Há alguns anos um conhecido querido me ofereceu um frila que eu não pude aceitar. Gentilmente recusei a oferta, deixando claro para ele que eu realmente não tinha condições naquele momento, embora reconhecesse a importância do trabalho que ele estava desenvolvendo. Ele, em seu estilo original de se expressar, respondeu: “Tudo bem, eu entendo. Eu sei que se traçarem uma linha dividindo o mundo, nós vamos ficar do mesmo lado.”
Jamais esqueci dessa frase peculiar que achei ao mesmo tempo ingênua e amorosa. E verdadeira. Mesmo sabendo que a complexidade do mundo e da vida não cabem numa metáfora tão simplista, percebi que ele resumiu de maneira concisa um conjunto de valores que temos em comum. Sim, ele tinha razão, ficaríamos do mesmo lado.
Nos últimos dias essa frase não sai da minha cabeça. Para meu espanto e horror, o que era uma imagem inocente virou uma realidade brutal. É o que se vive hoje no Brasil: há uma linha que coloca de um lado a civilização, a democracia e o respeito aos valores humanos universais e no lado oposto o atraso, a selvageria, a truculência – um conjunto que me ofende em tudo, a começar pela deselegância e o mau gosto.
Eu que sempre considero contextos e circunstâncias, que valorizo nuances, semitons e entrelinhas; eu que vejo na dúvida um valor e uma oportunidade, sou confrontada com essa realidade em que não há espaço para dúvida ou isenção. Quem vota em Bolsonaro – esse nome que a gente evita não por temor, mas por desprezo – está no lado oposto ao meu, e essa divisão é irreversível. Quem está do lado de lá não me interessa.
Tenho certeza de que estou onde deveria estar quando olho ao redor e vejo comigo gente que eu admiro e respeito, e que compartilha dos meus valores mais fundamentais. Nem todos são meus amigos, e mesmo entre esses, discordamos demais. Mas prezamos pontos inegociáveis, entre eles o direito de divergir, de se manifestar e o respeito à vida, mesmo que seja do meu opositor. Eu jamais estaria do outro lado, e essa certeza me tranquiliza, orgulha e fortalece.
Procure ter a mesma certeza porque, passadas as eleições, todos vão precisar de apoio para superar as fraturas e dissensões desse doloroso processo. Neutralidade não é uma opção: além de covarde, te joga para o lado autoritário. Se o totalitarismo for sua lamentável e equivocada opção, ao menos tenha a coragem de assumi-la.
Passadas as eleições, continuaremos todos aqui (ainda que o exílio seja sempre uma saída, voluntária ou não). Seja qual for o resultado de domingo, teremos que aprender a co-existir com um grupo numeroso e desagradável de gente que pensa muito diferente de nós. Escolha bem de que lado você vai estar porque não tem volta. E não dá pra dizer: ‘eu não sabia’.
Ainda não há nada decidido e, como no futebol, só acaba quando termina.
Helê
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