por Christian Morais
Alguém aí saberia definir o que foi isto que ocorreu ontem à noite no Maracanã?
Desavisadamente, liguei a televisão e, a princípio, me pareceu um jogo de futebol. Aos poucos, deu para perceber que não era. Futebol é um jogo onde ocorrem passes, dribles, lançamentos, tabelas, cruzamentos, cobranças de faltas e de escanteios e defesas de goleiros. Não consegui identificar nada disso em campo, embora houvesse uma porção de gente uniformizada correndo para lá e para cá e uma bola no meio deles. A princípio, também pareceu que era um jogo entre Flamengo e Fluminense, o que antigamente se definia como um clássico, o maior do futebol brasileiro. Evidentemente que não era, apesar de os dois bandos vestirem as camisas dos clubes. Flamengo e Fluminense eram grandes times de futebol não só do Rio de Janeiro, mas do Brasil. E, sendo times de futebol, sabiam fazer aquilo que os (bons) times de futebol fazem: acertar passes, dar dribles, lançamentos, etc. Nenhum destes dois bandos conseguia fazer isto direito.
Também havia uns sujeitos de uniforme amarelo, um com um apito, correndo para lá e para cá, e outros dois com bandeiras nas mãos. Se fosse um jogo de futebol, chamaríamos isto de trio de arbitragem. Mas, percebendo bem, dava para ver que não eram. Isto porque, obviamente, árbitros conhecem futebol, sabem as regras e aplicam-nas. Aqueles senhores de amarelo pareciam não saber de nada.
Na verdade o que vi foi o bando de preto e vermelho muito agitado, ansioso, com alguns garotos correndo para todo lado e não passando a bola para ninguém. Não conseguiam chegar ao campo do outro bando, de verde e grená, nem chutar ao gol do adversário. No esforço de jogar um arremedo de futebol, na hora de tomar a bola do bando verde e grená, os de vermelho e preto se atrapalhavam todos. Boa parte deles parecia muito nova, e aparentava nunca ter jogado junto antes. Apesar disso, o bando de grená e verde, que não era tão jovem nem deveria ser tão despreparado quanto o de preto e vermelho, não conseguia fazer nada muito diferente do outro bando. Todo mundo esbarrava com todo mundo em campo. Parecia que o gramado estava muito apertado e não havia espaço suficiente para todos.
Como estava tudo muito chato, lá pelas tantas o senhor de amarelo soprou seu apito e inventou um negócio que, se fosse futebol o que estivessem jogando, seria um pênalti. Mas, engraçado, o rapaz do bando verde e grená que “cavou” o que seria um pênalti em futebol se futebol de verdade estivesse sendo jogado, no lance anterior segurou, empurrou e puxou um outro rapaz do bando de preto e vermelho que estava ao seu lado, fazendo o que em futebol, se futebol fosse, seria chamado de “marcação”. O senhor de amarelo fez que não viu e não usou seu apito. Se fosse um jogo de futebol – e não era –, haveria uma pessoa chamada árbitro que marcaria uma coisa chamada “falta”, que é quando o adversário usa um recurso ilegal para obter vantagem no jogo. Mas como não era jogo de futebol, não havia juiz de futebol em campo. Até porque se houvesse juiz de futebol, logo no começo do jogo um jogador do bando grená e verde empurrou um outro, do bando preto e vermelho, dentro da área. Se fosse futebol, isto sim, seria pênalti, que seria marcado, é claro, se houvesse um juiz de futebol em campo.
Mas um rapaz careca do bando grená e verde chutou a bola no “pênalti” e ela entrou naquele lugar que, se fosse um jogo de futebol, chamaríamos de gol. Aí, no que seria o placar, apareceu o número 1 do lado do nome do bando de grená e ficou o zero do lado do vermelho e preto. Quando voltaram para o que seria o segundo tempo num jogo de futebol, o bando de grená, obedecendo ordens de alguém que poderia ser confundido com um técnico de futebol, ficou esperando o tempo passar, apesar de o bando de vermelho e preto ser composto, como já disse, de um monte de garotos atrapalhados, embora esforçados. Um destes esforçados num certo momento pegou a bola, saiu correndo, passou por três adversários, e chutou totalmente errado. A bola ia para fora, mas aí bateu sem querer num rapaz do bando de grená, e depois num outro do bando vermelho e preto, passou por cima do que seria um goleiro, se fosse no futebol, e entrou no que seria o gol, se fosse um jogo de futebol. Aí ficou o que se chama em futebol de jogo empatado. Como não era um jogo de futebol, os jogadores do bando verde e grená começaram a ficar muito entediados com aquilo tudo e, seguindo a orientação do pseudotécnico começaram a deitar no chão a cada vez que seriam substituídos. Todos, pelo jeito, estavam muito cansados, porque futebol cansa muito, mas este jogo que eles inventaram e que parece futebol, mas não é, cansa muito mais. Especialmente a quem está assistindo.
A cada vez que um deles deitava (e foram uns três deitões), entrava um carrinho para remover. O senhor de amarelo ficou um pouco chateado com isto e decidiu que o jogo não ia acabar tão cedo, e inventou que agora seriam seis minutos a mais de tempo, só de pirraça. O bando de preto e vermelho continuou se estrumbicando em campo, enquanto o de grená e verde corria para todos os lados e chutava para onde apontava o nariz, tão desesperado estava – apesar de o bando de vermelho e preto ter perdido dois jogadores, expulsos pelo senhor de amarelo.
No final, nem o bando de grená e verde nem o bando de vermelho e preto ganhou nada. O bando grená e verde achou o resultado bom, apesar de não vencer o outro há quase dois anos e de estar arriscado a retornar para um lugar ruim, humilhante até, que em futebol se chama segunda divisão. O bando de preto e vermelho também já esteve ameaçado de ir para este lugar várias vezes. Quando acabou o jogo, alguns jogadores do vermelho e preto reclamaram do senhor de amarelo com o apito, e classificaram sua atuação como de muita luta e de muita correria. Eu concordei com eles. Houve, de fato, luta e correria naquele estranho e desconhecido jogo que passou na televisão. Mas o que eu queria mesmo era assistir futebol. Um grande jogo de futebol. Tipo um Fla X Flu, sabe?
Inaugurando a categoria Be my guest, o texto mordaz e afiado do Chris, freguês de caderninho aqui do Dufas, excelente jornalista, grande amigo.
Helê
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