A coroa

Ela nasceu na década de 1920.
Passou a infância como uma princesa. Perdeu o pai muito jovem e teve que ir à luta.
Casou-se com um oficial da Marinha de seu país.
Cuidou da mãe, que morreu bem velhinha. Teve muitos filhos, netos e bisnetos.
Viveu uma vida longa e manteve a família unida apesar de muitos pesares.
Depois de sua morte, ninguém foi capaz de ocupar seu lugar com a mesma competência e dignidade.

***

Parece que estou fazendo a biografia resumida de Elizabeth II, mas essa é a história da minha avó materna. E provavelmente essas similaridades explicam, em alguma medida, meu mal disfarçado fascínio por essa monarca — o que obviamente não combina com minha visão de mundo. Mas é isso: Lilibeth sempre me lembrou muito minha amada avó, que era, ela própria, fascinada pela rainha e pela família real.

Sobre a monarquia britânica, já disse antes que seu principal papel é dar um sentido de continuidade à história do país. A rainha está morta; viva o rei.

Sim, o Estado continua apesar da mortalidade dos soberanos. Mas a morte de Elizabeth é sem dúvida o fim de uma era. Para mim, numa nota mais pessoal, teve sabor de uma segunda despedida da minha querida avó.

-Monix-

Minha dinastia pessoal :)
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Independência e vida

Desculpe aí, patriarcado, mas são duzentos anos de uma história contada pela metade, então hoje precisamos fazer uma correção importante. A independência do Brasil foi proclamada por uma mulher. É isso mesmo, repito para que não haja dúvidas:

A independência do Brasil foi proclamada por uma mulher. No dia 2 de setembro de 1822.

Essa mulher se chamava Maria Leopoldina, e hoje seu nome é mais reconhecido quando vem com um sufixo, no nome da escola de samba Imperatriz Leopoldinense. Duzentos anos atrás, ela era a princesa regente do Brasil, portanto quem tinha autoridade para tomar decisões e assinar documentos oficiais. E foi isso que ela fez naquele 2 de setembro. Portugal queria que D. Pedro voltasse à Europa. A corte brasileira pressionava pela independência do Brasil. A relação colonial já não fazia sentido. Mas o príncipe estava ausente (ué, um homem ausente na hora que mais se precisa dele, cê jura?). Quem botou o dito cujo na mesa foi a consorte de apenas 25 anos, que tinha sido preparada a vida inteira para cumprir com os deveres de Estado.

Nos dois episódios históricos de 1822, Leopoldina esteve em defesa da emancipação brasileira. Em 13 de agosto (…) D. Pedro viajou para São Paulo , e Leopoldina assumiu pela primeira vez a regência do país. Durante esse período, no dia 2 de setembro, presidiu a sessão do Conselho de Estado na qual deliberou a separação entre os dois reinos, fazendo registrar na ata a assinatura de todos os ministros. Documentos afirmam que a independência foi oficialmente decidida nessa ocasião, e alguns dias depois proclamada por D. Pedro às margens do Ipiranga.

(Trecho extraído do verbete sobre Leopoldina de Habsburgo-Lorena, do Dicionário Mulheres do Brasil)

Leopoldina comeu o pão que o diabo amassou no Brasil, mas amou este país até o final

A história oficial tende a apagar a participação feminina nos grandes eventos ao longo dos séculos, mas nunca é tarde para revisitar o cânone e dar crédito a quem merece. Além de Leopoldina, que atuou aqui na corte do Rio de Janeiro, o Brasil como o conhecemos hoje deve muito às heroínas da independência da Bahia: Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa. Essa história também merece ser contada, mas hoje, 2 de setembro, o que eu quero é propor que comemoremos a verdadeira data de independência do Brasil relembrando Leopoldina — por exemplo, você já leu o livro da Fal e da Suzi? E se não leu, o que está esperando?

Olha quem já leu… Só falta você rsrsrs (a foto é montagem, mas fica a dica como inspiração)

A independência contada da perspectiva masculina tem cavalos, uma espada meio fálica (ops) e um grito que fala em morte. O que eu quero é uma independência que fale de vida, e a Imperatriz Leopoldina, com toda sua dignidade perante o sofrimento, sua habilidade para construir alianças e sua vocação para os negócios de Estado me parece uma representante muito melhor do espírito que devemos buscar para a nação brasileira.

-Monix-

Pastilhas – de la Otra

Leu “pastilhas” no título e já pensou logo: post da Helê.

Só que não! Hoje soy yo, la Otra, quem lança mão desse sempre útil formato de breves pastilhas (porque drops, só da Fal) para comentar uma ou outra cosita que passou por aqui e me chamou a atenção.

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O assunto do momento tá demorando a esfriar. As feministas cancelaram Chico Buarque? Ou foi o Chico que se autocensurou?

Olha, sinceramente, que preguiça. Nem sei por que estou falando desse assunto, mas quem nunca? Comentamos temas hypados porque somos criaturas da internet e não queremos perder o hype, nem que seja pra criticar o hype.

Gente, o sujeito compôs a música. Daí ele cansou da música, não importa por que motivo. Descurtiu, como diziam personagens de novela meio pretensiosas de décadas atrás. Ele não canta mais a música. Decisão dele, tá tomada e pronto. Se amanhã ele resolver cantá-la de novo, ótimo. Se nunca mais — ótimo também.

Se alguém quiser gravar e pingar um troco de direito autoral, tá valendo.

Ele não renegou a música, não proibiu ninguém de cantá-la. Só disse, bem de passagem no meio de uma entrevista para a incrível série documental O Canto Livre de Nara Leão, que não quer mais cantar, que as feministas têm razão. Na minha bolha, formada principalmente por feministas e simpatizantes, foi massacrado. Nas outras bolhas deve ter sido ignorado, porque ninguém tá nem aí nem pro Chico nem pra Nara. Ou seja.

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Acabei de assistir à serie Como Se Tornar um Tirano, que disseca o passo a passo costumeiramente adotado por líderes autoritários. Os episódios têm uma estética leve e engraçadinha para tratar de temas sérios e pesados. Nem todo mundo gosta, eu sim. Esses são ainda mais legais de assistir por motivo de : narrados pelo Peter Dinklage.

Mas à medida que fui avançando na série, algo me incomodou profundamente. Todos os tiranos retratados são do mundo árabe, do continente africano ou do bloco comunista. Ou Hitler.

Nenhuma palavra, nenhuma cena, nenhuma imagem, por mais breve que fosse, sobre as ditaduras sanguinárias apoiadas diretamente pelos EUA na América Latina. Nada sobre Pinochet, Stroessner, Somoza. Brasil e Argentina são ausências que até entendo, já que tivemos regimes militares e não um ditador governando por vários anos ou décadas (a série aborda especificamente regimes personalistas de um único líder autoritário). Mas não dá pra levar a sério uma série sobre autoritarismo que mostra Fidel e esquece Papa Doc e Baby Doc. Enfim, gostei, só que não.

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O ano de 22 chegou chegando por aqui. Na primeira semana comecei com uma tossezinha leve e um arranhão na garganta, virou uma faringite braba, entrei no antibiótico e a tosse se instalou por aqui sem a menor cerimônia. O que seria uma “gripezinha” se tornou um pesadelo que impedia a pessoa (no caso, eu) de comer, dormir, e até de trabalhar — como fazer reuniões por vídeo se a cada cinco palavras tinha um acesso de tosse?

Depois de cinco semanas de tormento, e de três tratamentos diferentes, finalmente as coisas começam a voltar ao normal. Então feliz ano novo pra mim :)

-Monix-

Sobre patriotismos — e algumas notas olímpicas

Os japoneses são tão organizados que calcularam direitinho pra olimpíada cair bem no intervalo da CPI da Pandemia, garantindo o entretenimento dos brasileiros.

E a gente estava mesmo precisando de uma diversão que não fosse apenas passar raiva juntos.

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Eu sou aquela que só gosta de futebol na Copa do Mundo. E dos demais esportes, quando os ventos favorecem, só mesmo em alguns Jogos Olímpicos. Em 2016 eu dei uma surtada com os Jogos no Rio e assisti um monte de eventos. Foi a última vez que minha cidade, que tanto amo, me fez realmente feliz.

Ano passado, quando adiaram os Jogos de Tóquio, eu estava mais preocupada com a crise global da pandemia. Não dediquei mais que dez segundos pensando “ah, fizeram bem”, e segui dando banho nas compras (a gente ainda estava nessa fase, lembram?). Mas desde semana passada, quando me caiu a ficha de que mesmo com a pandemia ainda nos ameaçando aí fora haveria, sim, olimpíada, convivo com um misto de sentimentos. O primeiro deles foi a saudade imensa do Rio olímpico, do alto astral daqueles dias. Revi vídeos e ri até das coisas que reclamei rabugentamente na época, como a zoeira exagerada da torcida carioca em esportes tradicionalmente mais “comportados”.

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Pouco antes de começar a olimpíada, fiquei meio na dúvida se era certo assistir, afinal, pandemia né? Durante outros dez segundos fiquei pensando se era incoerente acompanhar os Jogos depois de criticar a vinda da Copa América para o Brasil*, tempo suficiente para concluir: eles que lutem.

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O esporte é uma forma genial de canalizar o patriotismo das pessoas, construir um senso de nacionalidade, sem precisar levar todo mundo para a guerra. Assistir EUA X China no vôlei é um microcosmo de tensões geopolíticas que terminam quando o juiz dá o último apito. Este ano eu lembrei que adoro vôlei (sei lá por que tinha esquecido disso), e fico catando partidas nos inúmeros canais sem locução disponíveis no meu pacote. Mas não consigo assistir sem torcer, então escolho um país. Normalmente vou pela proximidade ou afinidade cultural: entre Irã e Venezuela, fiquei com nossos vizinhos. Perderam. Na partida entre americanas e chinesas, tentei de verdade torcer pelas representantes do nosso continente, Mas elas eram tão antipáticas, e as asiáticas, por outro lado, tinham tanta alegria (davam gritinhos a cada ponto), que mudei com cinco minutos de jogo.

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E obviamente há o Brasil. No Twitter o que mais vejo são negociações sobre para qual atleta podemos torcer, quem é ou não bolsominion, se é melhor focar nos esportes individuais e escolher os mais confiáveis ou se nos coletivos para diluir o risco. Sinceramente? Estou zero preocupada com isso. Torço mesmo. O esporte, como eu disse, é uma forma de emoldurar nosso conceito de nação — e curiosamente ao mesmo tempo é mostrado como um instrumento de superação pessoal de dificuldades, etc. Paradoxos.

Mas enfim, digressões à parte, há alguns anos, principalmente a partir de 2013, me sinto um pouco lesada no meu direito de pertencer ao Brasil, de ser brasileira, de me ver representada por símbolos nacionais (os piores casos são a bandeira e a camisa da seleção de futebol, que foram roubados de nós pelos extremistas de direita e hoje causam desconforto na maioria das pessoas da minha turma). Por isso, tem sido bom aproveitar os Jogos Olímpicos para me reencontrar com o sentimento de brasilidade. De saber que ser brasileira, mais do que vergonha internacional, é fazer parte de um povo alegre, apaixonado e apaixonante, intenso de todas as formas (às vezes a ponto, sim, de ser vergonhoso, mas por motivos mais inofensivos do que destruir a Amazônia ou deixar a pandemia fora de controle para lucrar com vacinas superfaturadas e garantir popularidade no ano de eleições).

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O maior símbolo do Brasil que eu quero e preciso resgatar no meu coração é a fadinha Rayssa Leal. O sorriso no rosto dessa menina, a leveza em cima do skate (e o próprio fato de o skate se tornar esporte olímpico), tudo isso me representa.

Aos 13 anos, Rayssa Leal, a Fadinha, conquistou a medalha de prata no skate stre
Valeu, garota :)

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Ainda nesse quesito “reflexões sobre o patriotismo nos esportes”, chama a atenção a situação dos atletas russos. O país foi banido de competições internacionais, porque o governo estava dopando todo mundo pra conseguir os melhores resultados (resumindo em poucas palavras uma situação obviamente mais complexa que isso).

Esse caso da Rússia leva ao limite o argumento de que o esporte é uma forma de sublimar as guerras, de levar as tensões geopolíticas para dentro das quadras e pistas e etc. Hoje é século XXI, galera. O soft power é tão importante quanto qualquer outro, se não for mais.

Enfim, quando vi a bandeira olímpica e a a sigla ROC indicando que os atletas estão competindo pelo Comitê Olímpico Russo, e não pelo país, achei estranho e meio que como trocar seis por meia dúzia. Se são as mesmas pessoas, que diferença faz? Não é uma hipocrisia danada permitir isso?

Claro que há interesses comerciais que não podem ser contrariados. Um atleta de alta performance fora de uma olimpíada causa um prejuízo enorme para as marcas que investiram nele. Uma delegação inteira, ainda mais uma do porte da russa, seria incalculável.

Mas, negócios à parte, realmente não é a mesma coisa que competir sob a bandeira do país. Subir ao pódio e não ter o hino executado é um golpe no sentimento de patriotismo que vem junto com a vitória no esporte. Ainda mais quando se sabe que isso acontece porque o governo do seu país foi punido.

Além disso, na prática a medida significa que os atletas estão reunidos sob o Comitê Olímpico Russo, um órgão que o Comitê Olímpico Internacional consegue controlar.

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Um silêncio veemente que se escuta é o do presidente Jair. Políticos e artistas que entendem essa relação umbilical entre os esportes e o conceito de nação estão parabenizando os atletas, vibrando com cada conquista, e na medida em que adjetivam e qualificam cada acontecimento, ajudando a emoldurar a ideia que fazemos de Brasil. O Brasil é o sorriso da Rayssa? É o choro emocionado do Ítalo? É a persistência dos caras do vôlei que viraram um jogo suado contra a Argentina? Sim. Somos um pouco de tudo isso. E o presidente? Soltou uma nota burocrática parabenizando os skatistas e aproveitando para falar de isenção de impostos para skates, como se alguém estivesse pensando nisso na hora de comemorar medalhas. Francamente. Fora isso, nada mais. É quase como se estivesse aproveitando que todos mundo está olhando pro outro lado para entregar de vez o governo ao fisiologismo.

Ou vai ver que ele só consegue mesmo se pronunciar quando é pra atacar a ideia de Brasil que esses atletas representam. Por isso, quando eles triunfam, não consegue dizer é nada.

***

Voltando ao começo, semana que vem a CPI recomeça e desconfio que o recreio vai acabar — ou seja, será o fim desse intervalo maravilhoso em que foi possível esquecer do Brasil sombrio de 2021 e acreditar que podemos ser muito, muito melhores que isso.

-Monix-

* Refletindo melhor, concluí que não, não é a mesma coisa. O Japão está há mais de um ano planejando e pensando em formas de realizar um evento deste porte em condições minimamente seguras para todos. O Brasil atravessou a rua para escorregar numa casca de banana que nem era nossa, e abrigou uma competição internacional com dias de antecedência, seguindo a lógica sanitária do salve-se quem puder.

Nada mesmo?

A frase é tão comum que virou clichê: “não me arrependo de nada que fiz, só do que não fiz”. Besteira, né? Como eu mesma já disse isso (eu era jovem, se é que faz diferença), devo começar me arrependendo disso.

Quem em sã consciência pode dizer que não se arrepende de nada do que fez? Peloamor. Parafraseando Fernando Pessoa, eu tantas vezes fui racista, elitista, egoísta, materialista e tantos outros “istas”. Vocês não?

E quantas vezes gastei dinheiro à toa, gritei com quem não merecia, deixei passar uma oportunidade legal, fui a um lugar que não queria, não fui a um lugar que queria? Vocês nunca?

Olha, pra mim tem dois tipos de pessoas que podem dizer que não se arrepende de nada: as muito esquecidas ou os condutopatas.

-Monix-

Perdas e danos

Todos nós perdemos algo em 2020. Muitos perderam a vida. Mais ainda foram os que perderam mães, pais, filhos, irmãos, tios, avós, os amores da sua vida, os amigos de todas as horas. Para cada pessoa que morre, um número incontável de pessoas sofre com sua partida.

Outros perderam empregos, ou viram falir os negócios que garantiam o sustento da família. Houve quem perdesse a sanidade mental ou a segurança física (aumentaram muito os casos de violência doméstica durante a pandemia).

Muitos estudantes perderam a chance de aprender, e há um temor justificado de que a evasão escolar em 2021 seja ainda pior do que já vinha acontecendo mesmo antes da pandemia. A desigualdade de oportunidades entre os alunos das redes pública e particular se agravou.

Diante de tantos prejuízos impossíveis de serem recuperados, não me atrevo a me queixar. No plano pessoal tenho muito que agradecer: ninguém próximo teve a doença, consegui me manter trabalhando, minhas companhias de quarentena fizeram tudo parecer menos duro. Mas também tive cá minhas pequenas perdas e tristezas.

Perdi, para começar, as poucas ilusões que tinha sobre o caráter de nosso povo. Sofri com o isolamento. Perdi a chance de comemorar, no mesmo ano, meus 50 anos e os 18 do meu filho — teria sido uma comemoração única. Ele perdeu a experiência do último ano da vida escolar, com todos os ritos de passagem que fazem parte disso, e eu lamentei mais do que posso expressar. Perdi alguns vínculos familiares (e isso nada teve a ver com a pandemia, mas enfim). Perdi a paciência, só para me ver obrigada a recuperá-la, porque não havia alternativa.

Cada um sabe de suas dores. Acho que a vida é um grande jogo em que perdemos por um lado, ganhamos por outro, e cabe a nós escolher para que lado vamos olhar. Que 2021 nos permita conseguir olhar mais para nossas pequenas vitórias, e que nossas derrotas sejam mais superáveis.

-Monix-

Notas sobre o réveillon de Copacabana

Estou chegando de uma rápida caminhada de reconhecimento pela Atlântica, na altura do Copacabana Palace. Pouca gente na rua. Nem todos de máscara. Bastante policiamento. A chuva forte que caiu deve ter contribuído pra deixar o pessoal em casa. Muitas vagas disponíveis, uma visão inédita. O metrô fechou às oito em ponto. Quiosques e restaurantes funcionando discretamente, com pouca gente, sem música nem nada, todo mundo sentado em mesas separadas. Tinha gente entrando e saindo de prédios com travessas de comida na mão, esperando Uber na calçada… Acho que as festas em casa vão ser o maior problema. Mas aglomeração na rua não creio que tenha mesmo não.

Escrevi esse textinho ontem, antes da meia-noite. Já passei muitas viradas de ano em Copacabana e dessa vez me senti bastante dividida entre a intenção de me manter dentro de casa respeitando o isolamento social (estou temendo muito pelo janeiro que enfrentaremos) e a curiosidade de ver esse bairro, conhecido internacionalmente pelos réveillons lotados, nesse momento excepcional. Acabei chegando a esse meio-termo possível: uma caminhada de reconhecimento, para ver uma inédita Copacabana semi-deserta, algumas horas antes da virada. E depois a ceia em casa, ao som da live de Natal do Caetano.

***

Um pouco mais cedo, ainda à tarde, conversava por telefone com um amigo que cresceu no Leme. Ele, com sua memória extraordinária, contou que se lembra das viradas de ano de antes das queimas de fogos: depois da meia-noite ia até a praia com os pais, a mãe jogava flores ao mar, ele via grupos de pessoas fazendo suas homenagens para Iemanjá. Até que em 1980 o hotel que na época se chamava Méridien (hoje Hilton) estourou uma cascata de fogos de artifício às duas da manhã. No ano seguinte, a atração passou a acontecer à meia-noite. Outros hotéis também faziam suas próprias queimas de fogos. Foi só nos anos 1990 que a prefeitura centralizou o espetáculo pirotécnico — àquela altura, o número de pessoas que comparecia à festa já beirava o milhão.

Imagem
A cascata do Méridien, em 1982
(fonte: Rio Antigo no Twitter)

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Na passagem do ano 2000 para 2001 eu fui a Copacabana para saudar o novo milênio (tá, eu sei que oficialmente começou no ano seguinte, me deixem). Um ano depois eu estava em um trabalho temporário, cobrindo férias na sucursal carioca do SBT. Comecei no dia 1º de janeiro de 2001 às sete da manhã. Ao chegar lá, a primeira matéria que precisei editar foi sobre o acidente acontecido na festa de Copacabana: a queima de fogos oficial (promovida pela prefeitura) era disparada da areia. Por conta dessa tragédia, desde então o show pirotécnico acontece em balsas no mar. Nunca mais o impacto visual foi o mesmo, mas é claro que a segurança é mais importante que a pirotecnia.

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Eu amo fogos de artifício. Adoro a festa popular que acontece todos os anos nas areias de Copacabana. Sei que para os animais da região o estrondo é ruim. Que para os idosos o barulho e o tumulto são um problema. Que para os moradores do bairro é uma loucura ficar quase 24 horas com seu direito de ir e vir muito comprometido — os acessos ao bairro ficam fechados, as vagas de calçada são um sonho impossível, o metrô funciona em regime especial, os ônibus idem. Ontem deve ter sido um dia bom para quem sofre com a maior festa de rua da cidade. Eu confesso que senti falta da mega aglomeração. Só resta esperar a vacina e a volta dos abraços, das multidões, das ruas lotadas em Copacabana na virada do ano.

-Monix-

Brasil, mostra tua cara

Daí que 1988 não é só outra época; talvez seja outro planeta.

Rever uma novela tão emblemática como Vale Tudo é, antes de qualquer coisa, uma experiência no mundo bizarro. No plano material, cada cena é um mergulho em uma indagação sobre como vivíamos “sem” tal coisa, ou “com” tal coisa. Telefones de fio (em um dos cenários o telefone tem o fio todo enrolado, coisa que deixava meu pai maluco), videocassetes, disc-lasers (era assim que chamávamos os moderníssmos CDs no final dos anos 80, crianças), computadores grandalhões e disquetes, máquinas de telex (!), até os eletrodomésticos pesadões e quadradões, tudo me espanta. Os carros, meu Deus, os carros. 1988 foi antes do Collor dizer que os carros brasileiros eram todos umas carroças, ofendendo a indústria automobilística nacional e os defensores da reserva de mercado (é, crianças, pesquisem). Spoiler alert: eram mesmo. (Voltarei ao Collor daqui a pouco.) 1988 foi antes de o fax chegar a Brasil. E não me façam começar a falar de roupas e penteados, porque né?

figurino solange vale tudo - Pesquisa Google | Figurino, Moda, Solange
Ombreiras, minha gente, isso já existiu.

Não sei se na época era claro para mim, mas Vale Tudo parte de uma premissa (e tudo na novela gira em torno dela): a desonestidade estrutural da sociedade brasileira. A trama central se baseia nas interpretações diferentes que Raquel (a mãe) e Fátima (a filha) fazem dessa constatação inicial. Raquel acha que se todos são desonestos, cabe a ela (e a todos que a cercam) corrigir isso por meio de ações estritamente éticas. Já Fátima entende que se todo mundo torce as regras para se dar bem, a solução é abandonar qualquer senso ético como única forma de sobreviver nesse mundo cruel.

A música-tema tem um dos versos mais contundentes do rock nacional, de autoria de Cazuza: “o meu cartão de crédito é uma navalha”…

Assistir a esse dilema tendo como pano de fundo a conjuntura de 2020 dá margem a muitas reflexões.

Primeira: a novela acabou em janeiro de 1989. Em novembro, tivemos a primeira eleição direta para presidente em 29 anos. E elegemos (opa, nós quem, cara-pálida?) Fernando Collor de Mello, que baseou sua campanha na ideia de caçar “marajás”, funcionários públicos que ganhavam super salários sem trabalhar. Fala-se muito da influência das novelas da época sobre a mentalidade nacional que resultou em sua vitória, especialmente as exibidas nos meses da campanha, como O Salvador da Pátria e Que Rei Sou Eu?, mas a ideia de uma “faxina ética” direcionada apenas (ou principalmente) à classe política, olhando em retrospectiva, parece ter sido uma simplificação tremenda.

Segunda: em Vale Tudo, a corrupção está em todas as instâncias da sociedade brasileira, e ali são retratadas principalmente as mais cotidianas, com um foco especial na corrupção no setor privado: um dos vilões se dedica a desviar recursos da empresa familiar. Mais de trinta anos depois, parece que nosso foco se desviou para o “andar de cima”, a política partidária e institucional, e aquele papo sobre como a corrupção começa com quem molha a mão do guarda (que, diga-se de passagem, é outra simplificação besta, mas enfim, é um ponto de partida) foi praticamente esquecido.

Terceira: a parte da novela que fala de crise econômica e desemprego, tirando as questões ligadas à inflação, é tristemente atual. No entanto, um detalhe me chamou a atenção. A moeda era o cruzado, e tudo custava milhares de. Mas, para conseguir acompanhar os valores das coisas, percebi que tirando um zero de cada preço eu chegaria mais ou menos ao tanto que elas custariam hoje. As únicas exceções foram a diária da faxineira, que pela minha equivalência tabajara hoje vale 3 vezes mais (alvíssaras!), e o câmbio do dólar, que hoje, bizarramente, mesmo com a taxa absurdamente alta, seria seis vezes mais caro, se fosse mantida a proporção da época em relação aos preços das outras coisas.

Quarta: a exemplo de boa parte das obras de ficção, e não só as brasileiras, os vilões são pessoas muito mais interessantes. Até aí, nada de novo. Acho essa questão bem problemática, e isso talvez seja assunto para outro post. Mas em Vale Tudo os mocinhos de modo geral são muito chatos, e a suposta heroína, Raquel, é insuportável na sua unidimensionalidade — seus chiliques e suas lições de moral parecem, vistos de hoje, um ensaio canastrão para sua meteórica e constrangedora passagem pelo governo federal. Parece que Regina Duarte acreditou na personagem que interpretou três décadas atrás, e comprou aquele discurso fajuto de “vamos moralizar o país”. Raquel, a chata, com certeza seria uma bolsomonion (e pior, uma “tia do zap”) em 2020.

Quinta: há, no entanto, honrosas exceções a esse padrão de mocinhos unidimensionais, e elas se encontram principalmente nas personagens que encarnam os temas “polêmicos” que toda novela que se preza precisa abordar. A Heleninha Roitman que vejo hoje me parece bem mais interessante (na época eu a achava chata, provavelmente por conta da interpretação excessivamente dramatizada de Renata Sorrah, que eu não curto). A relação de Laís e Cecília marcou época, mas é engraçado ver como elas eram apresentadas como “amigas” e ninguém falava diretamente sobre o fato de obviamente serem um casal — até que uma delas morre e a questão da herança entra no meio. Tem sido interessante lembrar que estávamos saindo de um longo período em que produtos culturais e artísticos sofriam censura prévia, e que de repente se podia falar de certos assuntos. No Brasil de Damares, não sabemos até quando.

Há outra muitas reflexões possíveis, claro. Se quiser, deixe as suas nos comentários. Eu por aqui fico pensando que na verdade, fora cenários e figurinos, o Brasil de 2020 é de novo tristemente parecido com o de 1988.

-Monix-

Sobre banho e outras rotinas

Pessoal que chegou agora no home office, compulsório ou voluntário, sem planejar nem necessariamente desejar, uma dica muito importante: não esqueçam de tomar banho!

É sério. Cinco anos atrás, vocês sabem, eu pedi demissão de um emprego estável para trabalhar em casa por conta própria, movida principalmente pelo desejo de administrar meu próprio tempo. Naquele momento de tantas dúvidas (como vai ser minha rotina? vou conseguir clientes? vou ter disciplina para trabalhar todo dia?) um amigo que já estava há um tempo nesse mesmo caminho me deu esse conselho que agora repasso: não esqueça de tomar banho!

Parece piada, mas é verdade, pelo menos para mim. Muitas vezes passo o dia todo absorta, me dividindo entre o trabalho remunerado (demandas de clientes) e o trabalho doméstico (necessidades da família), e só na hora de dormir me dou conta: opa, ainda não tomei banho hoje!

***

Bem, nos últimos dias muitas pessoas com quem convivo (digitalmente, pessoal, estou no isolamento desde sexta passada) têm comentado que passaram a trabalhar em casa. Muitas nunca tiveram essa experiência, pelo menos não por longos períodos de tempo. Então me dei conta de que uma das coisas que posso fazer para contribuir nesse momento difícil é compartilhar com vocês minhas experiências e minha rotina. Cada um irá descobrir suas soluções, mas espero que esse post ajude de alguma forma.

Primeiro, uma palavrinha sobre infraestrutura. Quem fala sobre home office (e tem gente que posta conteúdo sobre isso já há muitos anos) costuma recomendar que se crie um espaço exclusivo para o trabalho, um canto separado na sala, um cômodo convertido em escritório, etc. No meu caso isso não é possível. Meu “escritório” fica no meu quarto. Isso não significa que eu não tenha um espaço onde possa me concentrar. Dispensei a mesinha de cabeceira e mandei fazer uma bancada de trabalho bonita, colorida, e principalmente, ampla. Mas falarei mais sobre infra a seguir.

Um pedacinho do meu “escritório”

Para o home office funcionar, o mais importante é conseguir criar e manter uma rotina que faça nosso corpo e nossa mente entenderem que o mesmo lugar pode servir para o descanso/lazer e para o trabalho. Todos os dias de manhã eu arrumo minha cama, inclusive colocando almofadas no encosto para dar uma cara de “sofá”. Troco de roupa, mesmo que seja um vestidinho de malha confortável (nos dias em que não há reuniões por vídeo). Transformo o quarto em escritório e começo o expediente.

Não sigo horários rígidos, mas mantenho certos hábitos mais ou menos consistentes (dependendo da agenda do dia). De manhã leio e-mails e resolvo assuntos tipo pagar contas, etc. Começo a dar andamento às tarefas do dia. Faço um pausa para o almoço, que inclui preparar a comida, servir, comer, lavar a louça. Ultimamente estava começando um novo hábito: dar uma caminhada de 20 minutos aqui na minha rua mesmo, para fazer a digestão, melhorar um pouco a circulação (fico muito tempo sentada) e pegar um solzinho. Suspendi temporariamente para evitar exposição, mas retomarei quando der. Volto para a bancada cheia de disposição e me concentro muito à tarde.

Aliás, essa é uma coisa que me espantou muito no início. As pessoas costumam dizer que trabalhar em casa é muito dispersivo, que há muitas distrações. De fato, nos primeiros meses isso acontecia sim, não vou negar. Mas depois que me acostumei com a rotina, a verdade é que acho o trabalho profundamente focado. Raramente sou interrompida. É muito comum eu trabalhar duas horas seguidas sem parar para nada, sem sentir o tempo passar.

Aí entra uma recomendação tão importante quanto lembrar de tomar banho: bebam água, amiguinhos! Eu não gosto de café (dsclp, gente!), então deixo uma garrafinha de água ao meu lado. É muito útil, especialmente durante reuniões por vídeo, quando falo mais. Mas o mais importante é fazer pausas ao longo do dia, levantar, esticar as pernas, ir ao banheiro. E voltar ao batente, que a vida não tá ganha, né?

Aos poucos fui entendendo que além do óbvio lado bom – ser dona do meu próprio tempo – a experiência de home office tem lá suas questões também. Hoje eu sou responsável direta por toda a minha infraestrutura de trabalho. Precisei fazer investimentos ao longo do tempo: internet de alta velocidade e estável; um bom computador desktop, com monitor grande, teclado e mouse, para dar conforto, e um notebook que não me deixe na mão; pacote Office original com direito a 1 Tera de armazenamento na nuvem, para garantir que meus arquivos não sejam perdidos por acidente; domínio e servidor de site e e-mail profissionais (eu separo o e-mail pessoal do profissional, senão não consigo administrar). E por fim, mas definitivamente não menos importante, uma cadeira bem confortável para dar sustentação à minha já calejada coluna vertebral.

Quando você decide trabalhar em casa, você vira seu próprio patrão, com todos os ônus de ser patrão. Inclusive o pagamento do “salário”. Sei qual é o valor estipulado que devo pagar a mim mesma. Em meses (raros) em que faço mais dinheiro do que preciso, deixo na conta pessoa jurídica ou invisto. Se ganhar menos, preciso completar com a reserva financeira que construí justamente para poder dar esse passo (e que graças à crise que nunca termina está bem minguada, infelizmente). Mas em suma, sei quanto eu tenho me pagar a mim mesma por mês, e isso é muito importante para não perder o controle dos gastos.

***

As próximas semanas (ou meses) vão ser difíceis. Nós nunca vivemos uma pandemia em um mundo totalmente globalizado. Por outro lado, nunca vivemos uma pandemia com tantos recursos para nos ajudar a enfrentá-la minimizando os impactos na economia.

Faz tempo que defendo a possibilidade de trabalho remoto, ainda que parcial, como uma forma de tornar as cidades lugares mais acolhedores. Menos pessoas se deslocando geram menos trânsito, menos poluição, menos estresse, e teoricamente mais tempo livre (embora na prática nem sempre isso aconteça). Desejo que esse momento tormentoso pelo menos sirva para o mundo repensar alguns hábitos que talvez já não fizessem mesmo tanto sentido.

E acima de tudo, torço para que passemos por essa com o mínimo de danos, que todos fiquem bem e seguros. Cuidemo-nos uns aos outros, está bem?

Update: uma coisa importante sobre rotina que quase esqueço de incluir aqui – se você tiver um horário certo para começar o expediente, tenha também um horário certo para encerrar os trabalhos. Se for como eu, sem rigidez de horários, estabeleça pelo menos um número total de horas a trabalhar por dia. Tão bom quanto começar o trabalho sem precisar sair de casa é encerrar o trabalho… e já estar em casa!

-Monix-

Desculpas

Nos tempos que correm, em que o tribunal da internet funciona célere e sem direito a recurso ou habeas corpus, com pessoas sendo “canceladas” (como se fossem um evento), e em que  o anonimato dá coragem momentânea a covardes permanentes, é preciso ter cuidado com o que se diz on ou off line. Estamos todos mais beligerantes, e também muito apressados e sobrecarregados, o que cria um ambiente propício à proliferação de mal-entendidos, juízos apressados e, claro, erros.

Por isso considero que tão ou mais importante que o cuidado com o discurso, a atenção no momento de pedir desculpas – pessoas físicas e jurídicas; usuários, influenciadores e marcas. Primeiro porque sua chance de errar ao fazer um post (ou simplesmente abrir a boca) é de pelo menos 50%. Mais cedo ou mais tarde você pode ofender, aborrecer ou incomodar alguém na praça pública que é a internet, com seus coretos diversos (twitter, facebook, etc). E depois porque um pedido de desculpas genérico, vago ou falso é feito roupa transparente: revela mais do que cobre; potencializa o erro ao invés de amenizá-lo.

Na minha cartilha as regras são duas e claras (como diria o Arnaldo)

  1. é sobre você ter errado, o foco são as suas desculpas

  2. seja breve: quanto mais você fala, menos convincente é

Explicando um pouco mais: muitos pedidos de desculpas tropeçam ao colocar em dúvida a ofensa – “desculpas se ofendi…” Irmão, se você não tem certeza se vacilou ou não, tá pedindo desculpas por que? Outro falha clássica é transferir o foco ( e, de maneira subliminar, a culpa) para o outro: “não entenderam”, “fui mal interpretado”. Novamente, se o problema é do outro, não cabe a você se desculpar, certo? Ou você não está realmente arrependido?

Sobre a regra 2, trata-se de uma questão de estilo que aprendi com o tempo. Ainda que você seja do tipo prolixo, sua desculpa deve ser objetiva, direta e curta, se possível condensada numa sentença. Se não for, provavelmente você está infringindo a regra 1.

Eu só me lembro de um caso, nos últimos anos, de um pedido de desculpas que desconsidera a segunda regra mas consegue enfatizar tremendamente a primeira; parece-me completamente sincero. Foi feito pelo fotógrafo An Le, responsável pela fotografia e pela edição da imagem em que o cabelo da atriz Lupita Nyong’o foi alterado na capa de uma revista. Em suas redes sociais, a atriz se disse decepcionada pela edição que apagou parte de seu cabelo “para se adequar a uma noção mais eurocêntrica do que é bonito”. An Le divulgou uma nota afirmando: “um erro monumental que fiz e gostaria de aproveitar para pedir desculpas a Nyong’o e a todos os outros que ofendi. Embora não fosse minha intenção ferir ninguém, posso ver agora que alterar a imagem de seu cabelo foi um ato incrivelmente prejudicial e doloroso. Não nasceu do ódio mas de sua própria ignorância e insensibilidade com o constante descaso com as mulheres negras em diferentes plataformas midiáticas.” (matéria sobre o caso, que aconteceu em 2017,  no Huffington Post)

Um raro exemplo de eloquente autocrítica. Na dúvida, fique com as duas regrinhas. 

Helê 

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