Rio de tristeza

Da série “Análises Políticas em Mesa de Bar”:

– Essa merda desse país acabou.

– E o Rio de Janeiro, que sempre foi vanguarda, acabou primeiro.

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Visitando o Parque Lage, uma das variadas facetas da Floresta da Tijuca, penso: nada pode morrer no entorno dessa floresta magnífica. Ou, por outra, tudo ao seu redor sobrevive, apesar. Talvez o Rio ainda não tenha sucumbindo totalmente, deslizando derrotado pela Baía de Guanabara adentro, porque essa larga formação rochosa, que se esparrama pelas zonas sul, norte e oeste, ainda nos retém, finca no solo uma esperança irracional, mas atávica.  Nessa cadeia de montanhas verde e rocha, o Cristo tem fama mas figura como um adorno,  um piercing delicado; quem reina absoluto,
muito antes do Redentor, é o gigante sisudo da Pedra da Gávea, carranca assombrada com o que fizemos de nós. Na Floresta da Tijuca, desconfio, reside o verdadeiro espírito carioca, ancestral miscigenado dos indígenas daqui e dos africanos trazidos à força do outro lado do Atlântico. Rogo que ele possa nos redimir e refundar a cidade que se formou ao redor da Floresta de maneira selvagem e incivilizada.

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Um dia após a visita ao Lage, num domingo outonal – ou seja, de clima ameno, céu límpido e azul arrebatador – surpreendi o Cristo num ângulo inesperado (inacreditável, mas eles existem) – e senti aquela reincidência de amor, um reapaixonamento fulminante pela cidade. Logo depois eu tive uma triste epifania: constatei que o Rio, meus amigos, é uma miragem. Pense no que há de mais sedutor, desejável, deslumbrante nessa palavra. Pense também em tudo o que ela carrega de ilusório, decepcionante, brutal. O Rio de Janeiro é uma miragem.

Helê

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Marli

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Sobre feminismo, origens e referências, eu queria dizer que Marli Pereira Soares foi minha primeira representação de mulher maravilha. Sim, teve a Malu Mulher, a Linda Carter, a TV Mulher, a Simone cantando “Começar de novo” e emocionando a minha mãe, recém-separada. E teve também a Marli. Lembro com uma clareza impressionante (para quem tem a memória esburacada feito a minha) dessa mulher dizendo “Tenho pavor de barata. De polícia, não”. E da foto dela passando em revista um batalhão e apontando os responsáveis pela morte do irmão. Isso em 1979, em plena ditadura militar – e eu com longínquos 10 anos de idade. Marli Pereira, uma precursora na coragem e no sofrimento de milhares de mulheres negras brasileiras que choram seus parentes mortos pelo Estado – seja por omissão, incompetência ou genocídio puro e simples.

Helê

Rio 2016, vésperas

“Quem meu filho beija, minha boca adoça”. Parte do acervo moral e afetivo da minha família, esse ditado me ocorreu quando um casal de amigos mineiros descreveu, com evidente encantamento, os dias em que estiveram no Rio de Janeiro, na semana passada. Com a intenção de justificar um não-encontro, contaram do roteiro que fizeram, uma verdadeira imersão no Centro, visitando tesouros  pouco valorizados como o Real Gabinete Português de Leitura, igrejas centenárias, botequins honestos, palácios, museus. Nem chegaram ao porto olímpico, nem subiram ao Cristo ou Santa Teresa; mergulhados nas ruas e vielas históricas onde a cidade começou descobriram um Rio que não se exibe mas que se dá a conhecer a quem dele se aproxima com interesse legítimo. A descrição empolgada, o carinho para se referir ao Rio e a alegria verdadeira me deixaram feliz por tabela, apenas por saber que eles foram felizes aqui, nessa cidade que eu amo tanto, apesar.

Parei no apesar porque não teríamos tempo para listar todos os pesares, e não é deles que quero falar. Ou não apenas. As adversidades e desvantagens de viver no Rio de Janeiro me parecem de demônio público: são muitas e todo mundo sabe e fala delas constantemente. Ainda assim, não conseguimos saída para a inadimplência ética crônica em que vivemos, (des)governados por políticos vis e vigiados por uma polícia assassina.

Galotti e Pedro Paulo Malta no lançamento do livro de Custódio Coimbra e Cristina Chacel, "Guanabara espelho do Rio"

Eu procuro saídas que não estejam no aeroporto; eu quero saber do que pode dar certo (tenho cada vez menos tempo a perder; envelheço – como os Titãs). Quero saber de iniciativas inovadoras, de alternativas, do Rio que insiste e persiste, apesar. Da Livraria Folha Seca, que promoveu uma roda de samba para o lançamento de um livro sobre a Baía de Guanabara, com o auxílio luxuoso do prof. Simas contando histórias da cidade entre uma música e outra. Do espetáculo Primavera das Mulheres, que me emocionou até a raiz dos cabelos e me deu uma dose do que eu não encontrava há tempos: esperança. Do samba na rua escondido em uma transversal da Tiradentes e do que encontrei aqui, na minha rua, sem propaganda ou alarde, comendo solto em plena tarde de domingo e acolhendo desavisados feito eu.

Na véspera da Olimpíada – literalmente – tenho sentimentos contraditórios. A cidade sabe e gosta de receber grandes eventos e levas de estrangeiros (tese defendida pela sócia há muitos carnavais). A gente tem prazer em ajudar o gringo a pedir café da manhã na padaria em Vista Alegre (né, Yabeta? ;-) ). E houve ganhos urbanos inegáveis (embora, depois da tragédia da queda da ciclovia, tudo tenha ganhado uma demão de suspeita no tocante à qualidade). Mas a que custo foram feitas essas melhorias só podem contabilizar as pessoas removidas da Vila Autódromo ou da região do porto. Foram mais de 6o mil remoções, mais do que na famosa (e também violenta) reforma de Pereira Passos. Do preço a ser pago pelo decantado legado podem falar as mães e pais de Costa Barros que a tristeza ainda não matou, para citar apenas um caso entre centenas em que negros pobres foram mortos por policiais que permanecem impunes. Tudo isso, e mais a conjuntura golpista,  deu uma freada no entusiasmo carioca. Percebo um quase constrangimento quando alguns falam sobre os ingressos que compraram, como se a gente ficassem meio sem graça de participar e gostar de um evento realizado dessa forma, cuja conta nós vamos pagar sem ter quem rache conosco.

O livro “Olympic Favela”, do fotógrafo Marc Ohrem-Leclef, revela a emoção e luta de pessoas de 13 favelas cariocas afetadas pela remoção em virtude dos megaeventos esportivos.

Por outro lado, quase todo mundo conhece alguém que está trabalhando diretamente no evento e que, inserido nas entranhas dos acontecimentos, está entusiasmado com o que de fato é, ou deveria ser, uma Olimpíada, um momento único de congraçamento. Essa visão acaba por nos contagiar positivamente;  a gente lembra porque esse circo foi armado e pensa que, ah, vai, pode ser bacana. Mas a empolgação incipiente esbarra em camadas de propaganda, marcas, negócios e rede globo que embalam o evento. Em meio a tudo isso, lá no caroço, tem o ideal olímpico e tal, mas para chegar até ele a gente tem que aturar uma quantidade enorme de supérfluos, como a bola gigantesca de uma marca de cerveja à beira da Baía de Guanabara e ouvir ad nauseam a estúpida expressão “família olímpica”, bizarrice que combina com coração feito com as mãos e #gratidão. Eu golfo feito bebê toda vez que ouço.

Pensando bem, sentimentos conflitantes são o default de quem vive aqui. É que nesses momentos de superexposição tudo se amplia, potencializa, então o bom vira ótimo, e o ruim fica péssimo. Eu vou torcer pela paz, como diria Jorge Benjor, e esperar pelo melhor. Ouvi de fonte segura que o  espírito olímpico já chegou: baixou num terreiro na zona oeste e ainda não sabe usar o BRT. Mas já pegou uma van e já, já chega aí.

Helê

Imagens: 1ª Galotti e Pedro Paulo Malta na roda de samba do lançamento do livro de Custódio Coimbra e Cristina Chacel, “Guanabara espelho do Rio”.
2ª: O livro “Olympic Favela”, do fotógrafo Marc Ohrem-Leclef, revela a emoção e luta de pessoas de 13 favelas cariocas afetadas pela remoção em virtude dos megaeventos esportivos. Outra referência sobre o tema é SMH 2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico, da Mórula, com o apoio da  Fundação Heinrich Böll. (Olha o jabá de amizade aqui, Manoela! :D ).

Uma cidade maravilhosa, de fato

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Eu quero viver em uma cidade onde o medo não tenha lugar nem poder

(visual-poetry: »i want to live in a city where…« by martin firrell (+)

Helê

Tijucamérica

Lembro de quando conheci o livro, ou quando tomei conhecimento de sua existência. Foi numa noite memorável, em que saí à procura de alento e encontrei cerveja e celebração. Era o segundo turno da eleição presidencial do ano passado, e durante todo o dia o fogo cruzado de informações contraditórias, alarmistas e preocupantes deixou o meu sistema muito nervoso. Aí a Lôra disse que tava no bar com uma turma bacana e lá fui eu. Ângela foi me apresentando aos outros ansiosos eleitores da Dilma enquanto acompanhávamos a apuração. Depois de algum sofrimento, comemoramos como se fosse um campeonato – embora desde então a minha alegria fosse menos com a “nossa” vitória e mais pela derrota do outro. A turma foi crescendo até que alguém sugeriu: “Vamos pro Chico!”, e segui como se soubesse onde era. Já não importava o destino, eu havia sido incorporada ao grupo e era boa a companhia. Além 544913_826520687368508_4574069953765195040_nda Lôra e do Cláudio, gente interessante como o professor Luiz Antônio Simas e o jornalista José Trajano. Como defini mais tarde, estava entre a fina flor da esquerda tijucana, todos espontanea e momentaneamente irmanados — ainda que fosse possível perceber variados tons de vermelho entre nós. No rubro mais extremo, o do América, estava  o Trajano, que entre uma gelada e outra comentou sobre o livro que estava para lançar. Era uma história meio doida e divertida sobre craques revividos, que misturava inadivertidamente realidade e ficção.  


“Tijucamérica” foi lançado  em agosto no mesmo Bar do Chico. A Lôra me esperava com o meu exemplar, e consegui um autógrafo do autor, embebido em carinho e cerveja. Gentilíssimo, Trajano disse lembrar de mim e da noite da eleição; achei improvável, mas retribui a deferência escolhendo acreditar. Quando iniciei a leitura, uns dias depois,  não demorou para que eu fosse fisgada por esse  verdadeiro vaudeville carioca, ou seja lá qual for o  gênero em que caiba o enredo anárquico do Trajano. No livro, ele convoca uma seleção de religiosos pra lá de ecumênica e traz de volta grandes craques do seu Ameriquinha. Pretende reverter a decadência do clube e vê-lo campeão, levantando o moral da Tijuca lato sensu, aquela que começa nas imediações do Estácio e mistura fronteiras com a Muda, o Alto da Boa Vista, Grajaú e Vila Isabel, sem demarcações rígidas. Como um bom drible,  o livro finge que é sobre algo mas não é exatamente sobre aquilo  – ou é, mas não apenas. Parece que vai ser sobre o América mas vai além, contando saborosas histórias do futebol carioca e brasileiro. Esmiuça a história da Tijuca como eu nunca li antes, mas ultrapassa seus limites: também88128_gg  é sobre o Rio de Janeiro, sua gente, seus ídolos e ícones. Entretanto, em “Tijucamérica” os contornos da cidade não são delineados pela orla, mas pelo relevo dessa terra entre morros, banhada pelo rio Maracanã e coroada pelo estádio de mesmo nome. Há inúmeras estatísticas futebolísticas, escalações e placares, mas o futebol serve mesmo como lente através da qual Trajano olha para o Rio, o Brasil e também para a própria vida (desconfio que, no fundo no fundo, trata-se de um bem disfarçado livro de memórias). Essa ode irreverente à  Tijuca e ao subúrbio me divertiu, instruiu e comoveu – mais ou menos como aquele encontro com uma turma de sonhadores renitentes numa certa noite de outubro de 2014. O fecho de um  ciclo completo, redondo como deve descer uma cerveja gelada, encantador como uma tabela bem feita. Intensificou o sentimento pela minha aldeia, seus personagens e amigos como a Ângela: Tijucamor.

Helê

A quem interessar possa

Declaração de voto: Marcelo Freixo & Eliomar Coelho

Helê

Aquele Abraço, Rio!

Celebrando o aniversário dessa senhora de 447 anos , outros ângulos da cidade:

Avenida Presidente Vargas, sentido zona norte, com o relógio da Central à direita

(Skyscrapercity)
Panorâmica de Bangu, zona oeste do Rio
(Foto de Ricardo Barradas)
A antiga fábrica de tecidos (da canção Três Apitos, de Noel Rosa) em Vila Isabel, zona norte
(Skyscrapercity)
Cordovil, subúrbio (“Lá não tem claro-escuro/A luz é dura/A chapa é quente”  – Subúrbio, Chico Buarque)
(Skyscrapercity)

Oswaldo Cruz (“Casas sem cor/Ruas de pó, cidade/Que não se pinta/Que é sem vaidade” CB)

(Skyscrapercity)
Inspirada pela garbosa amiga Tati Duarte, suburbana como eu, Parasita de primeira geração, carioca apaixonada como todos .
Helê

A cidade e as serras (aterradas)

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Largo da Carioca, de 1608 a 1999

Não sei quanto a vocês, mas eu sempre tive enorme curiosidade de saber como terá sido a cidade antes de chegar a ser o que é hoje. Sei que foram feitos inúmeros aterros, sei do desmonte do Morro do Castelo, sei que a orla da baía chegava até a metade do que hoje chamamos Praça XV. Mas, como boa taurina que sou, tenho dificuldade de enxergar no plano abstrato, meu raciocínio é muito concreto. Por isso adorei esse site, que mostra em animações muito bem feitas as mudanças promovidas no espaço geográfico, dos tempos coloniais até os dias de hoje. Vale a pena conferir, especialmente se você conhece o Rio de Janeiro – mesmo que seja por cartão postal.

-Monix-

Eleições – agora um assunto

Bom, como sempre, houve o que comemorar e o que lamentar. Como eu prefiro, de um modo geral, look on the bright side, comemoro:

– Maluf derrotadíssimo em São Paulo

– Crivella fora do 2º turno

– Acêemezinho fora do 2º turno em Salvador

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No domingo à noite os “analistas” da Globonews repetiam à exaustão que os números de Gabeira se deviam ao fato de que as urnas dos subúrbios ainda não tinham sido computadas. Tá. Isso com 45% de apuração. Só que com 75%, o papo era o mesmo, e aí começou a pegar mal.

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Aliás, a Mônica Coringa Waldvogel entrevistou um so called especialista, que eu esqueci o nome, que começou a analisar as eleições paulistanas, dizendo que o 2º turno é uma outra eleição, que é quando se desenham as alianças… Mudei de canal. Ah, fala sério, precisa ser cientista político pra dizer isso?

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Sim, o Chico Alencar tem razão, foi uma eleição despolitizada, fria. Não se via muitos adesivos, bottons, nem se falava muito sobre eleições no Rio, a bem da verdade. Agora a coisa vai mudar de figura, acho que a candidatura do Gabeira tem potencial pra empolgar, e o outro vai pegar pesado, embora tentando fazer de conta que não. Quer ver como? A capa do Globo de hoje estampa o outro fazendo campanha e o Gabeira saindo da piscina do Flamengo, onde nadou ontem pela manhã. Nada de mais, né? É, pode ser. Mas eu achei que era uma maneira de citar a história da tanga sem citar. Ou, no mínimo, mostrar um trabalhando e o outro não.

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E eu dizia ontem pro Luba que o Gabeira conseguiu trocar a imagem de porra-louca-zona-sul pela de político sério, utilizando de modo inteligente – e incessante – o vídeo do discurso dele contra o Severino Cavalcante na campanha da tevê. Hoje de manhã o Lu dizia “É, eu acho que ninguém vai usar essa história da tanguinha, ninguém vai usar uma baixaria dessas…” Aí eu vi a capa do Globo e pensei: usar a tanga não, mas fazer uma alusão…

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Aliás, o Globo se esmera no reacionarismo, né? E vem chumbo grosso por aí, podem aguardar. A manchete do dia das eleições era uma imensa foto da favela do Vidigal e a pergunta “Quem vai dar um jeito nisso?”.  Uma ode ao preconceito, não? O que é “isso”, exatamente? As favelas, os “favelados”?  As favelas que se expandem pela zona sul da cidade – porque o Vidigal e não o Complexo do alemão, por exemplo? Na zona norte pode? Como é que um chamado grande jornal se refere dessa maneira desrespeitosa, pra dizer o mínimo, ao local de moradia de cerca de 20% da população carioca – e de 35% da população brasileira?

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Na Tijuca, Gabeira deu de 45% a 25% no outro. Fiquei feliz com meu bairro.

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Lembrancinha: Gabeira foi incentivado a se candidatar, e a primeira vez que ouvi falar sobre a candidatura dele foi aqui na blogosfera. Só pra registrar.

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E voltando ao post de domingo: pensei depois que eu mudei meu título quando estava grávida da minha filha; votei de barrigão no Lula em 2002 (e fui pra Cinelândia comemorar com um barrigão ainda maior). Repeti o voto em 2006, e dessa vez ela apertou o confirma e apontou feliz da vida pra máquina: “Olha o Lula, mãe, o nosso Lula!”. Domingo lá fomos nós outra vez votar juntinhas. Pensando bem, às vezes umas tradições precisam morrer pra dar lugar a outras.

Helê

Supercarioca

O Supercarioca chegou
Com seus emblemas culturais
Com samba praia bola e tantas coisas mais
O Supercarioca chegou
Esquecendo a vida entre copos de cerveja
Quando se chutam latas sempre se faz
Mais que um gol!
Picassos Falsos

Quem lê este blog sabe do tanto que eu me ufano do Rio de Janeiro. A cidade é linda, isso não se discute. E tem o charme incomparável de ser habitada por cariocas, de nascença ou por merecimento, pois é claro que ser carioca não é para qualquer um – sendo que, no fim das contas, é para qualquer um.

Só que nos últimos tempos a informalidade e a descontração carioquíssimas por natureza estão se transmutando em seu oposto energético, que se traduz, como diz um amigo, em bundalelê puro e simples. Me sinto vivendo num território sem lei. O jeito meio irreverente de quem vive aqui virou desprezo pelas mínimas regras de civilidade. As pessoas não atravessam a rua (faixa de pedestres? O que é isso?), elas se jogam no meio dos carros, e salve-se quem puder. A seta é um item que só serve para fazer os carros serem reprovados na vistoria do Detran – isto é, quando o motorista em questão se dá ao trabalho de levar o carro para fazer a vistoria, o que nem sempre acontece. As calçadas são terra de ninguém: o camelô monta sua barraquinha, o lojista bota seu tapume e faz a obra (por tempo indeterminado), sem se dar conta de que está impedindo a passagem, os motoristas largam os carros, muitas vezes bloqueando as rampas dos deficientes físicos. Todo mundo buzina indiscriminadamente, de dia ou à noite, na frente de maternidades, hospitais. Os pais de alunos fazem fila dupla ou tripla para buscar seus pimpolhos na escola e dão aula de des-cidadania. É tanto caos que às vezes eu me pergunto como é que ainda não entramos em colapso. Ou vai ver o colapso já aconteceu e a gente simplesmente não percebeu, dada a enorme capacidade de adaptação do ser humano.

A gente ama apesar dos defeitos e não por causa das qualidades. Não deixaria de amar um homem por ele ser difícil, assim como não amo menos minha cidade por ela ser caótica.
Mas às vezes confesso que cansa um pouco.

Chamem o Supercarioca, por favor.

-Monix-

(publicado originalmente em 12 de dezembro de 2007)

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