Casas e vidas

Ainda estou me instalando na Casa do Cinquenta, esta mudança compulsória à qual resisto pero no mucho, porque a alternativa, como se sabe, é muito pior. Então, resignada, tento me acomodar nessa casa com o que tenho, criando meu próprio espaço, rejeitando o que é preestabelecido apenas por conveniência e hábito, tentando reconhecer e aceitar limitações reais. Nada fácil – mas ninguém disse que seria.

Alguns esqueletos te acompanham de casa em casa — ainda que os armários sejam trocados. Haja terapia para faxinar os porões, espantar fantasminhas e bichos papões, desarmar gambiarras e bombas de auto sabotagem.

Mas, verdade seja dita, também carrego de moradas anteriores arcas repletas de amizades bordadas durante muitos anos, com fios preciosos de empatia, solidariedade, acolhimento. Decoro a Casa dos Cinquenta com peças valiosas: nas paredes e estantes há registros de momentos incríveis; pela sala espalho almofadas grandes e macias recheadas de abraços, luminárias de sorrisos; guardo potes de mantimentos com especiarias dos lugares por onde passei; tenho rede para sonhar e outras tantas coisas boas que fazem de uma casa um lar.

Uma coisa que reparei, nos últimos tempos, é que há uma mudança de perspectiva. Tenho experimentado certo estranhamento ao esbarrar em algumas lembranças que me parecem muito distantes, embora, em alguns casos, tenham acontecido poucos anos atrás. Passo por uma rua que costumava ser um itinerário frequente mas saiu da minha rota e tenho essa sensação que vivi ali uma outra vida. Porque não se trata apenas do lugar: também muito do que eu pensava, queria, esperava então difere de hoje; percebo a mudança de atmosfera, outro cenário, trilha sonora, todo um conjunto de elementos familiares que se tornaram apenas reconhecíveis, como uma cidade visitada há muito tempo. Outra vida.

Talvez não seja uma exclusividade felina ter várias.

Helê

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A propósito

“Respeite seus pais. Eles fizeram o Ensino Médio sem Google nem Wikipedia” (tradução livre, leve e solta)

Como diria a diva Aretha Franklin, R-E–S- P-E-C-T!

Helê

Um Bansky

Eu sei que o Ricardinho vai vir aqui discordar, mas eu sinto o peso da idade, e nos momentos mais inesperados. Ao ver essa imagem, por exemplo: me identifico imediatamente com a senhorinha, gente. Quer dizer.

Helê

Resumindo

(Eventually)

Helê

Percepção

*Da série ‘E-mails que viraram posts’

Vou te contar um segredinho, daqui do Casa dos 40: volta e meia eu me deparo com fotos minhas antigas em que eu me acho muito bem, bonita, atraente, magra até. E sabe o que é doloroso, talvez mais até do que não me sentir assim agora? É constatar que eu era gostosa e não sabia, porque me lembro claramente que naquele momento da foto eu estava me achando gorda, feia, esquisita ou sabe lá o quê mais (e não estou falando da adolescência, período em que a gente se sente esquisito a maior parte do tempo) . E qual não foi a minha surpresa ao constatar que o fenômemo é coletivo: outro dia, numa mesa com várias mulheres da mesma faixa etária, todos ainda belas e desejáveis, todas elas disseram experimentar a mesma triste sensação: se olham em fotos de 10, 5, 3 anos atrás e percebem que estavam muito melhor do que achavam então.

Dá certa angústia, mas pode ser encarado de outra forma também: vai que eu tô gostosa agora e também não sei? Heim? Heim? Tá, #Pollyanafellings, eu sei, mas antes isso, que eu não tenho vocação pra tristeza . Envelhecer não é fácil, J., e pra mim começou nessa mesma época – quando eu passei a reparar nos mais jovens que eu. Mas em geral o desconforto, antes de ser físico,  tem a ver com projetos inacabados, sonhos negligencicados, falta de rumo. E, nesse contexto, não apenas a grama do vizinho parece mais verde, mas nosso passado também torna-se mais interessante de ser lembrado que foi de ser vivido.

(

(Via Tudo ao mesmo tempo agora)

Talvez eu aproveite algum pedaço desse e-mail para um post futuro. Com certeza aproveitarei pra mim mesma, porque algumas certezas só mantém a firmeza na forma de conselho prozoutros – tornam-se maleáveis demais quando  somos nós mesmos acometidos de insegurança. Porque já isse o Erhman, citado pelo Russo, “muitos temores nascem do cansaço e da solidão”. E alguns desejos também.

Parabéns, Geide, seja bem-vinda. A Casa dos Quarenta tem uma boa vista, excelentes companhias  e é mais ampla e acolhedora por dentro que por fora. Seja feliz e divirta-se. Aquele Abraço!

Helê

PS: O e-mail eu escrevi para um amigo, meses atrás. Durante a escrita percebi que poderia virar um post; acabei escolhendo hoje como um presentim para  a Geide,  que chega a Casa hoje.:-)

Um novo paradigma

“Segundo a OMS, o envelhecimento populacional impõe – por razões econômicas de Estado e por motivos psicológicos individuais e sociais – uma prorrogação da fase laboral ou um adiamento da aposentadoria. No entanto, as políticas públicas devem trabalhar a favor de um processo de convencimento e criar condições sociais e legais para a sociedade atingir essa meta sem fazer concessões às visões preconceituosas da figura do idoso. De acordo com a OMS, o novo paradigma a ser adotado desafia o ponto de vista tradicional de que aprender é função de crianças, trabalhar, dos adultos, e aposentar-se, dos idosos. [grifo meu]

“Viver muito: outras ideias sobre envelhecer bem no sec .21 ( e como isso afeta o seu futuro)”, Jorge Félix (Ed. LeYa)

(via Alessandro Martins)

Achei o conceito revolucionário, uma maneira absolutamente desafiadora de olhar para o mundo. Gostei.

Helê

In between

Estive numa festa, já faz uns anos, em que senti assim, in between. Era aniversário de uma pessoa muito querida que fazia 25 anos; então na festa tinha a galera dela, nesta faixa de idade, e os amigos da mãe dela, ali entre os cinquenta ou mais. De modo que eu fiquei in between – mais enturmada com a garotada, confesso.

No meio do papo com um surfista eu disse que antes de envelhecer queria aprender a surfar. Daí o interlocutor respondeu: “E eu quero fazer vôo livre antes dos 30!” Então me dei conta que, pra ele, eu já tinha envelhecido. Mas o mesmo cidadão me acudiu quando disse que na vida é preciso plantar uma árvore, ter um filho e publicar algo na internet. “Ué, mas não era escrever um livro?”, perguntei curiosa e já remoçada. Ao que ele respondeu: “Não, o que importa hoje é comunicar, e o mais rápido possível”.  Fingindo modéstia disse que tinha um blogue, e ele ratificou: “Então você está totalmente up to date!”.

Compreendi afinal que envelhecer é caminho sinuoso, nada linear ou previsível: a gente vira uma curva de repente se sente mais moderna e jovem do que duas ladeiras atrás; sai de um túnel e alguns anos se passaram. Interessante, emocionante, surpreendente.  Sigamos, pois.

most beautiful highway

Helê,

aproveitando um rascunho de 2 ou 3 anos atrás, que precisava mesmo desse tempo pra amadurecer e virar post.

Aging

Helê

Elogio

O endocrinologista disse que meu lipidograma está “de dar inveja”.  Não sei exatamente a quem – mas eu também não sou de ficar mostrando meu lipidograma assim, pra qualquer um. Já que ele diz,  vou experimentar mostrá-lo na mesa de bar pra ver se causa sensação.

Helê

Uma imagem, uma canção

A canção:  Sou uma criança não entendo nada, do Tremendão Erasmo Carlos. Disponível no Dufas Dial.

Antigamente quando eu me excedia
Ou fazia alguma coisa errada
Naturalmente minha mãe dizia:
“Ele é uma criança, não entende nada”…

Por dentro eu ria
Satisfeito e mudo
Eu era um homem
E entendia tudo…

Hoje só com meus problemas
Rezo muito, mas eu não me iludo
Sempre me dizem quando fico sério:
“Ele é um homem e entende tudo”…

Por dentro com
A alma tarantada
Sou uma criança
Não entendo nada…

Bom finde.

Helê

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