Salvando palavras

Li um artigo do Sérgio Rodrigues* que lamentava o desaparecimento da palavra “maremoto”, substituída pela implacável “tsunami”. É um texto curtinho, bem escrito, com sacadas bem humoradas mas não óbvias e no qual o autor, embora se ressinta da perda, aceita e registra a inovação, sob protesto.

Não vejo outra maneira de lidar com as palavras, com a linguagem, ente pulsante e maleável, que é de todos e de ninguém. Nós que mantemos com ela relação mais intensa somos assediados pelas dúvidas sobre onde ceder e como resistir, onde encontrar a regra definitiva – como se fosse exata isso que nem é ciência, mas organismo vivo complexo e mutante.

Eu vivo oscilando entre acolher e até mesmo defender o novo – como presidenta – e recusar aberrações como “inicializar” (cruz credo!). Por um lado, persigo com sanha assassina o onipresente  “complicado” , essa erva daninha que contamina todo tipo de discurso e qualifica tudo:  o trânsito, o aumento do salário, o Oriente Médio e o banheiro químico. Tudo é complicado; nunca mais as coisas estiveram congestionadas, distantes, complexas ou inviáveis. Confesso, porém, que acompanho certos modismos, tipo, usar “tipo” como vírgula ou dois pontos na fala – mas vamocombiná que tem gente que usa como respira, chato demais!

Tudo isso para dizer que eu não me considero uma conservadora apegada e intransigente, mas  quero me juntar ao  Sergio nesse lamento pela supressão de  “maremoto”. Mais uma palavra que se vai, empobrecendo a língua e a todos nós. Seria louvável uma iniciativa como a do “Save the words”, que estimula o visitante a conhecer e adotar novas palavras, espalhando-as, salvando-as do esquecimento. Os responsáveis pelo site afirmam que  “90% do que escrevemos é comunicado por apenas 7 mil palavras“.  Desconheço a fonte da informação mas me parece verossímil. Lendo os jornais ou assistindo ao notíciário televisivo tenho a impressão de que usam bem menos, uma mistura de preguiça, pressa e descaso tamanha que às vezes sequer conseguimos distinguir onde termina uma matéria e começa outra.

Se de fato as palavras são roupas que a gente veste, talvez estejamos botando fora algumas que ainda nos cabem, deixando de lado tantas outras clássicas e úteis, e repetindo muito alguns  modelos. Apesar de ter à disposição um guarda-roupa vasto, diversificado e belíssimo.

Helê

*compartilhado pela Monix, que por sua vez compartilhou link do Alex Castro.

14 Respostas

  1. Muito apoiado! Eu me sinto anacrônica atualmente quando falo bicicleta (em vez de bike), maquiagem (em vez de make) e telefonema (call é o cacete)!

    Oi, Nana! Puxa, alegria dobrada, pela comunhão de ideias e por saber que você ainda nos frequenta, hahaha! (Vou fazer uma call pra dizer que vai telefonar é de doer!)
    Saudade; beijoca,
    Helê

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  2. Resgatei o recebimento das newsletters que estavam indo pro arquivo direto e estou amando os textos, obrigada! 😘😘💕💕💕

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  3. Que delícia se perder por essa página!

    Fique à vontade, Lu, a casa é nossa :-)
    Aquele Abraço,
    Helê

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  4. Desde que li o post cada vez que leio ou ouço tsunami agora penso maremoto. Helê você salvou a palavra!

    Ueba! Que alegria, Anna!
    Obrigada; beijo,
    Helê

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  5. Uma tsunami de tiramissu tirou o míssil da mitsubishi… Desculpem, li o posto da Meg e pirei na aliteração. Foi um breve momento Tom Zé, mas já passou.

    Sai desse corpo que ele não te pertence, Tom! :-D
    Helê

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  6. Tiramissú! (fui no google)

    É isso: tsunami sempre me faz lembrar de tiramissu.

    (menos neste momento, lógico)

    bjos

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  7. “uma mistura de preguiça, pressa e descaso …”, eu acrescentaria também “ignorância”. Estamos ficando ignorantes do conteúdo assombrosamente rico da nossa língua.

    Maremoto é bonito, né? Mar e movimento.

    Tsunami é palavra esquisita, sempre me remete àquele doce gelado italiano cujo nome parece japonês, mas que agora esqueci.

    Também tem isso, Meg, infelizmente :-( .
    Beijoca pra nubente!
    Helê

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  8. Fridas, meninas, “bárbaros” o post e os comentários !! Para quem gosta e vive intimamente com as palavras, para quem faz uso delas de forma direta na profissão, para quem se comunica na mais prosaica das situações… Rende teses nas rodas acadêmicas e conversas infindáveis nas mesas dos bares…
    Beijos para vocês.

    Conta com a gente pras mesas de bares quando vc estiver por aqui, combinado?
    Beijoca,
    Helê

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  9. vixe… hoje mesmo eu estava tentando explicar para a Luisa o que é um tsunami, e a única explicação que consegui formular foi: uma onda gigante que é formada depois de um maremoto. isso porque mês passado eu tive que explicar terremoto e maremoto.

    Mãe (e pai) tem cada função, né mesmo? :-)
    Bj,
    Helê

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  10. Helê, mais um post que eu poderia ter escrito tintim por tintim. Aprendi com meu pai, filho de filólogo, a “cherchez le mot juste”. Nossa língua tem palavras exatas para quase tudo, por que não usá-las?
    Beijos

    Adoro essa expressão, le mot juste.
    ;-)
    Beijo!

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  11. Prefiro a palavra ‘maremoto’. Acho que tem sonoridade mais prazerosa do que a estranha (pra mim) ‘tsunami’.

    Gente, eu contribuo demais pra essa ‘perda das palavras e talz’ quando uso virgulas. Aliás, não sei usá-las e acho que nunca vou aprender então, parei de usar de vez. (mentchira!).

    BJS

    De fato, Mari, o som de maremoto me parece mais fiel ao evento. Tsunami me passa a ideia de algo único e rápido, como se fosse uma única onda altíssima e veloz.
    Bj,
    Helê

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  12. Sei lá, mas eu acho que não considero maremoto e tsunami a mesma coisa. Estou falando de orelhada. Pq tem uns tremores no mar – o q pra mim seria o maremoto – que não vira tsunami, que é a onda. Mas sei lá, não pesquisei…

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    • É tudo a mesma coisa, Dani. Meu palpite é que na época do maremoto da Indonésia os jornalistas pegaram os feeds das agências internacionais, tava lá tsunami, tascaram a palavra e ficou. depois vieram com essa justificativa, na minha opinião uma mera racionalização a posteriori, depois do erro cometido, tentando diferenciar o tremor da onda que ele provoca. Mas essa é exatamente a definição de maremoto! Veja o que diz o Houaiss:
      “ampla e profunda ondulação do oceano, cuja causa, freq. localizada à distância, pode ser um vendaval ou oscilações sísmicas”
      E a wikipedia:
      http://pt.wikipedia.org/wiki/Maremoto
      Beijos!

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