De Libra

Há muitos librianos na minha vida, mas ela sem dúvida ocupa um lugar especial.

Adoro essa foto, não só porque ela registra um dia em que nos encontramos em Niterói no meio de compromissos profissionais e acadêmicos e conseguimos passear por um lugar lindo, o Solar do Jambeiro. Isso por si só seria digno de registro, porque representaria o tanto de coisas que eu não saberia, se não fosse ela.

Mas eu adoro também porque as cores da fotos são complementares – quase todas as nossas fotos se prestam a uma análise semiológica interessante, principalmente no começo da nossa amizade, em que temos vários registros com roupas quase idênticas, etc. Nessa há um jogo de beges e marrons que tem tudo a ver inclusive com a história do blogue, com as Duas Fridas que reúnem em uma só a saia vermelha e a anágua bege, ou vice-versa.

Então hoje é dia de celebrar essa Pessoa com P maiúsculo, minha sócia eterna, no matter what.

Helê: todo amor que houver nessa vida <3

-Monix-

Mão dupla

Sair da maternidade levando minha filha nos braços foi uma das muitas alegrias do nascimento. Porque a família havia vivido, poucos anos antes, o drama de um parto prematuro e do vazio abissal que sente um mãe que volta pra casa sem bebê. Então eu me lembro nitidamente de voltar pra casa muito feliz no banco de trás do carro, conversando com a Juju e mostrando as coisas pra ela no caminho: “Aqui é o Rio de Janeiro, minha filha, aquele ali é o Redentor, ali é a Marquês de Sapucaí onde tem o carnaval, você vai gostar….” Soube ali que essa seria uma das coisas bacanas de ser mãe, mostrar o mundo pra filhote. Ela só tinha olhos pra mim àquela altura, mas acho que aproveitou o tour.

Dezesseis anos depois eu estou com essa moça alegre e bonita ao meu lado, chamando atenção por onde passa nas ruas de Manhatan. Mostro a ela a Central Station, a Biblioteca Pública de Nova Iorque, a igreja de Saint Thomas; vamos da alucinação do Times Square ao silêncio respeitoso do World Trade Center Memorial. Juntas descobrimos e admiramos a Catedral de São Patrick – mas é no culto batista do Harlem que ficam nossos corações e mentes. Circunavegamos a ilha e subimos ao topo do Empire; compramos como nunca, sorvemos cultura em grandes goles; as perguntas brotando como lenços de uma caixa de papel: uma puxa outra que puxa outra, numa sequência sem fim. Ela agora só tem olhos para o mundo, mas ainda me ouve. Também me mostra e ensina coisas, e então a maternidade, essa mão dupla de amor, proporciona esse tour inesquecível em muitos sentidos. Estabelecemos com a cidade um forte laço afetivo; reforçamos de maneira singular o nosso próprio laço, que um dia foi cordão.

Então eu boto fora a amargura que me cobria ao questionar o que, afinal, conquistei em 50 anos, e escolho me enfeitar de orgulho e alegria para celebrar a trajetória que me trouxe até aqui, o tanto que neste meio século de vida eu construí. Não foi pouco – e ainda quero muito mais.

Helê

Equinócio, primavera

Ela chegou hoje, a Primavera que me faz sentir com mais intensidade e amor o mês de Setembro, justo quando ele começa a se despedir – não sem antes me carimbar uma nova idade, renovar minhas esperanças, rever meus desejos e me impulsionar para luz. Que é minha órbita natural mas há, como se sabe, tropeços, poeira cósmica, meteoros de tamanhos diversos, eclipses e muito imprevisto. Vez por outra, desvio da trajetória, permaneço na sombra mais do que o recomendável, mas é a luz que procuro, dela me alimento e me constituo.

Curiosamente, nesse equinócio eu me percebi entre duas emoções intensas, aquelas provocadas pela recente viagem à Nova York com minha filha (The 15/50ish Tour) e aquelas que projeto e anseio para o aniversário próximo, de 50 anos (and counting). Eu, que já gosto de comemorar, inventar nomes e modas em todo 27 de setembro, me sinto especialmente tocada pela celebração de meio século de vida, a mudança da Casa do Quarenta, a ampulheta do tempo, suas alegrias, alguns temores. Atenta, me percebo nesse hiato de alegrias, um tanto fora da rotina, mas muito presente.

Equinócio, equilíbrio. Libra, livre (como sempre quis), leve (como espero ser).

(Ah, gente, é só isso mesmo, uns pensamentos soltos, umas aliterações pseudo poéticas e nenhuma conclusão. Relevem e colaborem, que fazer 50 anos é potente e bonito, mas não fácil – depois ajudo todos vocês, prometo. )

Helê

PS: Sobre colaborar e inventar moda, eu criei uma playlist colaborativa (e comemorativa) no Spotify, chamada 50 músicas para Helê. Se tiver uma música que você acha que tem a ver comigo, de algum modo, adicione a essa playlist; receberei como um presente 😘)


Mais opinião que notícia

Queria vir aqui falar de viagem, filho, idade – do meu umbigo, em resumo, que tem me dado mais prazer que o noticiário – , mas não posso perder esse gancho que minha sócia me deu, sem saber, para extravasar minha indignação. Sobre a notícia de que funcionários do PT ganharam na loteria essa semana, a revista istoé (assim mesmo, com as minúsculas que merece) publicou uma nota com o seguinte título: “Os petistas ficaram ricos – sem roubar”. Eu li mais de uma vez para acreditar que estava lendo uma veículo de notícias, e não uma propaganda eleitoral fora de época, um panfleto de DCE, uma notinha social num boletim militar. E cada vez que leio me ferve a irritação com esse pseudo jornalismo que envergonha a profissão.

Não tenho muita paciência para a maioria dos veículos de esquerda porque me parecem jornalisticamente fracos, mas pelo menos são honestos: você sabe quais são os princípios que os orientam. A chamada grande imprensa, com seu falso verniz de imparcialidade e isenção, segue ajudando a consolidar o atual a situação de indigência política e intelectual que se alastra pelo país.

A nota da revistinha transborda desprezo e despeito pela sorte dos petistas – esse adjetivo que a imprensa, mais que nenhum outro setor, se esforça para transformar em xingamento. Para azar dos que tentam enxovalhar o PT e seus seguidores, informo que a esquerda tem muita experiência em transmutar em orgulho o que tentam lhe impingir como ofensa.

Helê, putíssima

Mais estranho que a ficção

O Brasil realmente desafia as noções de verossimilhança.

Eu costumo dizer que a ficção é bem menos livre que a vida real. Porque se algo aconteceu, automaticamente é verossímil. Mas se sabemos que é uma história inventada, ela precisa fazer sentido. Por exemplo, se em um filme de ação um personagem pula em queda livre da estratosfera e consegue chegar ao chão vivo e inteiro, isso é um desafio à nossa suspensão da descrença. Até que alguém vai lá e faz isso na real. Aí já não é questão de acreditar. Aconteceu.

Mas então essa semana aconteceu o seguinte no Brasil: assessores dos deputados do maior partido de oposição, de esquerda, que tem um ex-presidente preso e outra deposta, ganharam na loteria.

Parece aquelas soluções de fim de novela. Tem que dar um final feliz pra todo mundo, esse grupo de personagens estava meio sem história, vamos fazer todo mundo ganhar na loteria pra resolver rápido sem precisar gastar tempo do último capítulo com coadjuvantes. Né não?

-Monix, incrédula-

O adeus a uma tradição

Tudo começou um tempo atrás, quando durante um conversa com meu filho e sobrinhos me dei conta de que eles nunca conheceram algumas paradas obrigatórias da gastronomia tradicional do Rio de Janeiro (leia-se: restaurantes que já foram importantes outrora, mantém um cardápio nostálgico, a estrutura física super deixa a desejar e o serviço é uma porcaria – ou seja, welcome to Rio).

Um desses tesouros da nostalgia gastronômica de que falávamos era o Bar Luiz, na rua da Carioca. Ficou a promessa de que os levaria para conhecer o famoso bife à milanesa com salada de batatas e o imperdível strudel com creme.

Aí veio a notícia – que não chegou a ser uma surpresa: sábado será o último dia de funcionamento do Bar Luiz. Depois de 132 anos, é hora de dar tchau.

Daí foi aquela correria: ajustes nas agendas de todo mundo, etc, pois não podíamos perder a última chance. Ontem chegaram notícias de filas enormes. Claro. Mesmo assim não desanimamos. Os adolescentes precisavam conhecem o lendário Bar Luiz.

No meio do caminho tinha uma fila

Na chegada o cenário não era muito animador. A turma do início da fila estava esperando há cerca de uma hora. Mas quem nunca teve um golpe de sorte na vida? Eis que chega o gerente perguntando: qual é o primeiro grupo de mais de quatro pessoas? Acabou de vagar uma mesa maior e é melhor acomodar um grupo do mesmo tamanho.

Adivinha? Éramos cinco (quase um romance).

Bem, lá dentro as coisas estavam um pouco confusas. A milanesa já tinha acabado, fomos de rosbife. O barulho ensurdecedor de sempre nos impediu de entender totalmente o que o garçom dizia, mas basicamente o Bar teve que recrutar 10 garçons do Otto para ajudar no serviço.

E assim contabilizamos mais uma baixa nesse momento decadance sans elegance

Na verdade, dentre as coisas que o garçom disse, entendi trechos incongruentes como “Bar Otto”, “Tijuca”, “não conheço o cardápio, por favor informe o número”, “fechar”, “15 dias”, “reabrir”. Talvez isso signifique alguma coisa, talvez não. Fica aqui o registro de que eu talvez tenha perdido um excelente furo jornalístico por pura inabilidade social na conversa com garçons.

Bem, o strudel com creme também ficou só na nossa memória e na fantasia dos meninos – todas as sobremesas já tinham acabado. Para não perder a viagem, fomos comer uns docinhos na Confeitaria Colombo.

É triste se despedir de uma tradição. O Bar Luiz era caro, o serviço demorado, o ambiente barulhento, mas nós somos cariocas e gostamos desse charme meio decadente, meio soberbo, que só o Centro da cidade pode nos proporcionar. A rua da Carioca é uma lamentável metáfora de tudo o que vem acontecendo com a cidade nos últimos anos. Talvez ela sempre tenha sido, na verdade.

-Monix-

Perdida em Copacabana

Minha casa está em obras e por conta disso vou passar as próximas semanas na casa do namorido, na sempre louca Copacabana. (Não é a primeira vez que passo um tempo aqui, mas antes a situação era meio caótica e não valeu como experiência de “moradora do bairro”).

É engraçado como cada bairro tem sua cultura. Aqui tudo funciona em outro ritmo. Em geral, mais acelerado.

Mas aí no sábado resolvi fazer a unha. Fui procurar um salão aqui perto (há vários) que tivesse hora disponível, pois sábado é o dia mundial de fazer mão, pé e cabelo, certo? Bem. Um salão fechado. O segundo, idem. Mais outro. Continuei andando. Atravessei a rua, agora vai! Fechado também. Quase chegando no Leme, encontro finalmente um salão aberto, franquia de uma marca conhecida. Consegui a manicure, ótimo. Conversa vai, conversa vem, comentei: vem cá, as mulheres de Copacabana não frequentam salão aos sábados não? Até chegar aqui passei por vários, todos fechados! E a manicure, sem querer afrontar a cliente, lembrou sutilmente: será que não é porque hoje é feriado? FUÉM FUÉN FUÉN…

É isso que dá ser a louca do feriadão.

***

Saindo do salão, fui pegar um ônibus, meio perdida, como sempre. (Para quem não é do Rio, explico: nosso prefeito anterior fez várias mudanças na numeração das linhas, extinguiu algumas, criou outras. Além disso, distribuiu as paradas de ônibus em pontos específicos. Tudo isso dificultou muito o processo de saber que ônibus vai para onde quando não se está no dia a dia de determinado lugar e tudo o que resta são as lembranças de números de linhas que não existem mais.) Minha cara de ponto de interrogação deve ter chamado a atenção do pessoal à minha volta, porque um rapaz se ofereceu para me ajudar a decidir que ônibus pegar.

Agradeci, nem prestei muita atenção (antipatia mode on).

Daí o moço me pergunta: você está de preto por acaso ou é aquilo que estou pensando?

Era.

Só aí observei a figura: carregava dois violões e estava com uma camiseta colante, obviamente também preta.

Foi gancho para uma conversa meio sem pé nem cabeça que envolveu teorias da conspiração sobre a facada e menções a Edir Macedo que até agora não sei se eram contra, a favor ou muito pelo contrário.

Pena que o ônibus chegou e com isso estou até agora sem entender contra o que meu companheiro manifestante protestava.

***

Copacabana é isso aí. Cá estarei pelas próximas semanas.

-Monix-