Do Planalto para o planeta, a posse do turbante e do cocar

As posses de Sônia Guajajara e Anielle Franco estavam marcadas para a segunda-feira (9/1) e foram adiadas, claro, depois que o gado invadiu e emporcalhou as sedes dos três poderes. O evento passou para a quarta, dia dedicado a Xangô, orixá da justiça (entre muitas outras coisas). A cerimônia teve início com um canto em homenagem a ele, com a saudação “Caô, Kabecile!”. 

A deputada federal eleita por Minas Gerais, Célia Xacriabá, fez um saboroso discurso de apresentação da ministra Guajajara. Com graça, ironia, poesia, lembrou que esse Ministério dos Povos Indígenas já nasce ancestral; resumiu a importância da data com a frase já histórica: “Com Anielle e Sônia, o turbante e o cocar tomam posse!”. Olhando pela TV aquela mulher esplendorosa com um cocar belíssimo que se movia elegantemente quando ela se movimentava eu fiquei me perguntando por que, meu deus, levou tanto tempo para ver um indígena nesse lugar?! Sônia Guajarara respondeu a minha perplexidade prometendo: “Nunca mais um Brasil sem nós!”

A ministra Anielle Franco foi apresentada pela jovem ativista Camila, visivelmente emocionada com a missão: “É com imenso prazer que eu, Camila Moradia, cria do Complexo do Alemão, apresento a vocês Anielle Franco, cria da Favela da Maré, Complexo da Maré”. A ministra da Igualdade Racial fez um discurso correto e potente: depois dos agradecimentos aos ancestrais, às mulheres negras, à família e à equipe, passou a fazer referência aos demais ministérios, reforçando o caráter interdisciplinar de sua pasta. Foi bastante explícita ao citar os cinco tiros na cabeça que sua irmã recebeu, lembrando para que nunca mais se repita. Ao final do seu discurso, a cantora Marina Íris cantou o samba da Mangueira de 2019, junto com a filha de Marielle. De novo: se você não se emocionou, tá morto por dentro. 

(Pequeno parêntesis para uma impressão pessoal: eu tenho uma simpatia enorme pela Anielle, entre outros muitos motivos, porque participei de um processo de seleção para o Instituto Marielle Franco. Não fui selecionada e recebi um e-mail cujo texto era uma injeção de ânimo e motivação, elogiando a minha trajetória e me incentivando de um jeito que, no final eu esqueci, a decepção de não ter sido escolhida. E agradeci. E eles me responderam novamente, reiterando a força. Não era só uma vaga para mulheres negras, houve cuidado com essas mulheres, que não foram tratadas como mão de obra excedente. Um detalhe que diz muito sobre uma instituição e sobre que a comanda.)

A posse do turbante e do cocar ofereceu momentos belos, amorosos e até divertidos, como o Lula de cocar. E serviu pra reafirmar que é essa a imagem da qual o Brasil se orgulha e quer projetar: feminino, diverso, plural, colorido, ancestral e moderno. Além de elegante e alegre. Que fique claro: quando ocupamos o palácio, qualquer que seja, sabemos nos comportar. Afinal, nossa realeza vem de longe.

Helê

Um dia de graça

Um dia, meus olhos ainda hão de ver
Na luz do olhar do amanhecer
Sorrir o dia de graça
Poesias, brindando essa manhã feliz
Do mal cortado na raiz
Do jeito que o mestre sonhava
Luis Carlos da Vila, Por um dia de graça

Não foi fácil, não foi simples. Foi por pouco, mas foi por todos que elegemos Lula e derrotamos o militar corrupto, néscio, sádico e cruel. A sensação hoje, além de uma enorme alegria, é a de dever cumprido. Resistimos a quatro anos de deboche, desprezo e desmonte, e encontramos forças para vencer a maior máquina de reeleição já montada nesse país, e o pior presidente.

Vencemos. Viva nós!

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Eu lembro com clareza do espanto e do inconformismo da minha filha em 2010, quando eu disse que o Lula não seria mais o presidente: “Mas por quê, mamãe?!” Nascida em 2002, Lula kid raiz, Fifi demorou, mas acabou entrando na campanha da Dilma, do alto dos seus sete anos. Foi crescendo e compreendendo melhor tudo o que se passava – e também sofrendo. Em 2018, suportamos juntas os urros de um vizinho bolsonarista em êxtase. Juntas choramos assistindo ‘Democracia em vertigem’, relembrando detalhes do golpe vil sofrido pela Dilma. Por isso, no dia 30 de outubro, quando ela me ligou para comemorar, a gente só chorava e ria no telefone, transbordando de felicidade. Dias depois ela me disse, com uma expressão de contentamento e quase incredulidade: “Mãe, você tem noção que a gente derrotou o Bozo? E mais, que a gente elegeu o Lula? Que eu votei no Lula?!”. Tenho, filha, noção e orgulho. Tem muito trabalho pela frente, e vai ser dureza. Mas, como acabei de ler: não entramos no paraíso, mas saímos do inferno.

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“Parece que a multidão atrás também está subindo a rampa. E está.” @heitordt

Quem não chorou com essa transmissão de faixa tá morto por dentro. Ou não se sentiu representado entre aquele grupo de pessoas – e eu só lamento, porque foi uma emoção única. A pequenez do capitão acabou por oferecer a ocasião perfeita para Lula mostrar a sua grandeza. Foi o Christian Morais quem sintetizou tudo:

Lula se agiganta como líder popular, presidente e estadista nessa posse, especialmente na subida da rampa, na mensagem que passa ao país e ao mundo ao receber a faixa presidencial das mãos de uma mulher negra, cercado por indígenas, deficientes, idosos, mulheres e uma criança negra, a quem chamou para perto de si e abraçou durante a execução do hino nacional. Momento histórico, único na política nacional (e internacional), emocionante e com uma carga simbólica imensurável. Desabei em lágrimas quando vi todas aquelas pessoas ao pé da rampa. Os humilhados e ofendidos entrando no Palácio do Planalto com um igual em origem, com um legítimo representante do sofrido povo brasileiro. Logo eu, que vinha analisando a posse quase que de forma profissional, comovi-me extremamente com toda a emoção que transbordou da cena. Lula é o maior gênio político vivo no mundo. Hoje ele se colocou acima de Getúlio. Pelo menos na posse presidencial. Insuperável.

DEMOCRACIA SEMPRE!

Helê