A gente nem ganhou – na verdade não chegou nem perto, eliminados nas vandinhas de final – mas quem gosta de futebol hoje está de ressaca pelo fim da Copa do Mundo de 2022 e sobretudo pelo jogo absolutamente espetacular que foi a final de ontem entre França e Argentina. Um jogo épico em que se observou o incrível caso do homem que fez três gols (numa final de Copa do Mundo!) e não foi campeão. E, ainda assim, todos consideram o resultado justo.
Foi uma Copa estranha a começar pelo mês em que foi disputada – o que só fez reforçar aquela ideia de que o ano de 2022 é como uma camisa que você começa a abotoar errado e só percebe lá embaixo, e se enrola todo pra acertar. Copa em novembro, depois da eleição, como assim? Foi disputada em um país trata mulheres como indivíduos de segunda classe (se tanto) e criminaliza a existência da população LGBTQIA+. Realizar a Copa Rússia, outro país sem apreço aos direitos humanos, foi pouco, era preciso dar um recado ainda mais claro sobre o que pensa ou admite a FIFA, essa ilibada entidade cujas falcatruas são retratadas em documentários, podcasts e fartas reportagens.
Infelizmente, a eliminação da seleção brasileira não se insere entre as estranhezas da Copa. Na verdade, nada novo sob o sol do Dufas, que nunca viu o Brasil campeão no futebol masculino e que mais uma vez adiou o grito de “É Heeexa!”. Demorou tanto que até o Galvão Bueno se aposentou. Cheguei a ensaiar uma reconciliação com a amarelinha. Ver as multidões nas ruas vestindo a camisa como se todos tivessem recebido um memorando na véspera me lembrou o óbvio, que a camisa é dos brasileiros, e não de fanáticos fascistas. Uma vitória, ou pelo menos uma campanha mais consistente iria ajudar a reconciliar alguns, a resgatar o sentido de nação, diminuir hostilidades. Mas não foi possível. Restou a lembrança do gol obra de arte do Richarlisson, o primeiro tempo espetacular contra a Coreia do Sul (inesquecível, do dia do aniversário de 20 anos da Fifi!) e a estreia assistida entre amigos e com delay, excelente indicação para cardíacos e hipertensos, porque você fica sabendo bem antes se vai ser gol ou não – uma espécie de transmissão para comorbidades.
O Marrocos foi uma alegria enorme para árabes, africanos e muçulmanos, mas também não chega a ser uma surpresa se a gente pensar que quase toda copa tem uma “seleção sensação” – na última foi a Croácia; a minha favorita será sempre o time de Camarões do Roger Milla. Estranho mesmo foi uma final de campeonato tão incrível, que esses jogos em geral são tensos e truncados, e o melhor futebol acaba aparecendo num jogo de oitavas ou de semifinal. Mas estranho mesmo foi torcer pela Argentina, em nome de uma identidade latinoamericana que talvez desprezemos tanto quanto eles. Mas que sacamos do bolso diante das declarações insensatas de Mbappé e da possibilidade de mais uma vitória europeia. Ontem no bar em que assisti, a torcida era quase total para os argentinos – primeiro discreta, quase envergonhada; depois escancarada e febril, diante de um jogo dramático como uma ópera. Tá, como um tango.
No fim das contas, mais que uma latinidade mal ajambrada, nos uniu o amor incondicional pelo futebol, e ninguém, dos que jogam ainda hoje, nos enamorou tanto quanto Leonel Messi. Mbappé, por ora, está à sombra desse herói latinoamericano, capaz de dar a volta por cima, calar críticos e conseguir o título que faltava para confirmar sua habilidade fora do comum. O cara que nos fez, talvez pela primeira vez, nos sentir hermanos.
Viva Messi! Viva Latinamérica!
Helê
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