
O fim de uma era.
Helê
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Quarta-feira – e nem de cinzas é. (Se fosse, haveria uns bloquinhos carnavalescos desgarrados pela cidade, sempre um tantinho melancólicos em negação inútil e rebeldia inofensiva, mas renitentes e divertidos). Alguém já disse que é o pior dia da semana esse que fica igualmente distante do começo e do fim, quando a gente parece que já não está, mas ainda nem. De certo modo, é como se estivéssemos todos em uma looonga quarta-feira, as lembranças já começam a amarelar sem que a gente seja capaz de sonhar novos sonhos.
Tempos atrás – quando completamos cem dias disso que nenhum nome mais dá conta – eu disse que nadávamos sem mar à vista, tarefa ingrata até pra Phelps Ana Marcela. Agora avistamos montes aqui e ali – há até quem acene das bordas, pulando serelepe (prestes a cair na água, os incautos). Mas nadamos contra correntezas, a sensação persistente de que não saímos do lugar, ou que nos movemos muito pouco.
Uma quarta-feira loooonga demais. Mais do mesmo. Variantes de vírus vencem, quando precisávamos variar as saídas, as soluções – e de meia dúzia de heróis, já que os vilões se multiplicam sem controle nem constrangimento.
Cansaço abissal que já não é apenas desse país tacanho, mas da vilania do mundo, talebãs e tal. Sempre que inspiro mais fundo vira um suspiro, como se eu respirasse saudade. Aperfeiçoo, contra a minha vontade, a arte de perder sobre a qual Bishop falou melhor que ninguém.
Mas sigo. Sístole e diástole, ou algo perto disso. Setembro vem aí, e ele, em geral, não me decepciona. Por favor, capriche na primavera e mantenha sua reputação.
Helê
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Para fazer jus ao auto-concedido título de Guardiã das Tradições Recentes – embora esta já nem seja tão recente assim…- vai aqui minha homenagem aos leoninos e leoninas todos que povoam meu habitat emocional, incluídos aí leitoras e leitores mais ou menos anônimos. Feliz aniversário, o sol de vocês também me ilumina e aquece.
Helê
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Houve uma época em que nossos heróis morriam de overdose. Agora nossos ídolos morrem do Covid. O mundo, ele mudou.
Ontem perdemos Paulo José. Hoje, Tarcisão nos deixou. Nesses tempos de streaming e canais a cabo, em que a gente consome TV como num restaurante a quilo, os novinhos não têm noção do quanto essas pessoas eram presentes nas nossas vidas. A novela entrava na sala da gente, os personagens participavam do nosso jantar em família, a gente se emocionava com suas histórias como se fossem pessoas conhecidas. E essa geração fez a história da televisão e, claro, da nossa memória afetiva.
Paulo José foi um gigante. Foram mais de 20 anos lutando contra uma doença que poderia ter acabado com a carreira de qualquer outro ator. Mas ele nos entregou vários personagens incríveis, ensinou gerações de atores e atrizes, conquistou o carinho do Brasil.
Tarcísio Meira fazia parte de uma categoria bem especial de artistas: aqueles que às vezes são super canastrões, outras vezes simplesmente espetaculares. (A Renata Sorrah também é dessas. Francisco Cuoco, por sua vez, é só canastrão mesmo.)
Mas a canastrice ocasional acontecia recheada de talento. Tarcisão nos deu personagens cômicos, dramáticos, épicos. Junto com Glória Menezes formou o casal mais carismático do showbiz brasileiro. (Sem falar que: ô gente pra nascer bonita, hein.)
A notícia da doença dos dois nos pegou de surpresa, mas tudo aconteceu muito rápido e nem tivemos tempo de nos despedir.
Ver partir os ícones dessa geração nos dá uma dimensão bem concreta da passagem do tempo, esse ser apressado que nunca para. Crescemos vendo Paulo José e Tarcísio Meira brilharem com seus grandes personagens. Agora cabe a nós fazer com que não sejam esquecidos. Adeus, estrelas.
As Duas Fridas
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Estou morando nas Olimpíadas e não quero voltar. Num relacionamento sério com os Jogos Olímpicos de Tóquio, começo a sofrer por antecipação sabendo do fim. Era pra ser só um casinho sem consequências, uma distração pra parar de passar raiva com esse país truculento e arcaico. Mas aí encontrei um bando de gente simpática, talentosa, amorosa, muitas mulheres, pretas e pretos, nordestinos, lésbicas e as gueis, moleques e molecas que me fizeram torcer por eles. E torço por que? Porque nasceram no mesmo pedaço de terra que eu, falam como eu, e tornam-se campeões apesar disso. Eu num disse que tinha conflitos com patriotismo?
Quem escreve os roteiros do Brasil, precisamos admitir, não é lá muito criativo. Em geral a gente nunca ouviu falar do cara (ou da cara), aí pinta um medalha: viva! brasil! e tal, e aí vamos saber que a cara (ou o cara) não tem patrocício, surfou no isopor, nadou no açude, treinou no terreno baldio etc. E dá-lhe musiquinha triste e elogio à meritocracia. Vendo as histórias de superação de nove em cada 10 atletas brasileiros fiquei imaginando como seria ganhar sem drama, sem ter que lutar para sobreviver AND para treinar. Aí vi as moças que ganharam na vela, Martine e Kaena, e descobri que também pode ser bonito e emocionante. A gente não precisa sofrer tanto pra ser feliz. Ainda mais no esporte, que já tem naturalmente uma intensa carga dramática, baseado que é na superação – do corpo, do tempo, do outro.
E nesta edição ainda foi preciso superar um micróbio FDP e governos idem (nessa modalidade somos ouro, mas não estamos sós), o que provavelmente explica um clima de companherismo inédito nos Jogos. No começo parecia que era coisa da galera do skate, melhor em tudo, total relaxada e parça. Mas depois reparei na ginástica, que sempre teve uma vibe mega tensa, no judô, no atletismo, vários gestos de atletas que iam além da gentileza educada. Imagino que há uma mistura de alegria e celebração por terem conseguido chegar até ali. Desta vez, de um modo inédito, todo mundo enfrentou um adversário comum.
Nós brasileiros começamos festejando a vitória da menina de 13 anos mas também comentando a conjugação do inusitado verbo xerecar (v. intransitivo) no skate (sempre ele). Depois, Rebeca Andrade ganhou duas medalhas (e disse o tuiter que não trouxe a terceira pra evitar excesso de bagagem). Mayra Aguiar conquistou o terceiro bronze olímpico da carreira. Já temos encaminhada uma medalha no boxe feminino e no vôlei de quadra só as mulheres ainda podem trazer ouro ou prata. Além das já citadas velejadoras, conhecemos, torcemos e vibramos, mais ou menos nesse espaço de tempo, Ana Marcela – que quase acabou com meu fôlego, mesmo ela lá e eu no sofá. E que dedicou a medalha à namorada. Fora a menção do Alison, do vôlei de praia, ao pedir gentilmente mais tranquilidade pro parceiro (“Calma, buceta!”). São ou não the Xereca Olimpics?
Se, como ensina Angela Davis, “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, imagina o que acontece quando ela voa, como graciosamente fez a Rebeca. Minha torcida por ela continua e se intensifica agora, que ela passa a ter um imenso holofote a acompanhá-la. Por mais resiliente que tenha se mostrado, nada prepara totalmente alguém para isso, tá aí a Simone Biles que não me deixa mentir. Uma mulher incomoda muita gente. Uma mulher negra bem-sucedida incomoda muito mais. Li que Biles usou em seu collant uma cabra de strass [em inglês, goat – great of all times, o maior de todos os tempos, uma gíria do esporte comum entre machos como Neymar e Cristiano Ronaldo]. Na prova em que ousou usar o desenho pela primeira vez, mesmo fazendo um exercício nunca feito por uma mulher na história da ginástica, ficou com uma pontuação 6.6. É com esse tipo de coisa, que um atleta branco jamais enfrenta, que Biles tem que lidar, além de todas as outras de qualquer atleta de excelência. Rebeca Andrade, apesar do jeito sorridente e terno, deu algumas respostas que fogem um pouco da esquema gratidão religiosa submissa (ainda bem!). Dizer “eu agradeço por ter tido inteligência de aproveitar as oportunidades” é mais elaborado e consciente do que apenas jogar tudo na conta do Senhor. Tem capacidade para não ser manipulada pelos insaciáveis interesses que se moverão em sua direção, mas nem todos em seu benefício. Permaneço, portanto, na torcida!
E acho que foi a mãe da Mary W. que comentou esse feito incrível, mudar a imagem da ginástica artística. Os da minha idade se acostumaram a ver um esporte de gente branca de nome difícil, de lugares muito distantes, e sisudos. E primeiro a Daiane dos Santos, e agora a Rebeca alteraram a referência no imaginário de algumas gerações para um esporte de mulheres negras, sorridentes e felizes. E fodas. Isso não tem preço. (Péra que entrou um cisco aqui) Se você , como eu, também achava que a Daiane era medalhista olímpica, deve ser por coisas como esse vídeo aqui, do qual eu não lembrava, mas que a laureou para sempre no meu registro:
Mamãe, agora sem as mãos. Agora sem música!
Ah, o skate trouxe mesmo um frescor para os jogos que nem sei se estávamos preparados – nós, público, acho que sim, mas os comitês/confederações eu não sei, me pareciam sempre um pouco assustados na hora do pódio, com medo de receber um abraço indevido ou hangloose mais expansivo. Foi ótimo ver essa galera xóvem e diversa, totalmente à vontade numa coisa que todo mundo estava jogando uma megaexpectativa. Faz pensar o que é próprio da modalidade e o que se deve à estreia – teriam os outros esportes sido também mais soltos nos seus primórdios? O skate apresentou outras formas de ser profissional, de competir, de se concentrar. E de se divertir, que afinal era o objetivo inicial da coisa toda, não?
Helê
Filed under: Efemérides | Tagged: olimpiadas, Tókyo 2020 | 3 Comments »
… e eu continuo sentindo falta de todas a as canções que você deixou de escever e cantar.
Helê
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