Retrospectiva de um ano zozó

Passei o ano pensando nessa palavra que minha mãe usava muito para se referir a pessoas que tinham um parafuso a menos. Ela oscilava entre chamar os desparafusados de “zozó”, numa expressão tão brasileira que nem sei se foi ela que inventou, e “détraqué“, resquício elegante da educação que recebeu das freiras francesas.

Bem, ao olhar para os signos 2-0-2-0 eu não conseguia deixar de ver os correspondentes Z-O-Z-O e pensar que minha mãe com certeza estaria muito zozó com tudo o que aconteceu. E obviamente todos nós ficamos bem zozós, bem détraqués ao longo deste ano maldito.

Mas olhando para trás consigo perceber que o que me ajudou a atravessar essa maré de (inúmeras) turbulências foram a arte, a cultura, o entretenimento. Mais do que nunca, precisei da ajuda dos artistas para encontrar forças dentro de mim mesma. Talvez 2020 tenha me oferecido finalmente uma boa definição do que é arte (seja na cultura de massa, seja como for): aquilo que nos põe em contato com nossa força interior, que a gente de repente nem sabia que tinha.

Com o fim do ano se aproximando, olho para trás e vejo uma quantidade imensa de coisas boas que assisti, que li, que ouvi. Então 2020 será também marcado como o ano em que voltam as retrospectivas da Monix (hahaha, olha a pretensão). E é das grandes. Se quiser, puxa uma cadeira, vê o que andou mexendo comigo neste ano doido (apresentado em uma ordem totalmente aleatória), e divide comigo seus achados de 2020 lá nos comentários. Bora?

Séries

Away (Netflix) — li em algum lugar que é uma “novela mexicana no espaço”. Exageros à parte, a trama é melosa demais, a protagonista toma atitudes que não convencem muito em uma astronauta super treinada, mas no fundo o que está sendo mostrado é que não importa o quanto a gente esteja longe, o afeto é que importa. O que nos une é o que importa. Quer mensagem mais 2020 que essa? (Parece que não haverá segunda temporada, o que não deixa de ser um mérito: coisa mais chata é série que se estica depois que a trama claramente já se resolveu.)

O Gambito da Rainha — diz que essa é a série mais popular da história da Netflix. Não acho que mereça tudo isso, mas é uma boa série, que junta bom roteiro, bom elenco, boa direção, figurinos e direção de arte maravilhosos. Ou seja. Não preciso falar sobre a série porque você provavelmente já viu (todo mundo viu). Só queria deixar registrado que outro dia meu filho e os amigos estavam jogando xadrez online e acho que isso diz mais sobre a popularidade de uma obra do que qualquer índice de audiência.

Nada Ortodoxa — em se tratando de “obras que nos ajudam a encontrar forças que nem sabíamos que tínhamos” nenhuma pode superar esta. Duas amigas recomendaram, eu confesso que não me interessei muito pela sinopse, mas passadas algumas semanas resolvi dar uma chance porque confio no gosto de ambas. E gente, que lindeza de história. Que elenco sensível. Quanta esperança no ser humano. Apesar de tudo. Não viu ainda? Pois veja.

The Crown 4ª temporada — como não amar as histórias por trás da história da família real mais famosa do mundo? E gente, dessa vez teve Diana. E Tatcher. Precisa mais?

The Kids Are Alright — no auge da quarentena, quando tinha que cuidar da casa, do trabalho, dar banho nas compras, cuidar da cabeça dos adolescentes zozós, enfim, tudo pegando fogo ao meu redor, essa série foi uma espécie de alívio cômico da vida real. A história de uma família com oito (é, oito) meninos encapetados me trouxe toda a diversão de que eu precisava. Infelizmente a ABC cancelou a série ao final da primeira temporada.

A Vida e a História de Madam CJ Walker — neste ano em que a representatividade negra foi mais importante do que nunca (enfim!), uma série sobre a primeira mulher negra milionária dos Estados Unidos está no mínimo super alinhada ao zeitgeist. Octavia Spencer está maravilhosa.

Ms America — nunca tinha ouvido falar nesta série, que levou várias indicações no Emmy deste ano. Como sou fã da Cate Blanchett, fui atrás e assisti todos os episódios em ritmo de maratona, apesar de o tema estar longe de ser leve. A história da luta pela aprovação de uma emenda à constituição dos Estados Unidos para simplesmente garantir o óbvio, ou seja, direitos iguais entre homens e mulheres, beira o surreal. Como não está no catálogo da onipresente Netflix, talvez não seja muito fácil de assistir, mas se tiver uma oportunidade não perca. Vale cada episódio.

Eu, a Vó e a Boi — tempos atrás uma das minhas amigas tuiteiras encaminhou num grupo um fio hilário sobre um cara que tinha duas avós que se odeiam. Isso não é engraçado, mas a briga entre as duas não é uma simples rusga que se limita a indiretas em festas de família; é uma guerra aberta com toques de comédia pastelão. Rimos demais na época. Passou. Eis que a thread virou série de TV, com adaptação de Miguel Fallabella e interpretações das sempre maravilhosas Vera Holtz e Arlete Salles. A vida real parece ter sido mais engraçada: a série tem um ritmo mais de esquetes que de uma trama fluida. Mas vale como distração em tempos em que realmente precisamos disso.

Aruanas — crimes ambientais, Amazônia, garimpo, ONGs… parece importante. E é. Às vezes o que a gente precisa é de uma boa ficção para mostrar os problemas da vida real.

Assédio — então, seguindo na toada “ficção que mostra os problemas da vida real”, passo dos crimes ambientais para os crimes sexuais. O tema é pesado, trazendo o drama vivido pelas vítimas do predador sexual Roger Abdelmassih, mas a produção é muito boa, assim como a de…

A Voz Mais Forte – O Escândalo de Roger Ailles — … que mostra o todo-poderoso executivo da Fox News, sua contribuição consciente e premeditada para a polarização em que vivemos, e, claro, a cultura do assédio que promoveu na emissora que comandava.

Segunda Chamada — essa série faz a gente lembrar que educação é transformação. E que pessoas (professoras e professores) cuidam dessa missão. É muitas vezes triste, muitas vezes redentora. Sempre comovente.

Bridgerton — aos 45 do segundo tempo de 2020 chegou essa série com um clima meio Jane Austen que mostra o disputadíssimo mercado casamenteiro da Londres do início do século XIX. E para quem pensa que “moças procurando casamento” é um tema menor, devo dizer que, naquela época, casamentos eram alianças importantes tanto para homens quanto para mulheres — sendo que para elas, além disso, eram uma questão de sobrevivência. Mulheres de famílias de alta classe não podiam trabalhar. Seu sustento dependia exclusivamente dos homens, e um marido era um provedor muito mais confiável que um pai (que provavelmente morreria antes) ou um irmão (que teria sua própria família para sustentar). Mas digressões à parte, a série é bem menos água com açúcar do que parece à primeira vista; inclusive correm boatos que teve gente por aí precisando ligar o ventilador para dar conta das tórridas cenas de sexo. Dizem, mas não provam nada (hahaha). Uma coisa interessante é a caracterização de personagens da nobreza interpretados por atores negros. A decisão dos produtores (entre os quais está Shonda Rhimes, toda-poderosa produtora de TV norte-americana) a princípio pode parecer um opção por um castingcolor-blind“. Mas tudo indica que não: há quem diga que a ideia era mesmo mostrar que pessoas não-brancas estiveram presentes em posições sociais diversas, não se limitando ao papel de escravizados que a história nos contou a posteriori. A própria rainha Carlota, uma das personagens negras da série, tinha ascendência africana. Vale a pena ler esse artigo que conta a história dela e fala sobre a existência de pessoas não brancas na nobreza europeia.

Filmes

Os 7 de Chicago — filme de tribunal, escrito e dirigido pelo Aaron Sorkin, com Sacha Baron-Cohen no elenco. Tem como dar errado? Não tem.

Lionheart e Harriet — um filme não tem nada em comum com o o outro, exceto o fato de que assisti os dois no mesmo dia e escrevi sobre eles aqui.

Cinquentonas — assim como Lionheart, uma história sobre mulheres nigerianas que ao mesmo tempo é universal e absolutamente local. No ano em que eu mesma completei 50 anos, me senti representada :)

1917 — na época do Oscar deste ano (parece que foi em outra vida, como tudo que aconteceu antes da pandemia) esse filme foi muito comentado pelo fato de ser todo filmado em um longo plano-sequência. Eu gosto desses truques do cinema, então mesmo que o roteiro não seja lá essas coisas curti muito assistir, no cinema (!) #sddstelagrande, e era só isso que eu queria dizer (quando poderemos voltar a ver filmes na telona? longo suspiro)

Jojo Rabbit — ainda no hype do Oscar, fui assistir esse filme meio no piloto automático, só porque estava indicado, afinal, preguiça de mais um filme sobre a II Guerra. Mas devo dizer que é, sim, um bom filme, que involuntariamente se tornou marcante porque foi a última vez que fui ao cinema em 2020. Isso lá no longínquo fevereiro…

Produções da quarentena

Sinta-se em Casa, de Marcelo Adnet — as imitações hilárias do Adnet garantiram o alívio cômico de 2020. Ri muito, ri de nós mesmos, ri da tragédia, mas ri. E isso fez diferença.

Diário de um Confinado — Murilo, o personagem criado por Bruno Mazzeo, incorpora um pouco de cada uma de nossas neuroses da quarentena, além das nossas dúvidas e medos. A produção é feita em família, com direção de Joana Jabace, mulher do ator e roteirista, gravações no apartamento do casal, participações da vizinha de prédio Deborah Bloch e de outros atores e atrizes por videoconferência. Assim como o “Sinta-se em Casa”, o “Diário” mostrou que mais importante do que a câmera na mão são as ideias na cabeça. O resto se resolve.

Cada um no seu quadrado — a série de talk-shows se definiu como “a melhor mesa de bar do mundo”. Gravado remotamente e comandado por Paulo Vieira e Fernando Caruso, o programa tinha uma estrutura simples, algumas brincadeiras aparentemente bobas, mas como alguém me disse ontem, o banal é também muito importante. E em momentos difíceis a leveza é essencial para nos ajudar a atravessar os dias com um mínimo de sanidade mental.

Amor e Sorte — nesse mesmo clima de produção com os talentos caseiros, a série tem quatro episódios independentes gravados por famílias de atores-atrizes-diretores. As histórias são interessantes, nenhuma é sensacional, mas valeu muito como experiência criativa. O episódio das Fernandas é o melhor, e ganhou uma sequência lançada há pouco (Gilda, Lúcia e o Bode).

This Is Us 5ª temporada — há quem diga que a série é um novelão. E até é, mas é a melhor novela que eu já assisti. As emoções que os ‘Big Three‘ provocam são tão humanas, tão intensas, é difícil não se render. Em outubro a nova temporada estreou, trazendo 2020 para o enredo. Não só a Covid, mas o movimento Black Lives Matter também foi incorporado ao roteiro, de uma forma extremamente sensível. Como vem acontecendo com as produções da pandemia, o ritmo está um tanto lento. Saíram quatro episódios em 2020 e no momento a série foi interrompida para retornar em janeiro.

Documentários

O Dilema das Redes — demorei alguns dias para assistir após o lançamento na Netflix e nesse ínterim (uia, achei uma ocasião pra usar essa palavra) recebi inúmeras recomendações de todo mundo na minha bolha. Gente que sabe que eu tenho interesse no tema. Justamente por isso, para mim foi apenas mais um conteúdo detalhando exemplos e mais exemplos dos conceitos que eu estudo anos, como os efeitos dos algoritmos, os filtros-bolha, a polarização, etc. O mérito desse filme é que são os próprios profissionais que ajudaram a modelar as redes como elas são que nos alertam sobre seus efeitos nefastos sobre a vida social. As redes estão aí, não vão deixar de existir, nós precisamos delas e dos benefícios que elas trazem. Mas teremos que aprender a conviver com elas, com a sociedade que elas ajudam a formar, e nos tornar usuários mais eficientes. Para quem ainda não viu o filme: recomendo.

Marielle – o documentário — esse ano maldito teve tantos acontecimentos trágicos que mal falamos de Marielle e do crime que continua sem respostas. Essa série documental reconta toda a trajetória da vereadora carioca, e organiza tudo o que sabemos sobre o crime de uma forma muito didática. Que 2021 traga uma solução para essa história revoltante.

Cercados — falamos muito nos profissionais de saúde que estão na linha de frente. Esse documentário mostra a atuação dos jornalistas, que também tiveram um papel fundamental na divulgação da pandemia, das medidas necessárias de prevenção, da resposta do sistema de saúde e, claro, dos imensos sacrifícios feitos por médicos, enfermeiros, coveiros, aqueles que mais se expuseram e mais contribuíram para salvar vidas e amenizar os grandes sofrimentos que 2020 trouxe para tanta gente.

Narciso em Férias — eu sempre fui fã de Caetano, sou suspeita para falar, mas esse filme é de uma beleza e de uma intensidade que não dá para descrever. Apenas assistam.

Música

Live dos 78 anos em 7/8 — não consegui encontrar o vídeo completo da live que foi transmitida pela Globoplay em comemoração ao aniversário de Caetano. Uma pena, porque foi um dos pontos altos do meu ano. A delicadeza da relação do cantor com seus filhos foi ainda mais emocionante que as próprias músicas. Em tempos em que vemos uma primeira-família marcada pela rudeza e brutalidade da relação entre o pai e os filhos, a família Veloso serviu como um contraponto necessário. Caetano e seus filhos mostram uma masculinidade afetuosa, delicada e possível. Falta assistir a live do Natal, que já sei que também foi incrível.

Arnaldo, Sessenta — Arnaldo Antunes é uma espécie de Caetano da outra geração. Músico, poeta, um artista performático que completou 60 anos no meio de um ano caótico e apresentou os clássicos de sua carreira no meio de um papo tão descontraído que parece mesmo que ele está é falando com a gente.

AmarElo – É Tudo Pra Ontem — é um show do Emicida no Teatro Municipal de São Paulo. É uma aula de história negra no Brasil. É um making of do show. É uma reflexão sobre a música nas nossas vidas. É uma mini-biografia do artista. É tudo isso. E é bom demais.

Podcasts

Praia dos Ossos — o melhor podcast do ano conta uma história há muito esquecida — o assassinato da socialite Angela Diniz pelo empresário Doca Street — e uma sempre lembrada — a dos femincídios que infelizmente fazem parte da rotina de uma país cuja cultura afirma que a honra de um homem se lava com sangue (da mulher). O tema é pesado mas a história é muito, muito bem contada. Recomendei a várias pessoas e todas me agradeceram depois, então: de nada.

Wind of Change — um jornalista toma conhecimento de uma história bizarra: a música “Wind of Change”, da banda alemã Scorpions, teria sido composta ou encomendada pela CIA para ajudar a criar o sentimento que levou à queda dos regimes autoritários socialistas do Leste europeu. Coisa de filme de espionagem, daqueles com roteiro bem inverossímil. Daí ele começa a investigar e… será que é apenas uma teoria da conspiração? Ou tem algum fundo de verdade? O podcast é incrível, a história é mirabolante e mais não conto pra não estragar. Se você entende bem inglês, corre lá.

Retrato Narrado — essa série de podcasts se propõe a investigar a vida de personalidades importantes, começando pelo presidente Jair B. É, eu sei, a gente prefere distância desse assunto. Mas os primeiros episódios explicam muita coisa, sabe? Vale a pena.

Toninhas — eu nem sabia que existia uma espécie de golfinhos com esse nome, muito menos que estão ameaçadíssimos de extinção. A opção por contar a história do “golfinho invisível” em uma série de ficção foi muito acertada. A história é simples, não é exatamente um roteiro super elaborado, mas ouvir sobre o assunto em forma de narrativa nos aproxima do drama. Gostei bastante.

Hodor Cavalo — esse é para quem, como eu, acompanha as Crônicas de Gelo e Fogo. As feríssimas Miriam Castro, Flavia Gasi (e Carol Moreira, no início da série) leem com a gente, capítulo por capítulo, os livros da saga. Quem tem saudades de GoT vai gostar, mas vale lembrar que não é sobre a série de TV, é sobre os livros. E por isso mesmo é muito melhor ;)

Livros

Longa Pétala de Mar (Isabel Allende) — entrei em 2020 no Chile. Fui passar o reveillón na tal “pétala de mar” a que se refere o título do livro, pela segunda vez. Gosto do país e me interesso por sua história. A narrativa da Allende é envolvente e emocionante, começa na guerra civil espanhola e segue acompanhando os personagens ao longo do século XX.

Tieta do Agreste (Jorge Amado) — porque revi a novela no Globoplay. Porque Jorge Amado é um grande autor, um presente que nós brasileiros ganhamos e não valorizamos tanto quanto deveríamos. Porque essa é uma das boas histórias que nossa literatura já contou. Porque eu nunca tinha lido. E porque deu vontade, ué.

A falta que você me faz (Joyce Carol Oates) — é uma história policial diferente, com um ritmo feminino, mais afetivo, que mais do que procurar respostas para o whodunit de sempre, busca resgatar as memórias de uma mãe e mostra a superação da perda pela filha. (Curiosamente esse livro estava na minha “fila” há anos. Quem me deu foi minha mãe, que leu e soube na hora que eu ia gostar. Demorei a pegá-lo por causa do tema, combinado a essa irônica coincidência. Valeu a espera — acho que li na hora certa.)

A garota no trem (Paula Hawkins) — este sim, um thriller que segue uma estrutura mais tradicional, mas ainda assim mais subjetivo, mais feminino. Gosto de romances policiais, gosto do clima “quem matou”, do suspense. Este aqui entrega bem o que promete.

A primeira luz da manhã (Thrity Umrigar) — gosto muito dessa autora indiana, apesar de não ter lá muito interesse por seu país de origem. Essa autobiografia é deliciosa, muito bem escrita e emocionante.

A Vida Mentirosa dos Adultos (Elena Ferrante) — mais uma história muito bem contada por essa misteriosa autora italiana. A história começa com uma pancada (uma pré-adolescente escuta seu pai dizer à sua mãe que ela está ficando “feia igual à tia”, sendo que a tia em questão era considerada uma espécie de bruxa má da família). E segue com uma trama familiar surpreendente sobre o desapego às ilusões da infância.

Uma Produção Kim Jong-Il (Paul Fischer) — eu costumo dizer, meio brincando, que a vida tem uma grande vantagem sobre a ficção: ela não precisa ser verossímil, porque mesmo as coisas mais fantásticas, se aconteceram, é porque foram possíveis. A história desse livro entra nessa categoria de coisas tão absurdas que se não tivessem acontecido, a gente até poderia pensar que eram impossíveis. Mas é tudo verdade: o ditador da Coreia do Norte mandou sequestrar a maior estrela do cinema da Coreia do Sul, depois o ex-marido dela tentou investigar seu sumiço e foi sequestrado também, ambos passaram anos em cativeiro no mesmo país sem saberem do paradeiro um do outro, depois se reencontraram, se reapaixonaram, enganaram o ditador e conseguiram fugir. Parece coisa de filme, e é — só que não do jeito que você está pensando.

Vaza Jato: os bastidores das reportagens que sacudiram o Brasil (Letícia Duarte e The Intercept Brasil) — como jornalista, tinha muita curiosidade de saber como foram feitas as reportagens da “Vaza Jato”, o conjunto de vazamentos que denunciou aquilo que a gente já sabia mas não tinha como provar: a absoluta politização da força-tarefa da operação Lava Jato e as relações bastante promíscuas entre a promotoria e o juiz Sérgio Moro. A primeira parte do livro mostra como o The Intercept teve acesso ao material que deu origem às reportagens. A segunda reúne as principais revelações da série.

A Máquina do Ódio (Patrícia Campos Mello) — este é o que estou lendo, ainda não terminei, mas já mereceu entrar para essa minha retrospectiva pessoal. A repórter da Folha conta como entrou no radar dos bolsonaristas, quando fez uma reportagem denunciando o uso do WhatsApp nas campanhas de desinformação em 2018, e desvela o modus operandi do neopopulismo que usa o assédio virtual como forma de censura e instrumento de desmoralização da imprensa crítica. Mais um tema difícil, mais uma leitura necessária.

Abecedário 2020

Átila Iamarino, Aldir Blanc
Bactéria FDP; Beth Salgueiro
Chadwik Boseman 🙅🏾‍♀️
D i s t  a  n  c i  a  m  e n t  o;  Descorogar
É tudo pra ontem
Fica em casa
George Floyd
Heisenberg
Infarto; In the middle of a pandemic?
John Lewis.
Kobe Bryant, Kamala Harris
Lewis Hamilton
Maradona, Moraes Moreira, Micróbio do c*r*lho
Narciso maduro
Os franceses tomam banho
Praia dos Ossos
Quino
Rita Lobo
Sem dias. Sindicato. Solidão, né, minha filha?
Terreno Seguro
Ubatuba em janeiro
Vacina; Vídeo chamada
Xadrez verbal
Walter Firmo
Zoom

Helê

Boas notícias em ano ruim

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Eu já disse em outras ocasiões que fecho com a minha amiga e leitora Ana Paula: esse ano não merece redenção — pelo menos não da nossa parte. Foi um ano ruim e indefensável, sofrido além da conta. E tudo o que aprendemos ou descobrimos com ele a gente preferia que tivesse sido de outro jeito.

Isso posto, eu sugiro fortemente que você ouça esse episódio do podcast do The New York Times, com depoimentos de ouvintes sobre coisas boas que aconteceram neste ano que mais parece um B.O. Corre o risco de você terminar, como eu, com um sorriso no rosto e relembrando alegrias no meio desse mau gosto que foi o ano que ora se encerra (o maior medo de todos é que ele não termine).

O “Daily” é um dos meus podcasts favoritos — foram muitas louças lavadas neste 2020 ouvindo seus episódios, de um jornalismo superior, responsável e sempre criativo. A proposta é simples, quase despretensiosa, e nem mesmo é original: a BBC, que produz muitos e bons podcasts, também pediu aos ouvintes boas histórias, que eu acho que estão sendo transmitidas individualmente, em um ou outro programa. E aqui percebe-se que uma boa ideia é só início de um trabalho bem-feito. No caso da BBC tenho apenas uma vaga lembrança do resultado, enquanto o Daily me fez vir aqui escrever essa recomendação.

Ouvindo “The year in good news”, lembrei muito de um livro adorável do Paul Auster, “Achei que meu pai fosse Deus”, com estórias espetaculares de gente comum. A gente termina a leitura encantado, surpreso e até assustado, mas olhando pra nós mesmo com um olhar curioso e percebendo que coisas grandiosas, interessantes e intensas podem acontecer a todo mundo, todos os dias. No Daily, as histórias de gente como eu e você são ainda mais comuns que nós; mulheres, homens, crianças, idosos, gente de lugares muito diferentes e contextos ainda mais compartilham a alegria de ter concluído uma tese ou terminado um cachecol, de ver o filho aprender a andar de bicicleta, de aprender a tocar instrumento, se apaixonar. Aos 43 do segundo tempo desse ano extraordinário, eu recuperei um pouco da esperança com essas doses de cotidiano, contos da vida ordinária, as pequenas alegrias da vida adulta de que nos fala Emicida. Tempos difíceis podem durar (no Brasil certamente até 2022, pelo menos). Mas não é pra sempre e não é todo dia. Adaptei a frase do Lennon e conclui que a vida (também) é o que acontece enquanto a gente enfrenta uma pandemia.

Agora você, por favor, acrescente uma alegriazinha no meu ano deixando um comentário nesse post: me conte uma coisa boa que você viveu em 2020.

Helê

*No site do jornal, além de ouvir o programa, você tem um texto contando como ele foi feito e a transcrição do áudio, caso perca alguma coisa.

Náufragos

Janeiro, fevereiro, quarentena, dezembro – assim resumiram o ano no reino da concisão, o twitter ( que também é terra das dores mal disfarçadas de deboche). É como se a gente estivesse andando no jardim e cataploft! caímos num buraco feito a Alice – história pela qual, aliás, nunca nutri simpatia. Menos ainda quando a gente cai no país das Milícias e o rei louco é um capitão perverso que não corta a cabeça, mas deixa morrer milhares. 2020 parece uma fenda no tempo, feito “A caverna do dragão” – só que nos falta o Mestre dos Magos, e o Vingador é o presidente, eleito democraticamente.

“Muitos temores nascem do cansaço e da solidão”, diz um texto que eu gosto imenso e ao qual volta e meia recorro como uma oração. Ao final deste ano impensável, acumulo doses excessivas de ambos; temores gigantescos, portanto. Sinto-me exausta, embora tenha sido um tempo de deslocamentos menores. Ficar nunca foi tão custoso. Saudades de todo tipo: miúdas, profundas, recorrentes, aleatórias. A quarentena me conectou mais com algumas pessoas, inesperada e felizmente. Mas de um modo geral deixou mais frouxos todos os laços de afeto – ou esse é apenas mais um dos meus temores.

Há dias em que preferia a tristeza porque ela, em geral, tem RG e endereço conhecido: alguém ou alguma coisa nos entristece. Melhor que essa mistura de melancolia com angústia, esse aperto no peito sem nome ou com muitas caras mas sem definição, esse desassossego, uma inquietação que dá volta em torno de si mesma sem chegar a nenhum lugar, cachorro correndo atrás do rabo. A gente não se livra do que não consegue nomear, nem dá vazão aos sentimentos sem conseguir identificá-los. E faz o que, então? Escreve umas linhas tortas num blogue anacrônico como quem joga uma garrafa ao mar (já que estamos todos náufragos em nós mesmos).

Helê

 

 

 

Karma is a bitch

Hoje eu descobri que o Fridinho gosta de Careless Whisper, música-símbolo de uma das poucas coisas que eu detesto no rádio e que contei nesse post aqui.

Alguém melece, como diria o próprio há anos atrás.

***

O engraçado é que nessa mesma conversa mais uma vez tivemos uma percepção que volta e meia nos atinge: temos relações totalmente diferentes com a música. Eu prefiro ouvir músicas em ordem aleatória ou nas playlists que o Spotify prepara com base nos meus gostos. Ele gosta de preparar as playlists cuidadosamente, em geral com um conceito, e as escuta repetidas vezes. Depois muda.

Aí ele entra no meu quarto quando estou com o Spotify ligado (opa, será que o Spotify é “ligado”? Acho que não hahaha) e pergunta: que música é essa? Eu respondo “não sei” e ele fica profundamente espantado. Daí se lembra, como uma constatação meio patética: “ah é, você é do tempo do rádio“.

É, sou mesmo, inclusive por isso eu de-tes-to essa baladinha melosa que gruda na rádio cabeça (aposto que você está pensando naquele solo de sax super brega – desculpaê).

-Monix-

Quem mandou matar, quem matou?