Mudamos

Oi, gentes!

Parece até que a gente tava devendo – mudamos e não deixamos endereço! 😲 Mil perdões! Como copiamos todos os e-mails de quem assinava aqui ou na news, e divulgamos no nosso Instagram, achamos que estava comunicado. Mas o Túlio lembrou que não (obrigada, querido), então anotem:

https://duasfridas.substack.com/

Você pode ler no site, receber no seu email ou direto no celular. Às sextas-feiras – ou não 😁.

Pra que a gente nunca, jamais, perca o contato 😉.

Famílias

Passei mais de uma semana pensando em escrever sobre o show de Gilberto Gil e sua família mas não encontrei palavras suficientes, tamanha a grandeza dessa experiência musical e vital. Parafraseando o próprio patriarca orixá, sobre Gil não há mais nada a dizer – a não ser que a gente precisa ver Gil cantar.

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Homenagem à Rita

Se passar pela sua cidade, não perca a oportunidade, vale cada minuto, cada nota (musical ou monetária). Saí de lá num estado de graça que nem mesmo a missão de pegar um Uber da Barra para a Tijuca (das maiores e mais caras privações do espírito) pôde me tirar. E passei uns bons dias sentindo um bem-estar inesperado, mas que eu sabia de onde vinha: era de ter visto Gil cantar e dançar com seus filhos, netos e bisneta – com vigor e alegria maiores do que no show que vi anos atrás no Municipal. (Fez pensar, entre tantas muitas lindas coisas, na não-linearidade da vida: talvez não haja um ápice de energia seguido de um declínio irreversível. A vida está mais para a roda gigante de “Domingo no Parque”, subidas e descidas, idas e vindas, sístole e diástole. Até o fim.)

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Neste mesmo dia, muito longe dali, num evento grandioso e caloroso – bem ao gosto leoNino -, parte da minha família reunia-se para celebrar o amor e a esperança, testemunhando uma promessa de renovação e continuidade. Com a Baía da Guanabara a seus pés, num cenário cinematográfico, acontecia um pedido de casamento, diante de irmãos, pais, tios, primas, primos e etc. Um rapaz muito apaixonado quis juntar os mais queridos nesse momento de ficar noivo. Eu, que sempre impliquei com conceito de noivado, entendi que pode ser isso, o amor transbordando a ponto de precisar virar uma intenção declarada: casaremos, seremos uma família – nova, mas também essa. Lamentei muito, mas não pude comparecer porque já havia marcado com os Gil há meses. Depois, ainda impactada pelo show e vendo as fotos do noivado, achei muito alvissareiro ter ido encontrar com aquela família nesse dia que uma outra se anunciou – acho que vai dar sorte. A fé, como se sabe, não custuma faiá.

Sejam muito felizes, N. e A.; amo vocês.

Helê

P.S.: E eu juro que só agora, na hora de publicar, me dei conta que o post, que eu não havia nem planejado. acabou nascendo hoje, no dia do aniversário de Gil. Parabéns, seu Gilberto!

Aponte o racista

  • No dia 2 de junho de 2020, Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, caiu do 9º andar do Condomínio Pier Maurício de Nassau, um dos imóveis de luxo no Recife. A mãe dele tinha descido ao térreo do prédio para passear com a cadela da patroa, Sarí Corte Real, que estava responsável por cuidar do menino. Sari Corte Real é esposa de Sérgio Hacker Corte Real (PSB), então prefeito de Tamandaré, no Litoral Sul de Pernambuco. Estávamos em plena pandemia da Covid, quando muitas empregadas domésticas estavam afastadas do trabalho.
  • Sari foi presa em flagrante à época da morte do menino, por homicídio culposo, mas pagou fiança de R$ 20 mil e foi liberada. Em maio de 2022, foi condenada a 8 anos e seis meses de prisão por abandono de incapaz com resultado morte mas responde ao processo em liberdade. ( Fonte: G1)

Esse caso desperta em mim os piores sentimentos, uma dor que não consigo nem começar a sentir e uma raiva visceral por essa mulher, eu não consigo falar muito sobre isso. Todo o caso é por demais emblemático do pior do Brasil e da sua autoproclamada elite, em geral composta por gente torpe a ponto de desconsiderar a vida de qualquer um que não seja um de seus pares.

Então ao invés de destacar a perda de Mirtes, essa crueldade sem nome e sem fim, eu quero estampar aqui a cara da criminosa – não de cara lavada e blusa branca como apareceu na tv, mas no ápice da sua vaidade impune, para que ela nunca seja esquecida nem tenha paz.

Helê

Chico sempre

Para Geide e Tina

Uma mudança na minha rotina tirou a possibilidade de caminhar/andar de bicicleta cedo, e lá se foi uma mais uma vez o hábito recém readquirido do exercício físico. Além da preguiça nossa de cada dia, sou uma pessoa matinal, malhar em qualquer outro horário é uma dificuldade a mais pra mim. Mas o corpo reclamou e lá fui eu sexta-feira, repetindo pra mim “é só meia hora”, que sempre serve pra ir além disso.

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Cinco minutos depois e eu já tinha lembrado como o exercício oxigena o cérebro, e como é bom cantarolar pelas ruas  (até alto, nas menos cheias).

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Caminhei ouvindo uma playlist feita a partir do último show do Chico. Depois de algumas músicas acabo repetindo mentalmente como um mantra: “Como o Chico é genial! Como o Chico é genial! Como o Chico é genial!”. Na sexta foi depois de “Paratodos”, que é uma árvore genealógica afetivo-musical brasileira, homenagem, receita e testamento.

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Ouvindo “Biscate” achei que pode servir de trilha sonora para a tetra tuiteira da semana, sobre namorar ou não alguém desempregado:  “Vivo de biscate e queres que eu  te sustente…andas de pareô eu sigo inadimplente“.

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Fala-se muito sobre as mulheres de Chico, mas há que se reparar também nos casais de Chico. Amo esses dois de Biscate, queria ser um deles. Disfarçam o amor com reclamações e críticas mais ou menos veladas, mas no fim das contas querem mesmo é se mandar daqui, ir pra Bahia, ver o sol se por e sair na bateria. Parecem ‘sob medida’ um para o outro – citando outra pérola buarquiana.

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Mesmo que os romances sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus amores serão bons

(Choro Bandido)

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Meu coração, que você sem pensar
Ora brinca de inflar, ora esmaga
Igual que nem fole de acordeão
Tipo assim num baião do Gonzaga

(Tipo um baião)

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Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial.Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial.Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial.Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial.Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial. Chico é genial.

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Acho “Caravanas” tão foda, forte, tão Rio de Janeiro que eu coloco junto a outras grandes canções políticas do Chico. Não é música de protesto dos anos 60, mas tem a mesma contundência e poder de denúncia. Uma crônica, ou talvez um videoclipe: eu vejo os caras chegando de ônibus na zona sul, a algazarra, o temor, a alegria, a tensão e o tesão latente e reprimido. E amo o deboche final: “Sol, a culpa deve ser do sol“.

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A última música da caminhada foi a que deu nome ao show, “Que tal um samba?” Muitos anos se passarão e eu ainda vou me lembrar de mostrar “Que tal um samba?” dentro do carro, em São Paulo, para duas das amigas mais queridas. Foi no dia seguinte ao lançamento da música, entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2022, e tudo que a gente desejou foi que aquilo fosse um prenúncio de que, depois de uma dor filha da puta, a gente poderia “Juntar os cacos, ir à luta/Manter o rumo e a cadência/Desconjurar a ignorância/Desmantelar a força bruta”. Obrigada, Chico, por esse “vai passar” profético e delicado, que naquele momento nos envolveu como um abraço e fortaleceu nossa resistência.

Helê 

 

 

Colaterais

Ando flertando com a possibilidade de voltar a estudar. Então antes de entrar num relacionamento sério com a Academia, aproveito a desobrigação de citar fontes e reunir quem concorde comigo para jogar ideias ao vento, displicentemente. (Também)Pra isso serve um blogue.

Estive pensando que no quanto a sociedade brasileira deve ao contingente afrodescedente da população – e eu nem estou falando das riquezas acumuladas a custa de nossos ancestrais (ouça o Projeto Querino, indique pra alguém, ouça de novo). Constatei que toda vez que os pretos avançam socialmente, levam consigo outros; nunca somos só nós – e só nós já seria mais da metade da população.

Estava pensando em lutas e conquistas relativamente recentes, como por exemplo, os quilombolas. Pelo que ouvi dizer (olha aí a vantagem de não ter responsabilidade acadêmica), o artigo da Constituição que garante às comunidades remanescentes de quilombo a posse de suas terras foi aprovado porque não havia compreensão do que isso significava realmente; acreditava-se que iria beneficiar meia dúzia de povoados, se tanto. Mas, nas décadas seguintes à promulgação do Artigo 68, vimos centenas de comunidades iniciarem a luta pela terra (já que a titulação definitiva envolve processos longos e complexos). Esse contingentes de diferentes tamanhos, formatos e modos de subsistências não surgiram com a lei, mas a partir dela passaram a poder exigir que o Estado as reconhecesse como detentores de direitos específicos. Na esteira dessa luta, deram legitimidade ao conceito de “comunidade tradicional”. Ao argumento “Ah, mas tem outras comunidades que não são quilombolas e também ocupam a terra a muito tempo!”, passamos a reconhecer também esses agrupamentos – pescadores, comunidades ribeirinhas e outros modos de viver comunitário. Essa é a impressão que tenho, que a partir da luta dos quilombolas outras comunidades tradicionais não-indígenas passaram a ser enxergadas como agrupamentos sociais relevantes com direitos próprios.

Coisa semelhante aconteceu com as cotas raciais. Falando de um ponto de vista absolutamente leigo, apenas como alguém que observa pela filha as mudanças na universidade hoje, alguém atenta ao cotidiano e às notícias: acho que nada provocou impacto maior na universidade e na sociedade brasileira nos últimos 20 anos que as cotas raciais. Uma discussão sempre em curso, uma medida a todo momento ameaçada mas cujos reflexos já são perceptíveis em várias áreas – e tendem a ser cada vez mais. E qual foi o primeiro ataque à ideia de cotas? “Ah, mas a questão não é apenas racial, tem os estudantes brancos da escola pública, os estudantes pobres…” A solução, na imensa maioria dos casos, não foi ignorar a raça, mas reconhecer e acolher também esses outros grupos vulneráveis – que, é preciso frisar, nunca haviam sido efetivamente considerados antes das discussões sobre cotas raciais. Além do ganho esperado, de um maior contingente de negros no ensino superior, as cotas provocaram efeitos colaterais positivos ainda a serem mensurados, mas que evidentemente ultrapassam a população negra.

Ou seja: a gente nunca avança sozinho.

De nada.

Carlos Vergara/Divulgação

Hele

Monix Day 2023

Feliz aniversário, Sócia!

Que o novo ciclo seja belo, colorido e elegante pra você, que inspira revoluções.

Seja feliz, sem moderação. 🥳

Helê

Portela, 100 anos

Numa mistura muito brasileira e peculiar de carinho e racismo, meu padrinho me chamava de Neguinha da Portela quando eu era criança; somente por isso, durante um tempo eu achei que era portelense. Mas quando meu coração foi consultado, foi difícil negar: diante da Verde & Rosa desfilando Drummond, chorei de emoção, alegria, beleza e pertencimento. Ali eu soube que era mangueirense, ainda que estivesse, fisicamente, mais próxima de Oswaldo Cruz do que da Estação Primeira.

A verdade é que durante muito tempo ambas eram territórios tão poéticos quanto abstratos: só adulta fui pisar em solo sagrado. Mangueira e Portela entraram na minha vida, além das transmissões dos desfiles, trazidas por seus talentosos filhos, filhas e divindades. Foi ouvindo desde cedo Paulinho, Clara, Beth, Cartola, Alcione, Monarco e, mais tarde, Zeca, que aprendi algumas das mais belas canções escritas em português. Foi em rodas de samba improvisadas em Marechal Hermes que me familiarizei com esse repertório de sambas que compõem a riqueza inestimável dessas agremiações.

Demorou, mas depois que descobri o caminho da quadra, não esqueci mais. E ontem, quando a Manu enviou uma foto nossa na Portela, comentando o centenário, começou a rodar um filminho da minha cabeça das muitas vezes em estive lá. Lembrei da minha filha pequena sambando em cima da cadeira, de encontrar meu amigo Wellington e sua distintíssima mãe numa feijoada; de circular nos arredores numa celebração do Trem do Samba; do show do Paulinho da Viola (com a Manu); do primeiro desfile dos Timoneiros – para onde levei os Parasitas Garbosos (quando comecei pedindo a benção ao Seu Monarco e terminei sambando à frente da bateria, sucesso absoluto!).

Portela: um lugar onde sempre fui muito feliz, em que tive grandes encontros, lembranças divertidas, ternas e inesquecíveis – mesmo para quem é apenas ‘simpatizante’ (como disse a imperiana Manu). Terreiro ancestral e encantado, correnteza de beleza, rio que banha o Rio inteiro de poesia e majestade. Meu coração mangueirense sempre se deixará levar quando vir você passar, Portela. Obrigada e parabéns!

Helê

Esquecer e lembrar

“Surpreendentemente, as memórias não são fixas e permanentes. A memória está sujeita a alterações cada vez que a acessamos e consolidamos. O que lembramos tende a ser distinto, carregado emocionalmente e considerado digno de processamento e reflexão em nossas cabeças depois que o evento aconteceu. Nossas memórias estão centradas em nossas histórias de vida e no que mais nos afetou pessoalmente. Contra esse pano de fundo neural, a pandemia pareceria inesquecível. Foi um evento histórico assustador, como a maioria das pessoas nunca viu antes. (…) Mas tanta coisa aconteceu que foi difícil para nossos cérebros codificar a sobrecarga de informações que tivemos que filtrar. (…) E há outra razão para esquecer: muitas pessoas não querem se apegar às memórias relacionada à Covid”.

Science of forgetting: Why we’re already losing our pandemic memories, Richard Sima. The Wahsington (grifo meu)

Fiquei ligeiramente fascinada com esse artigo, indicado pela Maria Clara Villas na ótima newsletter Galáxia. Menos pelo assunto em si, a nossa percepção sobre os tempos pandêmicos, e mais com o funcionamento da memória, tema que sempre me encantou. Recheada de citações científicas e depoimentos de estudiosos sérios sobre o tema, a matéria só faz confirmar a perspicácia de Wally Salomão quando disse que “a memória é uma ilha de edição”. E sempre que leio sobre o assunto me surpreendo com a papel do esquecimento em nossa vida, o desprezado e indesejado oposto da memória: “Uma suposição básica que podemos fazer é que todo mundo esquece tudo o tempo todo”, disse Norman Brown, professor de psicologia cognitiva que pesquisa memória autobiográfica na Universidade de Alberta. “O padrão é esquecer.” Estaríamos então supervalorizando a capacidade de lembrar? Deveríamos todos os da minha faixa etária de Gaza, relaxar mais ao esquecer o nome daquele autor ou não lembrar como termina aquela música? Acho que sim, e espero me lembrar disso toda vez que a memória falhar, porque se esses doutores estiverem certos, esquecer é do humano, e tem mais a ver com viver, do que, necessariamente, com envelhecer.

Se puderem, leiam o artigo; faz apontamentos muito interessantes sobre esse evento traumático coletivo que vivemos há pouco e cujas memórias começam a embotar – para o nosso próprio bem. Ou não.

Helê


Perdi tudo…

Ruan walker @rwfotografiaa

…com essa Turma da Mônica e não consigo superar!

Sugestão de livro infantil

Compre para o seu filho, presenteie a afilhada, doe para uma biblioteca (eu acabei de comprar o meu na Amazônia e vou doar depois de ler).

Combata o racismo e a intolerância religiosa com ações.

Helê