, aciona uma característica que prezo muito em mim: a curiosidade. A partir desse terrível denominador comum eu me pego olhando para países, atividades, categorias de trabalhadores que em geral estão fora da minha área de cobertura. E esse é um dos raros aspectos positivos de tudo isso: olhar pro mundo com curiosidade e alguma excitação por descobrir e aprender novas realidades. Quem poderia pensar que as cadeias de suprimentos marítimas eram assim tão significativas? 90% das transações comerciais no mundo?! Não fazia ideia! Também fiquei imaginando os marinheiros longe de casa há meses, isolados no mar, a salvo do vírus mas aprisionados no oceano. Um enorme contingente de pessoas indefinidamente em trânsito, em lugar nenhum.
Ou talvez minha mente viajante tenha acessado meu DNA de neta de marinheiros (sim, meus dois avôs eram do mar) e eu apenas estremeça internamente sempre que ouço falar em Netuno.

Helê
PS: Veja a íntegra da Neptune Declaration e seus signatários
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