Caminho do meio

“Sou – que doideira – um louco de juízo”, disse Carlos Drummond de Andrade sobre Dom Quixote e Sancho Pança, no poema “Diquisição na Insônia”.

Sou uma louca de juízo. Pragmática, não gosto de perder a consciência (daí que quase não bebo e nunca curti DORGAS). Sempre tive – ou quis ter – empregos estáveis, sou uma escrava do dia 10, casei, tive filho, não consegui estruturar minha rotina doméstica de modo a não ter uma empregada-que-dorme, ando muito mais de carro do que meu lado ecologicamente correto aprovaria, frequento shoppings em dezembro, sigo os scripts corporativos, honro pai e mãe, vou às reuniões da escola, pago as contas (quase sempre) em dia, vivo de aluguel e prezo muito a piscina, o playground e o salão de festas do prédio padrão classe média onde vivo – aliás, há quase uma década não mudo de endereço, vejam vocês. Sou um exemplo da vida pequeno burguesa no início do século XXI.

Sou, porém, uma louca de juízo. Idealista, simpatizo com todos os movimentos transgressores do mundo, do Occupy Wall Street à Marcha das Vadias. Deixo meu pensamento livre para ir onde quiser, admirar os artistas, os junkies, os doidos de plantão, os que questionam esse mundo absurdo, e, confesso, não invejo o preço que eles têm que pagar por isso.

Não acho que sou melhor que ninguém por viver uma vida convencional. Nem que ninguém seja melhor que eu porque optou por walk on the wild side. Os libertários do mundo precisam que alguém mantenha as agências bancárias funcionando, os supermercados abertos, os elevadores subindo e descendo, os ônibus circulando, as roupas lavadas, passadas e guardadas no armário. E os caretas do mundo precisam que alguém rompa barreiras, pressione por mudanças, lute para que nada seja, amanhã, da mesma forma que é hoje.

Como não consegui decidir, fiquei mais ou menos no meio. Me deixem.

-Monix-

Em meses de desemprego…

. fui entrevistada para trabalhar numa fábrica de armas não-letais,

. visitei um Criad e vi mudanças no Degase;

. participei de uma seleção em que oito das dez candidatas usavam preto & branco (fora eu e outra ousada),

. aprendi a preencher um recibo de RPA;

. descobri a diferença entre marinha mercante e militar e também o que ‘prático’ é uma profissão;

. fiz um frila para a melhor colônia de férias do Rio, o Gato Mia;

. escrevi sobre os perigos da toalha molhada, como escolher seu criado mudo, as melhores cortinas, campeonato de videogame, conservando seu edredom;

. levei meses para receber por um serviço;

. dei uma palestra sobre raça & gênero, com powerpoint e tudo, e o roteiro foi feito a partir de posts e uma pleilist publicados aqui;

. recebi  a big help from my friends, as usual,

. e também a solidariedade de gente que nunca me viu, como a generosa Daniela Arrais;

. entre essas pessoas está a Maria Amélia, que me ensinou a cobrar pelo meu trabalho tendo em mente esta pérola : “Não me peça de graça a única coisa que posso vender”.

Foram meses de incerteza e temor, cujos aprendizados e cicatrizes ainda se fazem sentir. Talvez a gente nunca se recupere totalmente do rombo na autoestima, e persista uma vaga insegurança, uma permanente intranquilidade – que a gente tem que domar e transformar em inquietação criativa e propulsora, evitando a paranoia. Mais uma tarefa complexa nessa brincadeira sem volta de ser gente grande.

Helê

PS: Este post não deve ser lido separadamente – o comentário do Chris complementa e enriquece a conversa – porque vocês sabem, conversar com os leitores é a nossa pretensão mor ;-)

Desalento

Os economistas chama de “desalento”  o fenômeno que explica a queda nos índices de desemprego motivada pela desistência. Acontece quando número significativo de desempregados deixa de procurar emprego, alterando as estatísticas sem propriamente aumentar o contingente de pessoas empregadas. Atinge mais as mulheres –  veja você, são elas as mais desalentadas. Ao mesmo tempo em que somos mais vulneráveis no mercado de trabalho, também temos maior capacidade de encontrar alternativas ao emprego formal.

Achei tudo isso melancólico e injusto. Mas não pude evitar apreciar esse nome, desalento, e pensar que a poesia invadiu a economia e se fez presente, como alguém decidido a reaver o que lhe pertence, talvez num arroubo de loucura ou sensatez, vai saber. Ou talvez para protestar contra a frieza dos números e lembrar que, afinal,  eles tratam de pessoas e do imensurável em suas vidas.  Acho belíssima essa insolência das palavras, quando cruzam fronteiras sem apresentar passaporte ou pedir permissão, usando a autonomia que pretendemos  lhes cassar.

A propósito: pesquisando para o post soube que o desalento diminuiu no últimos meses. Tomara Deus, todos eles.

Helê

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Helê

PS: Alguém sabe me dizer porque não consigo transformar o e-mail em hiperlink neste editor?