Corri 21 km. Percorri o trecho da orla carioca que vai do Recreio a São Conrado. Corri durante duas horas e vinte dois minutos. De qualquer modo que eu escreva parece um grande feito – e é. Desconfio que sempre será. Mesmo não sendo a primeira vez, houve emoção e alegria enormes, cada prova tem história e enredo próprios. Há também um elevado grau de imprevisibilidade em uma corrida. Além dos humores do clima, contamos com um equipamento tão sofisticado quanto instável: nosso corpo. Organismo vivo – e, portanto, autônomo – sempre pode surpreender, para o bem ou para o mal. A gente procura fazer a nossa parte, mas nenhuma preparação evita o frio na barriga antes da largada, a excitação de iniciar uma aventura que não sabemos como vai terminar.
Eu não sabia. Ganhei peso e perdi pace desde a Meia Maratona do Rio, minha estreia nessa distância. Havia espaço para dúvida entre as garrafinhas de água e os sachês de gel; mas também levei um bocado de confiança e refis de determinação. Depois da preleção do treinador e do incentivo dos companheiros, pouco a pouco fui entrando no mode corrida. Eu boto reparo em tudo ao redor, nas gentes, na paisagem, na música. Mas o foco recai sobre o corpo, esse invólucro que habitamos de maneira quase displicente no dia a dia e que ganha nova dimensão quando realizamos um exercício físico de longa duração. Você forçosamente passa a prestar atenção em diferentes tarefas: respiração, pisada, postura, aquela dorzinha chata no tendão, esse cabelo no olho tá me atrapalhando, será que essa pontada no joelho vai incomodar? O corpo deixa de ser algo que se tem para ser o que você é. E, que ironia, essa hiperconsciência corporal acaba transcendendo o físico e te situa num patamar diferente de percepção. Ou não, vai ver essa minha viagem é sequela do runner’s high, esse barato provocado pelas endorfinas que nos deixa meio embriagados depois de correr.
Doideira ou não, o fato é que uma corrida de longa distância se passa em outro registro espaço temporal para que nela está. O tempo encolhe e estica, assim como os quilômetros, de modo não linear. Do que recordo, até o quilômetro nove o esforço era para ir mais devagar. Eu me empolgo no começo e, ao lado de outros muitos corredores, perco a referência do meu próprio ritmo. Do 9 ao 10 demorou uns dois quilômetros e meio: foi quando a primeira onda de cansaço bateu. Paciência, respira fundo, aceita que é isso, uma onda que passa, não significa que você vai arrastar correntes até o final. Lá pelo km 15 bateu a certeza que terminaria a prova, sempre tenho esse momento. Subi o elevado do Joá, km 17, extenuada, preocupada apenas em não andar e mentalmente me consolando com a promessa de sombra. Que teve um efeito restaurador imediato: disparei, para minha própria surpresa; mesmo cansadas as pernas respondiam com rapidez e força. A playlist ajudou com o Milton cantando no meu ouvindo “Agora não pergunto mais/aonde vai a estrada!”. Respondi: “Nem eu!” e meti o pé. Perto da chegada ouvi alguém gritar meu nome e nada paga essa alegria. Ver meu treinador, Marcello Morone, acenando pra mim nos últimos metros me deu o gás necessário para cruzar a reta final sem ar nenhum, mas inspirando e expirando felicidade, satisfação e me sentindo muito poderosa.
Helê
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