Bora passar raiva juntas?

No Brasil:

Uma menina ou mulher é estuprada a cada 10 minutos. Fonte

Três mulheres são vítimas de feminicídio a cada um dia. Fonte

Uma travesti ou mulher trans é assassinada no país a cada 2 dias. Fonte

26 mulheres sofrem agressão física por hora. Fonte

Imagem copiada do site do Fundo Elas

Tudo que nós têm é nós – parabéns por sobreviver.

Helê

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Valeu, Glória

Ser uma mulher negra e jornalista hoje é ainda mais difícil que o de costume. Com a morte de Glória Maria perdemos uma referência, um exemplo, uma inspiração, um desafio – a gente queria ser como ela, mais que ela, diferente, mas ela era a medida, o sarrafo e o farol. Glória personifica para nós, pretas, aquele conceito que se tornou popular na campanha do Obama: foi preciso que ela andasse para que nós corrêssemos. A partir de Glória vieram Zuleide, Aline, Flavia, Maju, Ana Paula, Ana Beatriz e muitas outras. Depois de Glória ter sido por muitos anos a jornalista negra da televisão, finalmente elas podem ser contadas no plural (ainda que não o suficiente).

Eu nem achei que sentiria tanto essa perda, já não acompanhava a carreira dela nos últimos anos. Mas a imagem dela na tela da TV foi gravada há muito tempo na minha mente, e ao saber que não a veria mais, o rolo começou a rodar automaticamente, lembrando de muitas cenas, como ela com o James Brown ou denunciando o racismo que sofrera em um hotel caro da cidade. Mas o que mais me comoveu foi lembrar do que talvez tenha sido uma das primeiras reportagens de aventura da televisão brasileira, um embrião do que seriam as viagens dela no Globo Repórter: ela voando de asa delta no Rio de Janeiro. Cheia de medo e de coragem, participou de um voo duplo e quando já estava no ar disse com empolgação infantil: “Eu tô voando, gente! Eu tô voando igual um passarinho!”. Voa pro Orun, Glória; que Iemanjá te receba. Obrigada por tudo!

Helê

Batom é pouco, queremos direitos

Até 1988, o homem era considerado o chefe da família pela lei brasileira. Se ele decidisse mudar de cidade, a mulher e os filhos eram obrigados a acompanhá-lo. 1988, gente. Logo ali. E olha o que dizia o código civil de 1916 (tá, um pouco mais antigo, mas nem tanto assim): uma mulher que tivesse bens e se casasse perdia o direito de administrar o próprio patrimônio. É, o marido passava a controlar tudo. Quer vender a casa que era do sogro e torrar tudo em jogo? Pode.

Quando foi instituída a Assembleia Constituinte, em 1987, 26 mulheres foram eleitas deputadas. Quando assumiram seus mandatos, descobriram que não existia banheiro para elas no plenário da Câmara. A representação feminina ainda é pífia na política brasileira, mas por incrível que pareça já avançamos um bocado. E devemos muitas das conquistas que hoje nos parecem óbvias, como o direito a usar nosso próprio dinheiro ou escolher a cidade onde vamos morar, tanto a essas deputadas quanto a muitas outras mulheres que participaram do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, criado em 1985. Elas estudaram todo o arcabouço legal (nunca pensei em usar essa expressão no blogue hahaha) que na década de 1980 tratava de questões ligadas à vida das mulheres. E descobriram que muita coisa precisava ser mudada. Daí botaram a mão na massa e escreveram um documento chamado Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes, que foi elaborado com a participação de gente do Brasil inteiro. Muitas das demandas dessa carta hoje fazem parte da nossa constituição cidadã.

A bancada feminina na Assembleia Constituinte

Toda essa história está contada no documentário O Lobby do Batom, que tem depoimentos incríveis de várias dessas mulheres que mudaram nossas vidas. A elas, meu muito obrigada.

-Monix-

8M 2021 – pandemia ano 1

Pesquisa da SOF – Sempre Viva Organização Feminista – indica que metade das mulheres brasileiras passou a cuidar de alguém durante a pandemia.

No ano passado, 230 mil novas vagas foram ocupadas por homens, enquanto as mulheres perderam 87 mil postos.

8,5 milhões de mulheres deixaram a força de trabalho no 3º semestre de 2020 de acordo com a PNAD contínua. (Folha)

Um estudo da FGV com profissionais da saúde mostra que a pandemia afetou a rotina e o bem-estar de todos, mas, entre as pessoas consultadas, as mulheres negras são as que mais sentem impactos negativos decorrentes da crise. (Nexo

A Universidade Federal da Paraíba afirma que a Covid-19 terá impacto mais duradouro para mulheres negras. (UFPB)  

Parabéns por quê?

Tô propondo que ao invés de parabéns efusivos, os homens passem a dizer “Desculpa” no dia de hoje, todos os anos. Acho bem mais apropriado. Ou não percam a oportunidade de ficarem calados.

Termino com esse tuíte lapidar que é uma fotografia bem nítida desses tempos pandêmicos:

Júlia Rocha@juliarochasim

Semana 1: consulto homem de 46 anos, feliz, promovido, aprovado no doutorado, sente-se bem nesse contexto de pandemia.

Semana 2: consulto mulher de 43 anos, em home office,cuidando da casa e de 2 filhos, chorosa, cheia de sintomas, tomando antidepressivo.

Semana 3: descubro q/são casados

Helê

 

Um alívio

Os leitores mais antigos aqui do blogue devem lembrar de um dos posts mais saborosos publicados aqui, no qual minha filha, então com seis anos de idade, expressou suas tendências feministas inatas. Foi durante a primeira posse de Barack Obama, e eu usei uma imagem para mostrar pra ela a importância do primeiro negro eleito presidente nos Estados Unidos.

Primeiro ela se espantou (“Só esse preto?”) e em seguida questionou: “e nenhuma mulher?!”

Corta para sábado passado, eu e a moça de quase 18 anos (!) comemorando Kamala Harris eleita vice-presidente.

Imagem
“A primeira mas não a última”

Os lacradores de plantão já estão levantando a lista de decisões condenáveis da ex- procuradora da Califórnia, junto com os iluminados que se esforçam em advertir que Joe Biden não é socialista (really?!). Eu só quero me permitir um minuto de alívio nesse ano implacável e celebrar sim, a ascensão de uma mulher preta a um posto de tamanha visibilidade. Porque representatividade não é tudo, mas importa à beça.

Entendedores entenderão

E, tão ou mais importante, vamos saudar também a derrota da deselegância, da brutalidade, do racismo, da xenofobia e do machismo predador representados pelo atual presidente. Both of them.

Helê

Mulheres do Ano

A história anda de um jeito engraçado, às vezes parece que dá saltos, depois é como se desse um passo para trás antes de dar dois para frente (foi Lênin que disso isso?), e ultimamente tenho tido a impressão de que ela anda para frente e para trás ao mesmo tempo.

Isso porque enquanto vemos retrocessos se escancararem a olhos vistos, por outro lado parece que certas mudanças nos corações e mentes, no zeitgeist da sociedade ocidental, foram se consolidando ao longo de décadas e chegaram a um lugar de onde não voltarão atrás.

Então é assim: passei o dia de hoje vendo maços de rosas sendo vendidos no supermercado e recebendo fotos e vídeos sobre o Dia da Mulher, tanto com mensagens naquele tom condescendente que sempre me irritou quanto numa vibe de empoderamento. Preguiça monumental de tudo isso, tanta que nem ia mais me dar ao trabalho de escrever sobre.

Mas aí minha cunhada feminista (pensando bem, todas são, graças às deusas) mandou um link para um projeto especial da revista Time que realmente me comoveu. A revista refez todas as suas capas de “Homem do Ano”, de 1920 a 2020, apenas com mulheres. São cem destaques para histórias femininas, com imagens lindas que mostram como seriam as capas reais, e breves textos contando os feitos dessas mulheres incríveis.

A mulher do ano de 1938

Parece pouco, mas esse foi um projeto que realmente me comoveu, por mostrar que apesar de todas as dificuldades e silenciamentos as mulheres sempre fizeram parte da história, sempre contribuíram para mudar o mundo, sempre provocaram impacto com suas ações. Só que elas não estavam nas capas das revistas “importantes”. Estavam nas revistas “femininas”, onde se falava de assuntos “menores” (talvez nem sejam, mas isso é outra discussão).

Enfim, neste 8 de março aproveite que é domingo e faça um favor a você mesma: clica no link que está na foto da Frida aí em cima e lê com calma as histórias dessas mulheres notáveis. É o que eu vou fazer.

-Monix-

8 de março

Helê

Papo de Fridas

Outro dia nosotras nos encontramos, com um petit comité de amigos/as-leitores/as na casa da Monix sob o pretexto de (não) assistir um filme enquanto bebíamos e conversávamos sobre outras coisas. Como o objetivo de beber e conversar era mais premente que o de assistir um filme, escolhemos um que já praticamente sabemos de cor: Harry e Sally – Feitos um para o Outro (que inclusive já assistimos juntas). Para brindar o primeiro encontro do ano, nada como um bom confort movie.

Mas você já sabe que quando as Fridas se encontram nada nunca é só o que era pra ser. A gente adora complicar e botar caraminholas nas nossas próprias cabeças. Então, uns dias depois, tivemos mais ou menos a conversa abaixo por WhatsApp (que aqui segue editada e ampliada, que nós somos dessas). Foi, em suma, um papo sem compromisso, bem pingue-pongue mesmo, mas que rendeu um bom fio de pensamento e que quisemos dividir com vocês.

Helê: Fiquei pensando depois que não tem um casal negro naquelas entrevistas de Harry e Sally.
Monix: Verdade. Outro dia eu Estava revendo Friends e pensei a mesma coisa, não tem personagens negros na série inteira.
Helê: Pensando bem, preto, no filme (Harry e Sally), só garçom, staff em geral. E aí eu fiquei pensando que ficou tão ok falar mal do politicamente correto, mas isso hoje não aconteceria.
Monix: Sem dúvida
Helê: [A maior presença de negros nos elencos] tem a ver com um ativismo maior? Sim. Mas com o politicamente correto também. E o que veio primeiro, quem puxou quem?
Monix: Acho inclusive que tem algum tipo de regulação nos EUA (não sei se governo ou autorregulação) que exige diversidade nos elencos. #pesquisar [A pesquisa não nos trouxe conclusões definitivas, mas este artigo leva a crer que não há regras nesse sentido, apenas uma discussão bastante rica e ainda em curso sobre a passagem do colorblind para o color-conscious.]
Monix: Representation matters !
Helê: Sim. Dá uma tristezinha admitir isso porque a gente ama o filme, né?
Monix: Mas não acho que isso diminua o valor do filme. Era o contexto da época.
Helê: Não, mas é como admitir defeito em amigo
Monix: Não dá pra julgar uma obra de 30 (?!) anos atrás com o raciocínio de hoje. A não ser coisas escandalosas, tipo o filme do Griffith que defendia a Ku Klux Klan. [O filme é O Nascimento de uma Nação.]
Helê: Entendo. Claro que eu não posso cobrar feminismo do Mario Lago e a sua Amélia. Mas como a gente gosta muito, preferia não tivesse esse defeito de cor, hahaha!
Monix: Hahahah verdade. Aliás, ótimo exemplo esse da Amélia.
Monix: Nem contei do problema que foi assistir 7 Noivas para 7 Irmãos no telão com o Fridinho. Ele ficou incomodadíssimo com o rapto.
Helê: Caramba! Nunca tínhamos visto desse jeito! Cárcere privado.
Monix: Lá pelas tantas ele disse que se no final as moças casassem com os sequestradores, ia ficar muito p*to. Quase mandei ele dormir 😬

E vocês, o que acham? Como assistir obras de arte criadas em outros contextos, com tudo o que sabemos hoje? Dá pra gostar, levar em consideração o contexto, ou fica difícil? Dividam seus pensamentos com a gente. A discussão é boa.

Las Dos Fridas

Mulherio

Digamos que, além da solidariedade de  classe, eu tenho um carinho especial pelas mães argentinas porque me lembro das Loucas da Praça de Maio. Renovei esse afeto ao ver a entrevista  de D. Mercedes, que eu já havia citado aqui, a mãe do jornalista Ricardo Boechat.

Antes de explicar o porquê, preciso dizer que me mantive distante do noticiário e só assisti ao vídeo porque foi enviado por uma amiga. Sendo ainda mais sincera, fui ver até com certa má vontade porque uma frase dita por d. Mercedes sobre o ateísmo do filho já tinha sido cansativamente debatida no tribunal da internet.

Mas A. mandou para o nosso grupo que é a fina flor do uatizápi (sorry, periferia), onde raramente circula algo que não seja relevante, emocionante ou engraçado pra cacete. Então eu comecei a assistir e em segundos estava chorando as lágrimas que eu economizei porque vi uma senhora de 86 anos lembrando do seu filho quando nasceu, depois com dois meses, depois com quatro, cinco, anos. Comovi imediatamente com essa constatação de que a gente não deixa nunca de ser mãe, sempre vai vê-los como os bebês que foram, no matter what. Que ternura.

Segui acompanhando essa mãe falando orgulhosa de seu filho, surpresa com o tamanho da sua popularidade e satisfeita com o caixão simples adornado com o bigurrilho do táxi, que para ela comprovava a simplicidade do Boechat e tal e coisa. Aí ela começa a se exaltar, falando a favor do povo e contra os poderosos, da mesma maneira genérica e colérica que seu filho morto. Quase um comício ou um editorial, de que se esperava só sofrimento e contenção. O vídeo, tocante e divertido, realmente atendia aos requisitos para estar no nosso grupo do whats.

*

E como acontece com frequência, eu aprendo muito quando escrevo: fui tirar a dúvida sobre o nome do grupo de mulheres. Eu tinha essa lembrança bem antiga, talvez da minha infância, de serem conhecidas como “As Loucas da Praça de Maio”. E a memória não me traiu: esse foi o primeiro nome pelo qual mães e avós de desaparecidos políticos argentinos ficaram conhecidas. Não exatamente pela bravura, mas porque, como sabemos, qualquer manifestação feminina fora do que espera o patriarcado — como desejo ou coragem —  recebe imediatamente o selo da loucura. Há poucos anos elas voltaram às manchetes quando conseguiram localizar netos desses militantes assassinados pelo regime que foram separados das famílias.  Se você não conhece a incrível história dessas mulheres latino-americanas, leia esse artigo da Sylvia Colombo, que dá uma boa ideia da importância delas para a sociedade argentina, capaz de enfrentar os terrores de sua ditadura  punindo militares e prestando conta de seus desaparecidos.

Ainda falando de mulheres f*da e voltando ao assunto Boechat, impossível não falar da Leilaine Silva, a mulher que ajudou a salvar o caminhoneiro envolvido no acidente. Em que pese ela ter agido por impulso, contrariando regras de salvamento, prefiro louvar o impulso de alguém que salta de uma moto para socorrer um ferido do que o grupo de imbecis cujo impulso foi sacar o celular e filmar. Nessa matéria, veja a ilustração de Angelo France que viralizou, enaltecendo o gesto de Leilaine.

Helê

Deus é Mulher

Na segunda-feira de manhã recebi no Facebook um convite para um grupo chamado “Mulheres Unidas contra o Bolsonaro“. Fui dar uma olhada, por curiosidade, e vi que já havia 150.000 membr(a)s. Fiquei impressionada com o número (mal sabia eu) e acabei ficando. Em 24 horas acho que o número já tinha quadruplicado, sei lá. Só sei que hoje éramos mais de 2 milhões de mulheres nesse grupo – surpreendentemente, apesar de obviamente a dinâmica da interação ser caótica, a convivência é até bem pacífica e civilizada. Há mulheres de todos os espectros políticos, cis e trans, e alguns eventos já estão sendo articulados.*

Só que o crescimento exponencial do grupo virou notícia, chamou a atenção, e o grupo está sob ataque de hackers desde quinta-feira. Mudaram o nome, invadiram os perfis das administradoras, mandaram ameaças. Uma amostra grátis do que nos espera logo ali na curva da frente. :(

Tudo isso é muito triste e, principalmente, preocupante. Ainda faltam 20 dias para o primeiro turno das eleições, e depois teremos toda a campanha do segundo turno pela frente, e a cada dia parece que o fundo do poço é um novo alçapão.

Mas. Sempre tem um mas. E eu sou aquela pessoa do copo meio cheio. Estou aqui para manter elevado o moral das tropas. De nada.

Então queria dizer a vocês que isso aí que está acontecendo não é ação, é reação.

Porque eu acabei de chegar do teatro, e eu vi Elza, e a Elza de verdade é incrível, mas o elenco é quase tão incrível quanto, e a plateia é mais incrível ainda. A plateia é uma celebração da diversidade, no sentido mais bonito que essa palavra possa ter. A plateia é pura potência.

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Corre que ainda dá tempo!

Aí a gente sai do teatro acreditando de novo que há uma mudança importante em curso, e que, não custa repetir, a gente é ação, eles são reação. Ou, como disse a Mary, eles perderam. Vamos vencer com classe.

A arte é a nossa salvação. Vamos fruir a arte, vamos prestigiar a arte, vamos ensinar nossos filhos a ver arte e, principalmente, a viver de uma forma artística. Não precisa ser artista para fazer isso. Basta aprender a lição de Oscar Wilde e saber que a vida imita a arte (e não o contrário).

 

 

Sejamos ação. Sigamos com a nossa turma, que essa é, e sempre será, a melhor turma.

-Monix-

* Enquanto eu escrevia este post, o grupo foi apagado. Há várias informações chegando ao mesmo tempo, parece que as administradoras estão prestando queixa na delegacia de crimes digitais. Vamos acompanhando.
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