Juju faz 15

Quinze anos minha filha faz hoje. Quinze anos. Um susto – porque afinal passou depressa (como tudo tem que passar, diz o Gil).

No início não era o verbo, era só presença, em geral calma, e logo, alegre. Não lembro direito quando sentou ou engatinhou, mas sei que sorriu aos dois meses – e não parou mais. E então fez-se a luz.

Uma aventura sem fim, essa de tornar-se mãe, pouco a pouco mas profundamente, como se ao invés de trocar de pele fossem crescendo outras camadas internas. Com ela virei adulta definitivamente (ainda que com recaídas).

Um espanto: como foi que surgiu essa pessoa, onde foi que acertei, o que vem de mim e o que não me cabe nem me diz respeito? É certo que esbarramos no pacote de autoestima na preparação e derramamos demais, mas acertamos em outras medidas. Ou tudo é alquimia e mistério? Jamais saberei, nunca desistirei de descobrir.

Uma graça que eu não canso de agradecer. Uma surpresa recheada de surpresas sucessivas que eu gosto de admirar crescendo e virando quem ela deve ser.

A Vera ontem lembrou um trecho do “Grande Sertão: Veredas”: “O menino nasceu e o mundo tornou a recomeçar”. O meu mundo recomeça cada vez que ela sorri pra mim. Há quinze anos.

Pensando bem, no início o verbo era amar, filha – e para você sempre será.

 

 

Que sejam felizes todos os próximos anos da sua vida.

Helê

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Afromatrioska

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(Personal Illustration 2015 summer por Karol Banach em Behance)

Helê

 

Sob o sol de Libra

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Sobre esse lugar in between, privilegiado e  kinda angustiante, der ser mãe e filha e de estar mais ou menos no meio da vida. A proto adolescente, como sempre falando 17 assuntos por minuto,  comenta, naquela zona nebulosa e brilhante entre o sério e o divertido, que  uma das maravilhas de crescer vai ser não ter que contar pros pais que tirou nota baixa. Porque,  tipo, se não conseguir, assim, entregar um relatório no trabalho, quando eu for adulta, qualquer coisa assim, não vou  precisar contar pra pai e mãe, que é tipo, uma parada mega tensa!. E concluiu com a seguinte frase: “Porque é muito ruim precisar da aprovação de pai e mãe, cara!!!”

Entendi o que ela disse com o coração, que chegou a pesar, dividido feito uma laranja. Minha reação foi pegá-la no colo – ou o mais próximo disso que ainda consigo -, e responder como filha, como quem entrega um segredo: “O problema é que a gente passa a vida toda esperando a aprovação dos pais”. Ela arregalhou os olhos: “Sééério???” E seguiu direta e reta, como de costume: “E você procura aprovação do seu pai até hoje?!?!” Desviei como quem esquiva de um golpe de capoeira e completei a resposta anterior, agora como mãe, fazendo um cafuné: “Acontece que vocês são muito bobinhos que não sabem que a gente sempre aprova vocês em tudo!”. Risadas, carinhos  e logo 27 novos assuntos inundaram a sala. Embora eu siga até agora librianamente dividida e tocada por essa conversa despretensiosa de uma segunda-feira idem.

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(por valeriahernan em Flickr)

Helê

Mothernidade 2.0 ou What’s up: como usar

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Helê, mãe – mas pode me chamar de Google

Espelho

Filha veio encontrar comigo no trabalho,  no fim do expediente. Saindo de casa, manda um what’s up:

– Tô saindo.

E eu:

– Traz um casaquinho.

Nos encontramos, entramos no ônibus e eu ligo pra minha mãe:

– Oi, mãe. É que eu tô indo jantar com uns amigos, queria saber se tá tudo bem…

E ela:

– Leva um casaco.

Me senti dentro de uma matrioska.

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Helê

Plano

Então eu estou gribada, como já disse alhures. Nada grave, só muito atchim!, saúde, brigada. E moleza no corpo, sem correr :-(  e com mais carência que a média diária permitida por lei. E começam os muitos compromissos nessa época do ano, os inescapáveis, os ininputáveis, os que caem no seu colo e você nem sabe como; providências, caixinhas, decorações precoces como ejaculações, a primavera virando verão, esse mormaço horroroso, coisas que me deixam um tanto atarantada, em resumo. Daí que eu tinha hoje que ir a um “show de talentos” na escola da filha.  Que se apresentaria – mas ela não quis adiantar nada sobre o número. Tá, vou tentar sair mais cedo (do trabalho), chegar mais tarde (no show), comprar o quilo-não-perecível no caminho, saúde, atchim!, obrigada, não necessariamente nessa ordem. Confesso que não me preocupei até que comentei com alguém no trabalho, que fez uma cara de o-que- é-que-essa-menina-vai-aprontar? Minha filha pré-adole criativa e desinibida poderia fazer qualquer coisa, indeed.  Não chegava a ser caso pra ficar nervosa – nem dava tempo. Deu, claro, para alguma culpa (sempre!), e rápido debate mental inconclusivo (“Como assim eu não sei? Devia ter insistido pra saber. Ou não, né, dar liberdade e confiar, não é assim que faz?). Ok, me internem (na ala das mothens, please). Mas nessas horas o que me salva é o meu senso prático: ao invés de me perder em elocubrações eu adoto uma política de redução de danos. Preciso de um plano, e logo que formulo um, relaxo. Seja lá o que for que essa criança inventar, se nada der certo, o que eu faço? Subo no palco com ela, como em “Little Miss Sunshine”. Pronto. Atchim!, saúde, brigada.

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Helê

PS: Nem foi preciso ;-)  .

Só as mães são felizes?

Então liguei para casa para avisar que já estava chegando, num horário em que a pessoa [já nem tão] pequena costuma estar pronta para a escola. A primeira ligação caiu na secretária eletrônica, chamei carinhosamente por ela; na segunda, secretária de novo, comecei a ficar brava, mas me controlei; na terceira já estava p*ta, imaginando a pessoa ouvindo música alta enquanto minha preocupação aumentava na mesma proporção. Em resumo, foram 10 ligações até chegar, abrir a porta, chamar,  a pessoa não responder  e a alma deixar o corpo por instantes infinitos. Entre a porta de entrada e o quarto, separados por menos de quatro passos, o que a pessoa [que deveria ser] grande pensa? Caiu no banheiro, bateu a cabeça e está desacordada. Claro. Aí depara-se com a inocente  dormindo. E só então percebe que sequer cogitou a hipótese extraordinariamente provável de a criança ter perdido a hora.

Quer dizer.

Você, companheira mãe, não se engane. Você ainda é aquela que acordava de madrugada pra ver se o bebê tava respirando. Muda o berço, o bebê (um pouco) e a hipótese, mas você é a mesma. Sua mente continua dotada de velocidade supersônica de pensar merda. Mãe: uma condição que não tem cura.

Cá entre nós: ainda bem :-) ♥.

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(mother and son, 1962 • walter chappell do Ilpost.it)

Helê

E se fosse a mãe?

As fotos de Dave Engledow rapidamente tornaram-se populares na internet  e – num movimento cada vez mais comum -, acabaram virando notícia também na mídia tradicional. Tudo porque o fotógrafo  criou uma série em que aparece como  “o melhor pai do mundo”, só que não: em todas as fotos ele está com a filha Alice em situações perigosas ou, no mínimo,  inadequadas.

Achei as fotos divertiíssimas, e  logo que vi pensei: “Só podia ser um pai”. Tenho a impressão que eles tendem a ter um humor muito próprio no exercício da paternidade, um ‘relax’ que as mães não experimentam na mesma medida. Essas afirmações contém, claro, o perigo de todas as generalizações e, sim, estão previstas as proverbiais exceções. Mas, na boa, você imagina uma mãe nessas poses?

Bem, se alguma pensar em fazê-lo eu desaconselho, por muito menos outras foram queimadas na fogueira da internet. Li comentários raivosos sobre a mãe que fotografava a filha dormindo em diferentes cenários. A maternidade continua sendo território livre em que todo mundo se sente completamente à vontade para dar palpite não-solicitado. Fosse uma mãe a fotógrafa e ela seria processada por negligência num clique.

Mas preciso admitir que o inferno não são os outros, apenas: nós mães tendemos a ser reverentes demais, preocupadas com a opinião alheia, tensas (olha a generalização de novo aí, gente! Chora cavaco!) .

Voltando aos pais: reconheço que o desprendimento que identifico neles tem relação com a cobrança menor (e, consequentemente, um reconhecimento excessivo: já viu como são admirados quando desempenham a heroica tarefa de… trocar uma fralda?).  Talvez eles simplesmente possam ser mais leves porque não sentem a mesma pressão que as mulheres. (Não que estejam livres de tensões e preocupações, isso faz parte da descrição do cargo.)

Meu ponto é o seguinte: paternidade e maternidade diferem em vários aspectos, há um jeito masculino e um feminino de ‘parenting‘ (palavra inglesa que eu adoro e designa essa tarefa hercúlea, fascinante e única que é criar filhotes humanos). Não há melhor ou pior, mas suspeito que sairemos todos ganhando se pudermos observar os modos do outro com curiosidade, respeito e a mente aberta para adotar novas práticas e abandonar antigos vícios. Pode ser bacana para nós, mães, exercitar mais esse lado irreverente e relax. Eu, pelo menos, tento.

Helê

A propósito

“Respeite seus pais. Eles fizeram o Ensino Médio sem Google nem Wikipedia” (tradução livre, leve e solta)

Como diria a diva Aretha Franklin, R-E–S- P-E-C-T!

Helê

Filho não é a mesma coisa que criança

O síndico da blogosfera já dizia que gostar de crianças é diferente de querer ter filhos. Ao que nós podemos contrapor: por sua, vez, querer ter filhos não necessariamente é a mesma coisa que gostar de crianças.

Pensem com a gente: bebês crescem, viram crianças, depois pré-adolescentes e adolescentes. Num estalar de dedos (o tempo voa, minha gente), seu bebê é um adulto. A infância provavelmente representará a menor parte do relacionamento de uma mãe (ou pai) com seu(s) filho(s). Todos nós somos adultos e quase todos temos pai e mãe, não é? Se a gente pensar bem, são 10 anos de infância, mais uns 8 de adolescência e o resto da vida – estamos falando de um período de 50 anos antes de passarmos desta para a melhor? – para conviver com nossos filhos em idade adulta.

Ter filhos tem a ver com gerar, criar, amar. Ter filhos não necessariamente tem a ver com gostar de criança, ter jeito para brincadeiras, criatividade para festinhas, disposição para acordar de madrugada, paciência para montar quebra-cabeças, memória para decorar o nome de todos os alienígenas do Ben 10, ou saco pra assistir Hanna Montana. Pode ter a ver, mas não necessariamente.

Há coisas mais importantes que tudo isso: saber encontrar o equilíbrio entre a autoridade necessária e o autoritarismo indesejável; ter responsabilidade para identificar o que é melhor para seu filho; ter maturidade para ser aquela chata que não deixa nada, sem medo de não ganhar o troféu de popularidade (mãe é pra isso, também); ter sensibilidade para perceber os sinais que as crianças nos enviam; conseguir viver nossas próprias vidas sem abrir mão de estar presente na vida deles.

E o mais legal de tudo isso é que de repente a gente se pega até curtindo a produção da festinha, a brincadeira de boneca/herói, a montagem do quebra-cabeças.

Duas Fridas

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