Matheus Nachtergaele, numa entrevista inteligente e original (coisa raríssima na cobertura televisiva do carnaval), me lembrou dessa frase espetacular do Oswald de Andrade – que eu aprendi, ainda pequena, com Gilberto Gil em “Geleia Geral“. Eu devia ter uns 10, 11 anos, e ficava um pouco intrigada pensando: a prova dos nove de quê exatamente, qual era a conta? Mas intuía que aquilo estava certo e era bom (e sempre me incomodei com o verso seguinte, tristeza não pode ser porto seguro para ninguém).
Hoje sei que alegria é a prova dos nove da vida, é o que certifica que continuamos pulsando e que vale a pena, malgrado as subtrações injustas que sofremos ao longa da caminhada. Nós, por exemplo, perdemos décadas durante os últimos quatro anos de governo. Mas então fomos pra rua pra constatar que sobrevivemos – e aqui estamos, no lo fuimos, no lo vamos. Continuamos capazes de sorrir e gozar coletivamente, a maior afronta possível para a necropolítica e seus adeptos.
Foi durante este carnaval que eu me dei conta do que foi viver quatro anos sob um governo fascista, sendo dois deles sem carnaval. Percebi com todos os sentidos, como quem olha para o carro capotado depois de sair das ferragens: foi brutal. A gente nem entende exatamente como conseguiu; talvez uma certeza inconsciente, atávica e inabalável que a alegria não sucumbiria. “Resistir é lei, arte é rebeldia”, Mangueira, 2023.
Nesse indispensável lapso de lucidez que é o carnaval, celebramos nossas vitórias – sim, a gente cantou “olé, olé, olé, olá Lulá, Lulá” em vários momentos, o que é muito significativo uma vez que já ganhamos, somos governo (se reclamar cantaremos mais!). Acho que é também uma maneira de reafirmar nossa escolha e a vigília eterna pela liberdade. Mesmo sabendo que “eles são muitos, mas não podem voar”.
Este ano ficou fácil para aqueles que apresentam defeito de fábrica e dizem não entender o porquê da euforia do carnaval. Havia muito a comemorar, extravasar e cair de boca, em face do tudo o que vivemos. Mas a minha tese é que a alegria é a prova dos nove da vida, seja ela difícil ou não. Eu até consigo compreender as pessoas que têm dificuldade em entender que alegria é essa que a gente sente no carnaval, porque deve ser a mesma dificuldade que eu tenho de entender essa pergunta.
Experimentamos pequenos e grandes prazeres. A ministra Margareth desfilando na Mangueira, onde o Rio é mais baiano. A entrevista do Nachtergaele, citado no início do post: encarnando Lampião, ele sublinhou a importância de homenagear o Nordeste, que nos salvou do fascismo – com essas palavras, ao vivo na Globo (foi lindo). Ele ainda nem sabia, àquela altura, que essa homenagem ia ganhar o campeonato e dar mais um título ao meu carnavalesco do coração, Leandro Vieira. Que deu ontem uma entrevista deliciosa, ao vivo, reafirmando o poder da comunidade, revelando que teve dor de barriga o dia todo e que iria beber tanto quanto trabalhou! Divertido, anárquico, fora do padrão, alegre, carioca, carnavalesco. Que prazer de ver campeã a escola de Ramos, composta em grande parte por moradores do CPX, o mesmo Complexo do Alemão visitado por Lula e cuja sigla tentaram criminalizar – como de resto, tudo o que se refere às favelas.
E assim, muito a contragosto e na marra, encerro as reflexões sobre o carnaval 2023. Olho desolada para a bagunça da minha casa, mas aí lembro da lição aprendida esse ano no Boitatá, com o bamba Moysés Marques: “Carnaval, manga e sexo, se terminar limpo, é porque você não fez direito”.

Helê
Filed under: Efemérides, O Rio de Janeiro continua lindo | Leave a comment »