Experiência

Meu amigo Christian enviou uma entrevista do jornalista Paulo Henrique Amorim na qual ele traça um impiedoso painel do jornalismo brasileiro contemporâneo. Concordemos ou não, trajetória para isso ele tem. Então vale a pena a leitura, embora não haja ali nada de realmente novo pra quem lê o Amorim, ainda que eventualmente.

O que mais me agradou foram pontos fora do eixo principal da entrevista: a carioquice exibida com orgulho e graça, no final; a opinião sobre Paulo Francis (pra mim, uma farsa) e uma história saborosíssima, com a qual eu me identifiquei imediatamente:

Conhece a história do Rubem Braga? Era colunista da revista Manchete. Um dia ele foi pedir aumento ao Adolfo Bloch, que respondeu: ´Você escreve isso aí em meia hora´. Aí o Rubem rebateu: ´Eu escrevo isso aí em quarenta anos e meia hora´.

Helê

Somos todos uns carentes, não?

A frase me ocorreu ao pensar no jornalista que ficou feliz da vida quando a amiga comentou um texto escrito por ele. “Então você lê?!”, ele perguntou surpreso. “Mas é claro que eu leio, você manda sempre, eu adoro o que você escreve, a maneira, a sua perspectiva…”  E o jornalista ia se alegrando cada vez mais ao se saber lido e admirado. Porque este é nosso ofício, pra isso somos treinados e cobrados, mas na rotina do trabalho há de haver espaço para tanta coisa – apurar, redigir, editar, ilustrar –  que uma parte do processo,  ser lido e comentado, acaba ocupado o menor espaço, ou pelo menos é com o qual temos menos contato. Talvez não devesse ser assim, dado que trata-se da nossa finalidade primordial. E pode não ser o que dá mais prazer – eu, particularmente, amo pesquisar – mas certamente reconhecimento e retorno gratificam muito. Concordo que um trabalho bem feito é a nossa maior recompensa, mas como fica melhor quando alguém repara nele, não? Então tanto faz um jornalista prestigiado, autor de livros, que escreve para o jornalão,  ou uma blogueira que se ressente com poucos comentários. Porque, afinal, somos todos uns carentes.

Dedicado ao Michael Kepp, que quando eu leio gosto muitíssimo.

Helê

Quem não se comunica

Como vocês já sabem, nós duas somos jornalistas. Em nosso dia-a-dia de trabalho, são comuns (muito mais do que vocês imaginam) situações em que precisamos explicar para um cliente (interno ou externo) que nosso trabalho é especializado, que existem técnicas específicas, que a gente estudou para isso, que não basta “levar jeito para redação” para fazer o que nós fazemos. Tem muita gente que acha que só porque sabe escrever (tipo: foi alfabetizado) sabe, automaticamente, se comunicar. Isso é tão fora de propósito quanto alguém achar que só porque aprendeu a fazer contas pode construir uma ponte, por exemplo.

A questão é que não basta dominar a ferramenta – no caso, o idioma. Tem que saber o que escrever, para quem, que estratégia adotar. Etc, etc, etc. Se tem uma coisa que irrita qualquer profissional da área é a arrogância de boa parte do pessoal das ciências exatas ao considerar a técnica “deles” mais difícil que a “nossa”. Se eles conseguem ser engenheiros, que é tãaaao difícil, é claaaro que também conseguiriam fazer a assessoria de comunicação, se tivessem tempo (eles são muito ocupados). Afinal, comunicação é muito simples, é coisa daquele povo que não gostava de estudar e escolheu o vestibular mais fácil de passar.

Pronto, falamos.

As Duas Fridas

Das mil e uma maneiras de ser racista, tendencioso e parcial em apenas duas palavras e uma legenda



O jornal O Globo de hoje publicou esta foto de Evo Morales, presidente da Bolívia. Na edição impressa consta a seguinte legenda: Índio americanizado: Morales toma coca-cola durante manifestação. Que primor, não é mesmo? Como se consegue tanto com tão pouco! Neste breve texto estão presentes concepções sobre o que é ser índio, o que é ser americanizado, o que é correto ou não para um índio fazer… Agora transformado em inimigo número 1 da nação, Evo Morales é atacado na sua característica mais genuína e inconteste: a ascendência indígena. Afinal, um verdadeiro índio não deveria tomar coca-cola, não é mesmo? Aliás, não deveria mesmo era ser presidente, nénão?

Você acha que eu estou sendo radical? Talvez. Mas tente imaginar qualquer outro presidente com semelhante legenda, algo como, por exemplo: ”Nordestino americanizado: Lula toma coca-cola em passeata”. Estranho, pra dizer o mínimo.

Bom exemplo de que aquela revista semanal é o menor dos nossos problemas, porque lá a manipulação é grosseira; portanto, evidente. Mensagens como essa, quase sub-reptícias, numa simples legenda, ajudam a construir imagens distorcidas e preconceituosas.

Helê
PS: Ao baixar a foto, de Michel Filho, do site do jornal, li a legenda preparada para a versão on line “O presidente boliviano, um ex-líder dos plantadores de coca e crítico ferrenho do ”imperialismo americano”, bebe Coca-Cola em manifestação”. Que diferença, não? A referência étnica sumiu por completo, e o texto tenta esclarecer a incongruência no ato do presidente. Resta agora desvendar as razões dessa longa distância entre um leitor e outro, por que tanta atenção com um e tamanho desleixo com outro.

Boa Noite, Boa Sorte

Boa Noite, Boa Sorte.
Recomendo fortemente a qualquer dos nossos leitores que tenham alguma ligação profissional ou emocional com a atividade da comunicação social, ou qualquer tipo de interesse na área. Sério. Não percam.
-Monix-

Update: no mesmo cinema, sessão seguinte, ia rolar o lançamento de Carnaval, Bexiga, Funk e Sombrinha, um documentário sobre os blocos de clóvis do subúrbio carioca. Estava bem animado, e também fiquei bem a fim de assistir o filme. Deve ser legal.