Salve São Pedro!

SãoPedro

Hoje é dia dele, São Pedro, guardião das chaves e, por extensão, das casas. Também há quem o veja capaz de abrir os caminhos fechados e trazer tudo de bom que está guardado ou escondido. Seja como for, aproveite último dos santos juninos para agradecer, pedir e comer as delícias dessa época. Na minha casa tem canjica, como homenagem e agradecimento, numa tradição herdada de minha madrinha. Viva São Pedro!

Helê

Foto da foto

Fotos que renderam boas fotos

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De cima para baixo, da esquerda para direita: Tumbrl, via pinterest; 2. Salvo por Ellen Damon 3. Salvo de myfotolog.tumblr.com 4. The Camera lover 5.  Pouted Design Online Magazine 6. Maruhara 7. Funny Wildlife

Helê

Manual

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(@Thedesigntip, via Fernanda Fonseca)

Da série ‘Corações’

Helê

Casais

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(Criative  Silence)

“Chega mais perto, moço bonito
Chega mais perto, meu raio de sol
A minha casa é um escuro deserto,
Mas com você ela é cheia de sol
Molha tua boca na minha boca
A tua boca é meu doce, é meu sal
Mas quem sou eu nessa vida tão louca?
Mais um palhaço no teu carnaval”

Tema de amor para Gabriela, Tom Jobim

Helê

Mistérios

Fico intrigada com a maneira como funciona a memória, essa biblioteca caleidoscópica autogerida, que segue uma lógica obscura e realiza sinapses surpreendentes. Não entendo como ela opera (talvez não queria saber de fato: descobrir o truque não tem prazer nem próximo do que vê-lo acontecer). Há pouco me lembrei de ‘Beijo Partido’, bela canção do Toninho Horta. E lembrei de uma história que meu irmão me contou, há muitos e muitos anos, de um ex-viciado que teve uma epifania sobre o vício ouvindo essa canção. Entre os versos “eu não gosto de quem me arruína em pedaços” e “onde estará a rainha que a lucidez escondeu?” uma luz acendeu na consciência do cidadão, que então decidiu se tratar. Se você me perguntar a senha do Gmail, que eu uso todo dia, eu vou gaguejar e errar. Mas essa historieta, de alguém que eu não sei nem quem é, que impressionou meu irmão há tempos atrás e que ele comentou comigo num dia qualquer, grudou em alguma esquina do meu cérebro e permaneceu. Nesse mesmo sótão onde não há faxina que recupere a ficha da moça que me cumprimenta no facebook, evocando lembranças que deveríamos partilhar mas que eu, vergonhosamente, desconheço.

brainNa verdade, a memória (a minha eu apelidei carinhosamente de Danada) é um dos muitos engenhos misteriosos do corpo humano. Tem, por exemplo, o cérebro, esse assombroso maquinário. No ótimo documentário “My beautiful broken brain”, disponível na Netflix, Lotje Sodderland, uma mulher de 34 anos, registra sua reabilitação após sofrer um grave derrame. Apesar da situação trágica, o doc escapa com brilho da pieguice e dos clichês motivacionais. Concentra-se em narrar a incrível tarefa de alguém que busca consertar algo defeituoso tendo como instrumento esse mesmo equipamento avariado. Em dado momento, Sodeerland recupera a capacidade de escrever, mas continua sem conseguir ler, o que deu um mini curto-circuito na minha cabeça: achava que as duas habilidades estavam ligadas. Na verdade, são organizadas e controladas por partes diferentes da mente. Fascinante: o mecanismo, as nuances, a capacidade de recuperação, as divisões, funções, tudo distribuído em pouco mais de 1 kg de massa, tão poderoso quando vulnerável.

Tem também o coração, esse músculo involuntário e suas sofisticadas estratégias de sobrevivência. Aprendi outro dia o porquê dos enfartes serem mais perigosos e fatais em pessoas mais jovens. Achava que isso era daquelas coisas que o senso comum afirmar sem ter propriamente fundamento pra isso, mas a amiga médica explicou que procede. Acontece que o coração mais velho torna-se mais capilarizado; com o tempo, o órgão cria novas ramificações, vias secundárias, de modo que, face a uma obstrução, o comprometimento não é tão severo porque o sangue encontra outros caminhos que não existiam no original de fábrica; há ligações imprevistas, gambiarras, novos escapes (entro em beco, saio em beco/há um recurso, Madalena). B. me explicava didática e cientificamente, e eu a escutava deslumbrada com o lirismo e a sabedoria de tudo isso. Fiquei encantada com essa habilidade cardíaca, comovida feito o diabo com essa anatomia poética, com essa inteligência sensível obtida com a experiência (e um pouco aliviada, claro, porque afinal eu já tenho um coração de meia-idade).

Escapei da medicina, que ‘acometeu’ alguns na minha família, mas não do fascínio pelo corpo humano, mas me distraio com beleza  e encanto onde outros só vêem estruturas e sistemas. Aquilo que classificam como ciência e que rescende à razão, química e cálculos, eu só consigo compreender como poesia, da ordem dos mistérios.

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(Travis Bedel)

Helê

Fisgado

fisgado (CYD salvou em Antomical Hearts)

Da série Corações

Helê

Diarices

Semana intensa em enredos e emoções, entrei e sai de ficções e realidades às vezes sem divisar claramente bordas e fronteiras. Isso eu li ou vivi, está mesmo cotesseno, is this real life?

– Moro numa casa nova que escolhi para mim, e todo o tempo nela é pouco. Quero intimidades, descobrir o que lhe cai bem, preencher seus espaços preservando os vazios necessários, quero torná-la nossa e minha. Tento listar urgências e equilibrar desejos: pintar a porta de roxo talvez deva vir depois de chamar o eletricista, na lista de prioridades (ser adulto sucks). Enquanto isso, passo a vida a limpo, jogando fora o que escapou da primeira seleção, reunindo pares de brincos outrora separados, descobrindo roupas esquecidas e me livrando caixas, sem pressa mas com alívio. Sempre cantarolando ‘Starting Over’, que, ok, não deu muita sorte pro Lennon, mas é uma bela canção e traduz com fidelidade meu sentimento  just like startin oooover !

– A Fal veio ao Rio e eu de repente me vi tomando o café da manhã mais nobre da vida – não por causa do seu aprumo e elegância, o anel combinando com a blusa, as alvas pérolas, mas porque ela era tão educada com o garçom que ele, querendo retribuir-lhe a gentileza, serviu um copo d’água e desejou: saúde. Porque a Fal causa essas reações nas pessoas: a gente quer agradar, retribuir, fazer o certo e o melhor e aí tropeça, gagueja, um horror – e ela, ali, a coisa mais linda, com cara que quem não reparou. O humor ao vivo e a cores, a atenção, a delicadeza da Fal, gente. Ela me explica o Feminismo segundo Maliu, fala da família, conta histórias, elogia os amigos e eu só vou embora porque preciso (volto porque te amo). E também porque chegaram outras pessoas para lhe fazer a corte, que eu não conseguiria deixar sozinha a Princesa da Ervilha (®Renata Lins). Depois, em penso em 47 coisas que deveria ter feito diferente e morro de vergonha.

– Nos intervalos leio “A Casa dos Espíritos” e, como sempre me acontece com as narrativas da Isabel Allende, vivo um pouco naquele mundo. Como leio muito no transporte, me deixo levar a ponto de tomar um susto na hora de saltar: fecho o livro e desço do Chile em 1970 no Centro de Niteroi em 2016. Já li outros livros dela, gosto imenso, principalmente dessa capacidade que ela tem de nos pegar pela mão e inserir naquele enredo. A certa altura interrompi a leitura por motivo de: angústia. O relato do golpe no Chile é muito vívido e aterrorizante; e a descrição do período pré-golpe guarda desagradáveis semelhanças com o que vivemos atualmente. São situações muito diferentes, eu sei, mas não tão distantes como seria ideal.

– No sábado a notícia da morte de Muhammad Ali me alcançou logo cedo, e entristeci de imediato. Eu devia ter 6 ou 7 anos quando meu tio Luiz Carlos colocou no filho o nome de Marcellus – por causa daquelo lutador, me explicaram -; é minha primeira lembrança dele, que  deduzi ser especial. Depois fui crescendo e acompanhando sua trajetória; nunca me recuperei do impacto de ver aquele homem negro dizer na tevê “Eu sou lindo, eu sou ótimo, sou o melhor”. A idade e a memória, mancomunadas, me confundem e já não tenho certeza se assisti isso quando era criança ou muitos anos depois, mas não importa: lessons taken; ficou a admiração imensa por essa figura ímpar. Há alguns meses li o excelente “A Luta”, do Norman Mailler, e uma amiga se espantou: “Mas boxe, Helê?” E eu respondi: “Mas é o Ali!”.

Era isso, só, anotações no que seria um caderno de anotar a vida, se eu tivesse um e fosse uma personagem da Isabel.

 

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(by Travis Bedel via Inag)

Helê

R.I.P. Ali

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(King Jaffe Joffer)

Helê

Da série Bis é bão: Cidadania e ironia*

Ela era prostituta, politizada, militante dos direitos da categoria. Uma puta cidadã (e vice-versa). Por isso, não titubeou quando teve que informar a profissão ao funcionário do cartório:
– Profissional do sexo – ela disse, como quem diz o dia da semana.
O funcionário ouviu, mas achou melhor fingir que não:
– Como?!?
– Profissional do sexo – ela repetiu, com firmeza.
O funcionário, com ar malicioso, pediu confirmação:
– Isso é aquilo que eu estou pensando?…
– Eu não sei o que o senhor está pensando!, ela respondeu, desafiadora.
O funcionário, visivelmente perturbado, foi atrás de um superior. No caso, superiora. A chefa veio até a moça e repetiu a pergunta; a moça repetiu a resposta. A chefa respirou fundo e afinal perguntou:
– Profissional do sexo é …prostituta?
– É, respondeu a profissional, já meio puta (ou mais puta, digamos).
– Ah, bom; – disse a chefa, satisfeita por ter encerrado o impasse. Para logo depois perceber que o problema não estava resolvido:
– Ah, mas isso não consta da relação oficial de ocupações do ministério do trabalho, vamos ter que colocar outra coisa… vamos ver… cabeleireira? – sugeriu a chefa.
– Tá, tá bom. – concordou a puta, resignada.
– Então a senhora também é cabeleireira?, quis saber a chefa, animada por descobrir uma segunda ocupação da moça. Que já irritada com a situação, respondeu:
– Ah, uma coisa eu garanto: faço barba, cabelo e bigode!

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Helê
* História verídica, contada (se não me falha a danada) pelo Flávio Lenz, editor do saudoso e ousado Beijo da Rua.
Publicada originariamente em preto e branco em 24/5/05.