Segundo turno – ou a prorrogação sem descanso

O fim de semana inteiro do 1º turno das eleições de 2022 foi, para mim, um vórtex de ansiedade e expectativa, do qual saí arrasada, triste, envergonhada. Eu não achava que a fatura seria liquidada assim, de primeira. Tão pouco esperava que um adversário tão inferior em todos os aspectos possíveis tivesse, depois de quatro anos de baba raivosa, bravatas relinchantes e flagrante incompetência, tantos votos. Distribuídos também para seus colaboradores/asseclas diretos, uma gente abjeta e que deveria, em grande parte, estar respondendo criminalmente pelo que fez no governo, assim como o chefe do bando, o miliciano federal. Gente cujo nome eu me recuso até a escrever, não merece estar aqui.

Acordei na segunda-feira 3 de outubro me sentindo péssima, uma ressaca moral espetacular. Raiva, desgosto, desesperança, vontade de desistir. De que exatamente? Do Brasil? Posso desistir dele tanto quando pude escolhê-lo.

Deus é um cara gozador
Adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo
Tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado
Me botar cabreiro
Na barriga da miséria
Nasci brasileiro
Eu sou do Rio de Janeiro

Ainda por cima o Rio de Janeiro, mes amis, a Vanguarda do Caos: se pode dar merda, se vai dar merda, no Rio dá primeiro, em grande estilo, no primeiro turno.

Confesso que achei que minha reação talvez fosse exagerada, emocional demais, tratando como pessoal algo que, afinal, é do campo público, da coletividade, sobre o qual minha influência é tão limitada quanto deveria ser minha a resposta. Decidi dar um tempo do noticiário e, na medida do possível, das redes sociais, onde passei a entrar como quem anda pela cidade num dia chuvoso: pulando poças de informação sobre política em geral e eleições em particular. Para me poupar, já que estava me fazendo tão mal.

Com o passar dos dias fui percebendo que as pessoas que pensam – e sentem – como eu reagiram de maneira semelhante. Desse lado da corda, onde não há santos mas não toleramos perversos, todo mundo sentiu, de um jeito ou de outro, o pavor diante da força daquilo que desprezamos. E um cansaço largo e fundo, de anos de combate incessante, com muitas baixas, perdas demais, e alegrias menores do que a gente merece.

(…) os últimos anos foram um incêndio, do qual quem saiu ileso em muitos casos ainda não percebeu que está cheirando a fumaça e que talvez tenha se queimado, nem que seja as pontas dos dedos, tentando se segurar a algo quente demais. Muitos de nós estão tendo de voltar aos escombros, tentar ver o que dá para salvar. 

Em outra língua fumo se escreve com h, Renata

Por isso na newsletter de ontem nós falamos sobre descanso e autocuidado. Preservação, respiração, atenção a si e ao outro, aos nossos. Ouvir o corpo e nutrir a alma, fazer um detox dessa poeira que o gado levanta tentando nos sufocar. Cada um de nós vai buscar maneiras de se refazer, reagrupar forças, proseguir.

Não votar como eu queria – usando a toalha do Lula como uma capa – e aturar os verdeamarelos ostentando sua burrice orgulhosa me fez muito mal. Voto na esquerda há mais de 30 anos e nunca me senti ameaçada dessa maneira. E fiquei pensando que, ainda que a possibilidade de violência seja real, ela pareceu ainda maior porque eles não fizeram nenhum esforço para desmenti-la. Pelo contrário, deixaram a ameaça pairando sobre as nossas cabeças.

Decidi então nunca esquecer lo adesivo ao sair e SEMPRE encontro alguém que me dá um sorriso, uma palavra de apoio, alívio e alegria. Na maioria das vezes eu estou distraída e até levo um tempo para perceber, e quando me dou conta é tão revigorante que eu recomendo, viu? Tem uns olhares que podem ser de reprovação, mas nem dá tempo pra perceber e nunca mais do que isso. Eu não sei se vamos ganhar, mas decidi que pro medo eu não vou perder.

Coisa minha, gesto simples. Como fazer um DataJanela postando toalhas do Lulão que encontro no meu bairro – quando me dei conta, a propósito, que nunca vi uma bandeira do milico. Meu DataJanela não considera a bandeira nacional como de candidato – e ninguém deveria.

Continuo pulando poças de informação nas redes e na mídia. Caminho, pedalo, mergulho na ficção muitas vezes ao dia, um dia de cada vez desse outubro interminável. Milito como posso e quando consigo, lembrando sempre que, apesar de tudo e de tantos, nós vencemos. E ainda não terminou.

Helê

Amizade que transcende

Os fridinhos no Rock in Rio

Hoje é dia de celebrar a Helê, e eu aproveito para celebrar nossa amizade.

Faz quase vinte anos que essa moça da risada fácil e das palavras bonitas entrou na minha vida pra ficar, e a gente não se largou nunca mais. Mudamos de empregos, moramos em outras casas, viajamos pelo mundo, tanta coisa se modificou ao longo desse tempo.

A gente tinha dois bebês que mal andavam e falavam, hoje entregamos pro mundo esses xóvens lindos que estão aí na foto. Que têm uma amizade própria, que anda sozinha e não depende da gente. Nesse seu aniversário, sócia, o presente que nós duas ganhamos é ver esses dois trilhando um caminho que a gente até ajudou a construir, mas que agora depende basicamente deles mesmos. A gente pode ser mothern, mas somos também mães do “casaquinho” e mães do “quem meu filho beija minha boca adoça”. Por isso escolhi pra este aniversário uma foto da sua Djubs, que eu vi crescer e que tem tanto de você nela.

Hoje é aniversário da Helê, a moça da risada fácil e das palavras bonitas, que veio ao mundo no dia dos Erês para espalhar alegria que bem querer por esse mundo afora. Salve ela!

-Monix-

A coroa

Ela nasceu na década de 1920.
Passou a infância como uma princesa. Perdeu o pai muito jovem e teve que ir à luta.
Casou-se com um oficial da Marinha de seu país.
Cuidou da mãe, que morreu bem velhinha. Teve muitos filhos, netos e bisnetos.
Viveu uma vida longa e manteve a família unida apesar de muitos pesares.
Depois de sua morte, ninguém foi capaz de ocupar seu lugar com a mesma competência e dignidade.

***

Parece que estou fazendo a biografia resumida de Elizabeth II, mas essa é a história da minha avó materna. E provavelmente essas similaridades explicam, em alguma medida, meu mal disfarçado fascínio por essa monarca — o que obviamente não combina com minha visão de mundo. Mas é isso: Lilibeth sempre me lembrou muito minha amada avó, que era, ela própria, fascinada pela rainha e pela família real.

Sobre a monarquia britânica, já disse antes que seu principal papel é dar um sentido de continuidade à história do país. A rainha está morta; viva o rei.

Sim, o Estado continua apesar da mortalidade dos soberanos. Mas a morte de Elizabeth é sem dúvida o fim de uma era. Para mim, numa nota mais pessoal, teve sabor de uma segunda despedida da minha querida avó.

-Monix-

Minha dinastia pessoal :)

Independência e vida

Desculpe aí, patriarcado, mas são duzentos anos de uma história contada pela metade, então hoje precisamos fazer uma correção importante. A independência do Brasil foi proclamada por uma mulher. É isso mesmo, repito para que não haja dúvidas:

A independência do Brasil foi proclamada por uma mulher. No dia 2 de setembro de 1822.

Essa mulher se chamava Maria Leopoldina, e hoje seu nome é mais reconhecido quando vem com um sufixo, no nome da escola de samba Imperatriz Leopoldinense. Duzentos anos atrás, ela era a princesa regente do Brasil, portanto quem tinha autoridade para tomar decisões e assinar documentos oficiais. E foi isso que ela fez naquele 2 de setembro. Portugal queria que D. Pedro voltasse à Europa. A corte brasileira pressionava pela independência do Brasil. A relação colonial já não fazia sentido. Mas o príncipe estava ausente (ué, um homem ausente na hora que mais se precisa dele, cê jura?). Quem botou o dito cujo na mesa foi a consorte de apenas 25 anos, que tinha sido preparada a vida inteira para cumprir com os deveres de Estado.

Nos dois episódios históricos de 1822, Leopoldina esteve em defesa da emancipação brasileira. Em 13 de agosto (…) D. Pedro viajou para São Paulo , e Leopoldina assumiu pela primeira vez a regência do país. Durante esse período, no dia 2 de setembro, presidiu a sessão do Conselho de Estado na qual deliberou a separação entre os dois reinos, fazendo registrar na ata a assinatura de todos os ministros. Documentos afirmam que a independência foi oficialmente decidida nessa ocasião, e alguns dias depois proclamada por D. Pedro às margens do Ipiranga.

(Trecho extraído do verbete sobre Leopoldina de Habsburgo-Lorena, do Dicionário Mulheres do Brasil)

Leopoldina comeu o pão que o diabo amassou no Brasil, mas amou este país até o final

A história oficial tende a apagar a participação feminina nos grandes eventos ao longo dos séculos, mas nunca é tarde para revisitar o cânone e dar crédito a quem merece. Além de Leopoldina, que atuou aqui na corte do Rio de Janeiro, o Brasil como o conhecemos hoje deve muito às heroínas da independência da Bahia: Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa. Essa história também merece ser contada, mas hoje, 2 de setembro, o que eu quero é propor que comemoremos a verdadeira data de independência do Brasil relembrando Leopoldina — por exemplo, você já leu o livro da Fal e da Suzi? E se não leu, o que está esperando?

Olha quem já leu… Só falta você rsrsrs (a foto é montagem, mas fica a dica como inspiração)

A independência contada da perspectiva masculina tem cavalos, uma espada meio fálica (ops) e um grito que fala em morte. O que eu quero é uma independência que fale de vida, e a Imperatriz Leopoldina, com toda sua dignidade perante o sofrimento, sua habilidade para construir alianças e sua vocação para os negócios de Estado me parece uma representante muito melhor do espírito que devemos buscar para a nação brasileira.

-Monix-

Enfim, setembro!

Setembro. 1º de Setembro.

Sempre recebo este mês com alegria e alívio, mesmo que agosto não tenha sido tão difícil (mas quase sempre é, né?). E sempre com muita esperança, o peito explodindo de contentamento e aquele sentimento absolutamente infantil de que, sim, agora vai, vai dar tudo certo e serei feliz, feliz (façam muitas manhãs/ que se o mundo acabar eu ainda não fui feliz etc. Chico, sempre).

Eu sei, eu sei que é só uma virada de mês e não de vida, que o dia espetacular que faz hoje no Rio de Janeiro não está garantido, que tecnicamente é o tal do inferno astral, mas ainda sim hoje de manhã arranquei agosto de todas as folhinhas da casa com vontade e animação – você sabe, Esperança e Teimosia andam de mãos dadas, balançando as tranças e sorrindo.

(É como a campanha do Lula: a gente sabe que, ganhando, ele vai pegar um país muito pior que no primeiro mandato, vai ser tudo muito difícil – fora ter que ouvir os reaça mugindo contra e tal. Mas sem esperança a gente nem sai da cama nesse país triste e indecente em que o Brasil se transformou, não é mesmo?)     

A raiz desse meu contentamento injustificado com setembro vem da infância, daquela expectativa pelo aniversário (dia 27, anote), que nessa fase da vida é a data mais importante, mais até do que natal. Confesso que eu não superei essa fase: até hoje acho que é o dia mais importante do ano, perdendo apenas pro carnaval (Santa Claus não tem muita moral por aqui). Com o tempo, vivi desapontamentos  em setembro, pra minha total surpresa – até chuva no dia do meu aniversário, para o meu total horror. Mas nem a experiência me tirou a alegria de esperar e receber setembro com o peito aberto, a alma menina, e a esperança de um dia ser tudo o que quero (Caetano, também amo você).

Suspeito que enquanto esperar e receber setembro desse jeito nem tudo estará perdido, está mantido em mim o que me define, de certo modo; e posso sossegar pois não venceu o cinismo (que não passa de desespero sagaz e elegante ).

Toda vez que a tristeza me alcança o menino me dá a mão (tamo junto também, Miltão!).

Helê

Assistido por aí

Duas surpresinhas e uma leve obsessão

Anatomia de um escândalo” é uma série muito bem interpretada, que parece que vai ser sobre político infiel, casamento e tal (uma coisa assim meio The good wife), mas é, acima de tudo, sobre consentimento. Sobre a supremacia masculina tão entranhada nas sociedades em que vivemos que todas nós mulheres podemos nos identificar e mesmo nos reconhecer nessa minissérie britânica classe alta branca. Confira.

Hacks” é outra surpresinha. Parece que vai ser sobre uma comediante decadente e uma roteirista de comédia arrogante. E é, também, mas não apenas. Porque a humorista sênior tem seu valor, ainda enche o teatro (mesmo que queiram diminuir suas apresentações). E a jovem escritora tem uma dose de arrogância e sabe-tudismo típica da idade, mas pode ser uma pessoa compassiva. E cedo na série a gente

saca o que elas demoram um pouco mais a perceber: que são duas mulheres tentando vencer in a men’s world , o que as une, ainda que queriam se repelir mutuamente. E a gente vai revezando simpatias – uma hora amando Deborah Vance, outras nem tanto; em vários momentos torcendo para Ava, noutros querendo que ela se dane. Tudo recheado de diálogos excelentes, atuações idem e bons personagens secundários.

Sobre Better Call Saul eu direi apenas que: considerava Walter White um personagem complexo até conhecer Saul Goodman/Jimmy McGill, que tem mais camadas que uma cebola. Ou que o Shrek. E depois de seis temporadas de suspense, ação, intrigas criminosas, fotografia espetacular, conflitos familiares e atuações impecáveis, confirmei no último capítulo o que eu já desconfiava: que estive acompanhando uma bela e trágica história de amor.

Vô morrê de saudade.

Helê

23 de agosto

Omar ibn Said

Se há leis que pegam e outras não, também há datas que não conseguem se fixar no calendário de eventos. Eu descobri ainda há pouco que hoje é o Dia Internacional da Recordação do Tráfico Negreiro e da sua Abolição, de acordo com a UNESCO, que celebra a data desde 1998. Em 23 de agosto de 1791 aconteceu no Haiti a primeira rebelião de independência nas Américas liderada pelos africanos escravizados. Como eu aprendi com o Projeto Querino (escuta absolutamente indispensável), essa revolução passou a ser o terror das elites dominantes, que temiam que os negros escravizados de outras colônias fizessem o mesmo. Séculos se passaram e ainda há o que temer, visto que no país que recebeu cerca de um terço de todas as pessoas traficadas no período das colônias, na cidade que recebeu um milhão dessas pessoas, ninguém fala sobre o Dia Internacional da Recordação do Tráfico Negreiro e da sua Abolição. Talvez porque a data fale explicitamente sobre recordar, e todo o esforço nacional foi o de esquecer, abafar e sepultar a escravidão e suas sequelas. Em vão: estamos aqui para recordar, repetir e elaborar*.

PS: Soube da data por um fio no tuíter (em inglês) falando sobre Omar ibn Said, um estudioso muçulmano que foi escravizado nos Estados Unidos e escreveu em árabe sua autobiografia.

*Eu não li o texto do Freud, mas só o título eu já acho poderosíssimo e certeiro.

Helê

Idiossincrasinhas

* Dogma pessoal: nunca assisto decisão nos pênaltis nem debate eleitoral.

Debates eu acho que cheguei a assistir os primeiros presidenciais, em 89, mas meu sistema fica muito nervoso. Talvez trauma do fdp do Collor, não sei. Mas não tenho condições. Pênalti eu me recusei a assistir em 94, no tetracampeonato de futebol; deu certo, e nunca mais na vida eu assisti (no caso de estar torcendo para um dos times, claro).

* Dogma compartilhado com a Monix: não reclamo de vizinho se divertindo (aniversário, churrasco, reunião animada, tá valendo).

Procuro ter com vizinho a mesma condescendência que gostaria que tivessem comigo. Além disso, eu sempre penso no quanto é horrível e angustiante ouvir discussões, brigas, tentar decidir se é ou não caso de chamar a polícia – já vivi isso, é desesperador. Barulho de festa só é ruim porque você não está lá; além do mais, não acontece todo dia porque ninguém tá podendo. Então deixaoscara, em bom carioquês.

Minha tolerância talvez se deva à leitura de uma crônica, décadas atrás, do Rubem Braga, “Recado ao vizinho do 903”, publicada na icônica coleção Para Gostar de Ler. Acho que toda a minha vida em apartamentos foi guiada por essa ideologia do Braga.   

Rubem Braga, em desenho no IMS

 * Ritual pessoal: nunca volto pra casa direto depois de um enterro ou velório. Se não for possível arrastar um ou mais amigos para o bar, vou eu sozinha e tomo pelo menos uma gelada, espécie de gurufim particular. Para celebrar a vida de quem se foi e a minha, e espantar esse ranço de morte que fica na gente nessas situações.  E também pra ela não saber meu endereço.

Helê

Julice 1.9

Outros tempos, outras julices; mesmo orgulho, o amor maior.

Helê

Saiba

Esbarrei nessas fotos no tuíter e não resisti a trazer pra cá – em que pese o erro de incluir o Chico Buarque no Bonde dos Octogenários (no qual ele só embarca em 2024). O engano certamente se deve à genialidade dessa turma; alguém sugeriu que no ano de 1942 um portal se abriu. Por ele passaram também, pra ficar só na música brasileira, Clara Nunes, Nara Leão, Paulinho da Viola e Tim Maia. (Um tal de Paul MacCartney também passou). A Flávia Oliveira abordou o “fenômeno” em uma de suas excelentes colunas, quando chamou atenção para os “oitenta anos” dessas e de mais duas figuras com excesso de talento: Muniz Sodré e Nei Lopes, cada um a seu modo e em suas áreas, responsáveis por relevantes serviços e obras para a cultura brasileira. Acho que a Flávia só não colocou a Vera porque – que pena! -, não teve ainda o privilégio de conhecê-la, a grandmothern de todas nós e minha amiga, com muito orgulho e saudade. A Vera, Veríssima, só confirma a excelência impressionante dessa safra de gente.

Voltando às fotos: de cara eu fiquei impressionadíssima em como o Milton mudou tão pouco. Ao mesmo tempo, na Rádio Cabeça começou a tocar “Saiba“, do Arnaldo Antunes, essa canção de ninar que eu acho absolutamente genial. A mistura de gente reconhecidamente bacana e vilões incontestáveis quase assusta num primeiro momento, mas cumpre a missão do poeta, de colocá-los todos como humanos que somos. Também faz isso nos propondo o inusitado exercício de imaginar em fraldas e com chupetas gente como Einstein, Freud ou Buda, que se fixaram em nosso imaginário como velhos desde sempre. Em verso ousado e talvez contraindicado para uma lullaby, Antunes também nos iguala pelo final, lembrando da morte, tão certa quanto o fato de que tivemos, todos, pai e mãe. Ou seja, uma canção de ninar improvável, tratando de temas delicados, ainda que aparentemente simples, e que cita Hitler e Fernandinho Beira-Mar, Che Guevara e Simone de Beauvoir. Mas faz tudo isso de um jeito tranquilizador, sereno e sábio, com uma melodia que nos embala e afinal, nos convence de que é isso aí, tudo natural, é assim para todos, e somos todos humanas potências, para o Bem ou para o Mal. A geração de 42 talvez tenha apenas caprichado um pouco mais.

Helê