Encontros imprevistos

Os cds aqui em casa são organizados por ordem alfabética de artistas, apenas. É uma coleção modesta, eu não entendo muito de música para separar por gêneros. Na verdade acho difícil mesmo, porque muitas vezes o DNA é tão misturado que não para dizer onde termina o baião e começa o bailão, ou quando a salsa encontra a valsa e produzem um merengue daqueles. Então fico nessa classificação que me parece a menos complicada, embora dúvidas sempre apareçam – Fagner fica em F ou em R, de Raimundo? É Fundo de Quintal ou Grupo Fundo de Quintal, como aparece em vários discos? 14 Bis fica em C, no Q ou antes de tudo por ser número?

Mas o bacana mesmo são os encontros forçados que essa arrumação proporciona e pensar no que elas poderiam gerar: parcerias, estranhamento, jam sessions ou até mesmo brigas por absoluta incompatibilidade de gênios ou gêneros. Acho, por exemplo, que Alanis Morissette e Adriana Calcanhoto se entendem muito bem lá na prateleira. Mas o Sinatra e o já citado Fundo de Quintal fazem uma composição, no mínimo, inusitada. Até posso imaginar o Bira Presidente cantarolando Strangers in the night num arroubo apaixonado, mas o Sinatra no Cacique de Ramos é meio improvável… Mais ou menos como o encontro de Geraldo Pereira e George Michael. Já o encontro da Ângela Rorô com a Ana Carolina poderia render bons frutos: talvez Rorô pudesse corrigir o rumo da breguice que a Carolina escolheu, e esta poderia retribuir dando visibilidade à talentosíssima porém um tanto esquecida Rorô.

Caetano ao lado da Cantoria é menos exótico do que parece, depois que ele revelou no livro ‘Sobre as letras’ que ele escreveu Beleza Pura inspirado nos versos de Elomar em Violero. Cartola parece confortável ladeando a ‘Casa de bamba’; já o Buarque não sei se tem muito assunto com o Science. Edith Piaf, Earth, Wind and Fire e Elba Ramalho só tem em comum mesmo a inicial – embora em possa imaginar Elba ouvindo e curtindo os dois primeiros. Cazuza certamente não reclama de ter Cat Stevens como vizinho, sorridente e lindo (pelo menos era assim, 30 anos atrás). O Barão Vermelho eu tenho certeza que se pudesse, dava em sumiço no Barry White, só pra ficar mais perto dos Beatles. Mas a vizinhança com os meninos talvez seja o centímetro quadrado mais valorizado e disputado de toda coleção.

Os Joões parecem se dar bem – Gilberto, Bosco e Nogueira – e quando precisam de animação convidam os vizinhos Jorges, o Aragão e o Benjor (Seu Jorge eu deixei no S, embora tenha dúvidas). Outra convivência pacífica e harmoniosa que teria sido inclusive frutífera, é Legião Urbana e Lenine. O mesmo não se pode dizer de Lulu Santos e Luiz Gonzaga, que parecem se medir mutuamente, desconfiadíssimos. Como misturar água de côco e rapadura? Já Luiz Melodia acho que combina com mestre Lua – pelo menos já gravou um forró.

Bem, interrompo por aqui essa viagem; se vocês gostarem do post eu tento terminar a coleção falando do pessoal do ême ao zê. As fotos são de parte da coleção, um pedacinho importante da minha casa e vida.

Helê

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